Debate sobre naus portuguesas

A localização de nove das 12 naus portuguesas do século XVI e XVII naufragadas na costa sul-africana foi objecto de discussão na II Conferência de Arqueologia Marinha e Descobrimentos Portugueses a decorrer em Mossel Bay, na província do Cabo Ocidental.

Agência LUSA /
Naus em debate DR

O comandante Malhão Pereira, da Academia da Marinha Portuguesa, referiu-se em detalhe aos destroços localizados e identificados, entre as localidades de Port Edward, no extremo ocidental da província do Kwazulu-Natal, e a Cidade do Cabo, bem como a técnicas de navegação nos séculos XV e XVI.

Para Malhão Pereira, é fascinante ver hoje com exactidão, em Mossel Bay, que todos os marcos assinalados pelos portugueses naquele tempo estão no local preciso em que foram referenciados: a nascente, situada dentro do complexo do Museu Bartolomeu Dias, a ilhota no meio da baía, que Álvaro Velho descreveu como "um ilhéu em mar, três tiros de besta", onde há muitos lobos-marinhos, hoje conh ecida por Seal Island, e por aí fora.

Estudiosos sul-africanos utilizam este rico tesouro para estudar as cerâmicas e porcelanas chinesas da dinastia Ming entre outros ramos da História dos séculos XV e XVI. Valerie Esterhuizen, da Universidade de Pretória - uma das maiores especialistas em cerâmica daquela instituição e do país - possui uma fascinante colecção de cerâmica chinesa, recolhida nas praias das regiões do Cabo Oriental e também Ocidental. Seis séculos após os naufrágios, as marés ainda atiram para a costa pedaços de cerâmica azul e branca, tão característica daquele período e que faziam parte da carga dos galeões portugueses que naufragaram nesta costa.

Entre 1505 e 1691 naufragaram, segundo os registos históricos, 12 (ou possivelmente 13) naus portuguesas na costa sul-africana do Índico. O primeiro navio a ir ao fundo nestas águas ficou conhecido como o "Soares" e foi identificado, com poucos detalhes, na baía de Mossel, onde decorre a conferência e se localiza o Museu Bartolomeu Dias, que guarda um dos maiores espólios da História marítima portuguesa.

Nos anos que se seguiram à proeza de Dias - a passagem do Cabo da Boa Esperança, em 1488 - a actividade dos navegantes portugueses nestas costas foi intensa.

Em 1498 Vasco da Gama abriu a rota marítima para o Oriente, António de Saldanha explorou Table Bay em 1503. O "Soares" foi o primeiro navio a naufragar na zona, em 1505, e em 1551 o "São João de Becoinho" naufragou em Ponta do Ouro, dando início a uma era de naufrágios cada vez mais frequentes.

Em 1552 o "São Jerónimo" naufragou a norte de Richards Bay e no mesmo ano o "São João", em Port Edward. Este último viria a tornar-se o mais famoso dos naufrágios pela narrativa da épica viagem por terra dos seus sobreviventes (entre os quais o comandante Sepúlveda) até terras moçambicanas.

Dois anos depois, em 21 de Abril, foi a vez do "São Bento" naufragar perto da foz do rio Msikaba, na zona hoje conhecida por Wild Coast, província do Cabo Oriental.

A 24 de Março de 1593 o "Santo Alberto" naufragou no Cabo Ocidental e já no século seguinte, em 1622, o "São João Baptista" perdeu-se entre Woody Cape e o Keiriver. Em 1630 naufragou o "São Gonçalo" em Plettenberg Bay, em 1635 o "Nossa Senhora de Belém" a nordeste do rio Nzimvumbu. Em 1643 foi a vez do "Santa Maria Madre de Deus" (neste caso calcula-se entre Bonza Bay e East London), e em 1647 naufragou "Santa Maria de Atalaia do Pinheiro", perto do rio Cefante. No mesmo ano verificou-se o naufrágio do "Santíssimo Sacramento" em Schoenmakerskop e em 1686, nas imediações do Cabo Agulhas, perdeu-se o galeão "Nossa senhora dos Milagres".

A II Conferência sobre Arqueologia Marinha e Descobrimentos Portugueses conta com um número-recorde de participações portuguesas. Além de Malhão Pereira, estão presentes o professor Francisco Contente Domingues, do Departamento de História da Universidade de Lisboa, Vanessa Loureiro, arqueóloga náutica que estuda na Sorbonne, em Paris, Francisco Alves, director do Centro Português de Arqueologia Náutica e Subaquática, António Manuel de Andrade Moniz, do departamento de Estudos Portugueses do CECLU, Ana Cristina Roque do Instituto de Pesquisa Tropical, e a jornalista Mónica Belo, que narrou a sua experiência no estudo dos naufrágios portugueses na costa portuguesa.

Os organizadores do encontro são os académicos Paul Brandt e Valerie Esterhuizen, fundadores do Centro de Estudos Náuticos Portugueses, sedeado em Pretória.

Legislação sobre destroços marinhos, a ciência da arqueologia marinha e muitos outros temas paralelos têm sido discutidos na conferência desde sábado.

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