Cultura
Diego Cigala ao compasso do Tango
A boa comida, a par com a cultura da América Latina, enchem as medidas do cantor de Flamenco, de regresso a Portugal para dois concertos em redor do Tango. O primeiro no Centro Cultural de Belém dia 27 e o segundo, um dia depois, na Casa da Música do Porto.
"Eu canto sempre de coração. Não sei fazer um play-back"Foi por um bom argumento mas tivemos de esperar pela entrevista. A hora de almoço do artista espanhol prolongara-se mais do que o previsto. Demorada e saborosa tinha sido a ementa na Marisqueira Ramiro, escolhida a dedo por Diego El Cigala, o madrileno de origem cigana que assinala os pontos do globo mais marcantes com o paladar.
Diana Duarte (DD) Tem viajado pelo mundo com este álbum "Cigala e Tango" mas a alma do Flamenco expandiu-se em Madrid. Como está a saúde do Flamenco em Espanha?
Diego Cigala (DC) A crise parou os concertos em Espanha mas se és um artista internacional podes tocar na Europa, Turquia, Colombia, Costa Rica.... E, realmente, todos os cantores de Flamenco, para vingarem na vida, tiveram de passar obrigatoriamente por Madrid.
Eu cresci no bairro de Lavapiés mas hoje não o reconheço. Antes tomávamos uma cerveja, falávamos com este e aquele e agora o bairro é do mundo: há muitas etnias, há africanos, árabes, chineses e isso é bom mas não é o bairro da minha infância.
Havia muitos Tablaos (casas de espectáculo de Flamenco) e diversidade; agora há menos e os que existem são para turistas, os madrilenos já não vão lá.
Antes as saídas nocturnas duravam toda a noite mas agora os artistas resguardam-se mais e ficam em casa; é como gravar um álbum, já não precisas de deslocar-te de casa porque de lá podes fazer tudo com pouca tecnologia.
Conheça aqui o site oficial de Diego El Cigala
DD Mas precisará do seu país para continuar em contacto com o Flamenco ou não?
DG Continuo a contactar com os meus, com a minha gente mas tenho muitas saudades da comida espanhola.
Quando vais por aí em digressão e chega a hora de jantar, nove da noite, mas nesse país essa hora é ás sete da tarde, dizem-te "está fechado" (risos) respondo com admiração "a que hora comem vós?"
DD Porque em Espanha a hora do jantar é bem mais tardia...
DG Poder jantar as dez da noite é dificil. Chegas a um restaurante na Europa e dizem: não, não dá! Tal nunca acontece no México. Por isso o amo! É o meu segundo país. Sejam as horas que forem tu comes.
Vais na rua e eles cumprimentam-te com um (imitando voz de um mexicano ) "como está señor?"
Adoro o México e levo-o no meu coração e para mim é a chave da América latina. Lá dizem que o artista que não abre a porta do México não chega à América Latina e isso é muito acertado.
Quando tu abres a porta do México, abre-se-te a Argentina, a Colômbia, o Equador. O país já me deu muitas alegrias e gosto muito do povo mexicano.
DD São um povo alegre ou sofrido?
DG Sao alegres até com a "Santa morte" - morre uma pessoa e eles cantam!
Diz-se que é um país onde há muita delinquência mas isso encontra-se no interior. Sempre que eu vou fala-se muito de insegurança mas eles já me conhecem e eu posso andar em liberdade. Posso levar os meus ouros e nada de mal me acontece.
DD Traz sempre consigo tantos anéis, colares e pulseiras de ouro? Essa é uma característica muito cigana, não?
DG Não sei se é cigana mas pelo menos é salomónica não? (risos)
E muito faraónica.
Tenho este com um desenho do índio Jerónimo, um líder. O outro que é uma esfinge . Na outra mão tenho outro índio e um faraó.
A maioria foram ofertas.
DD Oferta de uma viagem ao Egipto?
DG Sim, da Mesopotâmia (actual Iraque). Dizem que vem daí o povo cigano num caminho desde a Índia, Arábia. Nós descendemos desses países. E quando lá fui senti isso mesmo e sei que viémos daí.
Para além do mais os cânticos na hora de rezar são lindos. Um dia, estava eu em Istambul e em frente ao Hotel havia uma mesquita. Eu acordava de manhã com os cânticos que vinham dessa mesquita. Era como se estivessem a cantar um lamento mas com uns "sssss " na voz muito semelhantes ao flamenco. Incrível.
Lancei por isso um projecto com uns ciganos turcos que conheci lá e nos camarins ao tocarmos pela primeira vez parecia que já tocávamos há uma vida. É por aí que pretendo ir musicalmente.
DD Onde pretende ir mais concretamente? Ainda sente que está a meio do seu caminho?
