Um pergaminho romano foi lido pela primeira vez desde que a erupção vulcânica do Monte Vesúvio, há dois milénios, o carbonizou. Os investigadores recorreram à tecnologia da Inteligência Artificial e a uma instalação de raios-X de alta potência para "desenrolar virtualmente" o rolo de papiro PHerc.172. Durante o processo, sobressaiu a palavra "desgosto" proveniente do grego antigo.
O pergaminho de papiro, identificado como o quinto documento a ser "desenrolado digitalmente" - rolo PHerc.172 – está entre uma coleção de milhares de documentos carbonizados e soterrados devido à erupção do vulcão Vesúvio a 79 d.C., em Itália.
Este arquefato é um dos muitos rolos resgatados de uma única sala das ruínas de uma rica habitação - villa - na cidade romana de Herculaneum, encontrada em 1750, atualmente a cidade italiana de Ercolano, entre Pompeia e Nápoles.
Foi agora revelada a primeira imagem do interior do rolo PHerc. 172, um dos três pergaminhos de abrigados nas Bibliotecas Bodleianas. Este papiro de Oxford foi doado no início do século XIX por Ferdinando IV, Rei de Nápoles e Sicília.
Pergaminho 5 (PHerc. 172) | Projeto Desafio Vesúvio
No início de fevereiro, a equipa do projeto Vesuvius Challenge - Desafio Vesúvio-, recorrendo à tecnologia da Inteligência Artificial e outras técnicas computorizadas, como imagens de raios-X, começou a analisar fragmentos do pergaminho PHerc 172.
"Desgosto", do grego antigo
As primeiras imagens de texto dentro do pergaminho, desenrolado virtualmente, e aprimorando a leitura das zonas com tinta, foram geradas com sucesso.
"Desgosto", do grego antigo
As primeiras imagens de texto dentro do pergaminho, desenrolado virtualmente, e aprimorando a leitura das zonas com tinta, foram geradas com sucesso.
Ao interpretar as colunas de texto, os investigadores começaram a decifrar as palavras antes ilegíveis. Destacam a tradução da uma palavra, “διατροπή,” que significa “desgosto” em grego antigo e aparece pelo menos duas vezes no texto.
“É um momento incrível na história, pois bibliotecários, cientistas da computação e académicos do período clássico estão a colaborar para ver o invisível”, disse Richard Ovenden, bibliotecário de Bodley e Helen Hamlyn, diretora das bibliotecas da Universidade, em comunicado.
“Os avanços surpreendentes feitos com imagens e IA estão a permitir-nos olhar para dentro de pergaminhos que numa mais foram lidos desde há dois mil anos".
O pergaminho PHerc.172 como revelado por imagens de raios-X | Projeto Desafio Vesúvio
"O pergaminho inteiro está cheio de texto"
Este rolo de papiro é o quinto pergaminho intacto a ser virtualmente desenrolado pelo Projeto Desafio Vesúvio.
A imagem do pergaminho praticamente desenrolado mostra uma parte considerável do papiro e – mais importante – algumas colunas de texto com cerca das últimas 26 linhas de cada coluna. A digitalização é usada para criar uma reconstrução 3D. As camadas dentro do pergaminho - que contém cerca de dez metros de papiro - ficam ao alcance de serem identificadas.
Se um investigador tentasse desenrolar estes rolos manualmente, provavelmente iria destruir qualquer vestígio de escrita. Mas a promessa de uma solução de alta tecnologia veio dar novas esperanças para conhecer o teor dos manuscritos carbonizados.
O documento disponibilizado pelas bibliotecas Bodleianas foi depositado numa caixa feita especialmente para o transporte e levado para a o centro de investigação Diamond Light Source em Oxfordshire.
O manuscrito foi colocado dentro de uma máquina, chamada síncrotron, onde os "eletrões são acelerados quase à velocidade da luz para produzir um poderoso feixe de raios X com a capacidade de sondar o pergaminho sem danificá-lo.
"Este feixe consegue ver coisas na escala de alguns milésimos de milímetro", explicou Adrian Mancuso, diretor de ciências físicas da Diamond.
"Precisamos de descobrir que camada é diferente da próxima para que possamos desenrolá-la digitalmente", continuou Mancuso. Isto porque “tanto o papiro quanto a tinta são feitos de carbono e por isso quase indistinguíveis um do outro”.
Depois do documento digitalizado a “IA procura os mais pequenos sinais de existência de tinta, e essa tinta é tingida digitalmente, trazendo letras à luz”.
"Podemos dizer que o pergaminho inteiro está cheio de texto", argumentam os especialistas do Projeto.
"Podemos dizer que o pergaminho inteiro está cheio de texto", argumentam os especialistas do Projeto.
Imagens digitalizadas do pergaminho | Projeto Desafio Vesúvio
A IA amplifica a legibilidade
Brent Seales, professor de ciência da computação na Universidade de Kentucky e cofundador do Vesuvius Challenge, afirmou que o pergaminho de Oxford, de entre os cinco pergaminhos do sítio arqueológico italiano, já digitalizados, contém o texto com mais possibilidade de ser recuperado, porque a composição química da tinta favorece a leitura de forma mais clara nos exames de raios X.
Os investigadores da Bibliotecas Bodleianas acreditam que a "tinta pode conter um ingrediente mais denso, como chumbo", porém, serão necessários mais testes para "identificar a receita precisa que tornou a tinta muito mais legível do que outros pergaminhos que fazem parte do Desafio Vesúvio".
A radiografia 3D ao redor da superfície de um papiro faz parte da tarefa de deteção de tinta, identificando os locais das partes tintadas da página. É aqui que entra uma das dificuldades dos Papiros de Herculaneum: a tinta e o papiro têm densidades muito semelhantes, dificultando a deteção da tinta em radiografias 3D.
A tarefa do IA é outra. "A IA opera muito como copistas do século XVIII, que eram empregados para replicar meticulosamente o que viam nos pergaminhos sem compreender o texto. Essa falta de compreensão foi, e continua sendo, uma vantagem, pois garante que nenhum ajuste ou interpretação especulativa seja introduzida, preservando a integridade do conteúdo original" argumentam os investigadores de Oxford.
Seales explica que o principal desafio é achatar os documentos e distinguir a tinta preta dos papiros carbonizados para tornar a escrita grega e latina legíveis. As técnicas de Inteligência Artificial não são aplicadas para descodificar o texto, mas sim para “amplificar a legibilidade da tinta usada para escrever os caracteres manuscritos”, continua o cientista.
Já o olhar humano pode interpretar padrões texturais. "A transcrição e tradução do texto é confiada à perícia de estudiosos humanos" acrescentam.
O Vesuvius Challenge foi criado por Brent Seales, Nat Friedman e Daniel Gross e lançado no início de 2023. O projeto global pretende estimular a descobrerta do conteúdo dos manuscritos encontrados em Ercolano sem nenhuma intervenção física nos próprios pergaminhos.
A iniciativa conta com um milhão de dólares para recompensar equipas de investigadores que se proponham fazer renascer um acervo único de dados sobre Roma e Grécia antigas das cinzas do Vesúvio.
Tópicos
Pergaminho
,
Papiro
,
Vesúvio
,
Carbonizado
,
Rolo
,
Decifar
,
IA
,
Raio-X
,
Arqueologia
,
Desgosto
,
Antiguidade
,
Vesuvius Challenge