DG Sim, ainda tenho muito que fazer.
Quando canto Flamenco tudo o que canto canalizo para esse universo mas também gosto muito da interpretação na hora de cantar e meter-me dentro dos papéis de cada tema. Como "Alfonsina" ou "Sus ojos se cerraram" ou ouvindo um Bolero porque o Bolero também é um lamento. Ou um Tango.
Muito da Bossa Nova brasileira que está cheia de harmonia; gosto muito da Salsa e dos cantores afrocubanos, como o porto-riquenho que cantava música cubana Héctor Lavoe, o Benny Moré, o Rolando Laserie; um dia espero fazer-lhes uma homenagem porque eram grandes músicos.
Agora encerro o capítulo "Cigala e Tango" aqui pela Europa que estou a fazer desde 2010 em digressão internacional.
E recomeço com um disco novo em abril.
DD Um álbum novo de estúdio? Já está pronto?
DG Sim.Todo da minha autoria e chama-se "Romance da Lua Tucumana".
DD O que significa Tucumana?
DG É da província Tucomán no norte da Argentina.
É um disco mais andino, de mais poetas, da música do norte, feito só com guitarras, sem bandonéon. Com guitarras acústicas, guitarras eléctricas dos anos 50, com o som do Jdango Reinhard, o som da guitarra de George Benson e todos eles com o Flamenco ficam muito bom. Com temas como "Balde rama" , "Las simples cosas", "Los mareados".
E em finais de abril começa o novo caminho de "Romance de la luna Tucomana".
Deixo as coisas nas mãos de Deus e nunca levo as músicas "atadas" senão não me sai nada
DD Onde vai ser a estreia mundial ao vivo ?
DG No México, claro. Depois viajaremos pela América Latina e voltamos a Argentina chegando a sítios onde o Flamenco nunca havia chegado , mesmo ao interior e ás cidades mais longíquas da Argentina repetindo as localidades pois víamos aí os teatros cheios. Com este disco apresento emoções muito felizes.
Já não é um disco gravado ao vivo como o anterior pois este já foi pensado. Cada nota sou eu que digo onde vai graças à experiência de dois anos com "Cigala e Tango", algo que foi muito bom porque entrei nesse universo e no universo do folcrore.
DD Já sabe as músicas do novo álbum de cor?
DG Eu canto sempre de coração. Não sei fazer um playback.
Com esta digressão pelo mundo inteiro posso assegurar que nunca nenhum concerto foi igual, nunca teve o mesmo repertório.
DD E os seus músicos como podem acompanhar o seu ritmo de improviso?
DG São eles que me fazem cantar porque a cada dia improvisam. Têm de me surpreender a mim senão perco o entusiamo e fico entediado com a música se vejo que não funciona.
Tenho de fazer o que sinto e eles até me compreendem com um olhar.
Nunca quererei ser um músico que canta sempre bem. Há dias bons e dias maus porque senão é como pores um disco em repeet. A música é assim, tens de esperar que venha e eu tenho de ter confiança em mim mesmo. Deixo as coisas nas mãos de Deus e nunca levo as músicas "atadas" senão não me sai nada; ao contrário deixo que aflorem os meus sentimentos, sentimentos que preciso partilhar com o público.
DD Ganhou vários Grammy (prémios da música). Que importância tem para si ?
DG Creio que é um bom reconhecimento. É o reconhecimento do trabalho, do esforço e sobretudo servem-me para continuar a ter os pés assentes na terra.
Quanto mais prémios ganhamos mais nobre e sensíveis temos de ser.
Temos 5 Grammy e creio que é o bom de fazer música .
Estou eternamente agradecido a essa Academia que vota por mim.
Os dois espectáculos que aguardam a visita do publico português inspiram-se nos clássicos de tango argentino fundidos com a música espanhola Flamenca.
Com temas de Gardel prometidos no alinhamento como " El día que me quieras " ou " Sus ojos se cerraron".
E outros de Ástor Piazzolla.
Antes, já experimentara o êxito mundial de intepretar temas afrocubanos na companhia do pianista Bebo Valdés.
E tudo isso faz parte de uma paixão pelas Américas.
Diana Duarte (DD) Tem viajado pelo mundo com este álbum "Cigala e Tango" mas a alma do Flamenco expandiu-se em Madrid. Como está a saúde do Flamenco em Espanha?
Diego Cigala (DC) A crise parou os concertos em Espanha mas se és um artista internacional podes tocar na Europa, Turquia, Colombia, Costa Rica.... E, realmente, todos os cantores de Flamenco, para vingarem na vida, tiveram de passar obrigatoriamente por Madrid.
Eu cresci no bairro de Lavapiés mas hoje não o reconheço. Antes tomávamos uma cerveja, falávamos com este e aquele e agora o bairro é do mundo: há muitas etnias, há africanos, árabes, chineses e isso é bom mas não é o bairro da minha infância.
Havia muitos Tablaos (casas de espectáculo de Flamenco) e diversidade; agora há menos e os que existem são para turistas, os madrilenos já não vão lá.
Antes as saídas nocturnas duravam toda a noite mas agora os artistas resguardam-se mais e ficam em casa; é como gravar um álbum, já não precisas de deslocar-te de casa porque de lá podes fazer tudo com pouca tecnologia.
Conheça aqui o site oficial de Diego El Cigala
DD Mas precisará do seu país para continuar em contacto com o Flamenco ou não?
DG Continuo a contactar com os meus, com a minha gente mas tenho muitas saudades da comida espanhola.
Quando vais por aí em digressão e chega a hora de jantar, nove da noite, mas nesse país essa hora é ás sete da tarde, dizem-te "está fechado" (risos) respondo com admiração "a que hora comem vós?"
DD Porque em Espanha a hora do jantar é bem mais tardia...
DG Poder jantar as dez da noite é dificil. Chegas a um restaurante na Europa e dizem: não, não dá! Tal nunca acontece no México. Por isso o amo! É o meu segundo país. Sejam as horas que forem tu comes.
Vais na rua e eles cumprimentam-te com um (imitando voz de um mexicano ) "como está señor?"
Adoro o México e levo-o no meu coração e para mim é a chave da América latina. Lá dizem que o artista que não abre a porta do México não chega à América Latina e isso é muito acertado.
Quando tu abres a porta do México, abre-se-te a Argentina, a Colômbia, o Equador. O país já me deu muitas alegrias e gosto muito do povo mexicano.
DD São um povo alegre ou sofrido?
DG Sao alegres até com a "Santa morte" - morre uma pessoa e eles cantam!
Diz-se que é um país onde há muita delinquência mas isso encontra-se no interior. Sempre que eu vou fala-se muito de insegurança mas eles já me conhecem e eu posso andar em liberdade. Posso levar os meus ouros e nada de mal me acontece.
DD Traz sempre consigo tantos anéis, colares e pulseiras de ouro? Essa é uma característica muito cigana, não?
DG Não sei se é cigana mas pelo menos é salomónica não? (risos)
E muito faraónica.
Tenho este com um desenho do índio Jerónimo, um líder. O outro que é uma esfinge . Na outra mão tenho outro índio e um faraó.
A maioria foram ofertas.
DD Oferta de uma viagem ao Egipto?
DG Sim, da Mesopotâmia (actual Iraque). Dizem que vem daí o povo cigano num caminho desde a Índia, Arábia. Nós descendemos desses países. E quando lá fui senti isso mesmo e sei que viémos daí.
Para além do mais os cânticos na hora de rezar são lindos. Um dia, estava eu em Istambul e em frente ao Hotel havia uma mesquita. Eu acordava de manhã com os cânticos que vinham dessa mesquita. Era como se estivessem a cantar um lamento mas com uns "sssss " na voz muito semelhantes ao flamenco. Incrível.
Lancei por isso um projecto com uns ciganos turcos que conheci lá e nos camarins ao tocarmos pela primeira vez parecia que já tocávamos há uma vida. É por aí que pretendo ir musicalmente.
DD Onde pretende ir mais concretamente? Ainda sente que está a meio do seu caminho?
DG Sim, ainda tenho muito que fazer.
Quando canto Flamenco tudo o que canto canalizo para esse universo mas também gosto muito da interpretação na hora de cantar e meter-me dentro dos papéis de cada tema. Como "Alfonsina" ou "Sus ojos se cerraram" ou ouvindo um Bolero porque o Bolero também é um lamento. Ou um Tango.
Muito da Bossa Nova brasileira que está cheia de harmonia; gosto muito da Salsa e dos cantores afrocubanos, como o porto-riquenho que cantava música cubana Héctor Lavoe, o Benny Moré, o Rolando Laserie; um dia espero fazer-lhes uma homenagem porque eram grandes músicos.
Agora encerro o capítulo "Cigala e Tango" aqui pela Europa que estou a fazer desde 2010 em digressão internacional.
E recomeço com um disco novo em abril.
DD Um álbum novo de estúdio? Já está pronto?
DG Sim.Todo da minha autoria e chama-se "Romance da Lua Tucumana".
DD O que significa Tucumana?
DG É da província Tucomán no norte da Argentina.
É um disco mais andino, de mais poetas, da música do norte, feito só com guitarras, sem bandonéon. Com guitarras acústicas, guitarras eléctricas dos anos 50, com o som do Jdango Reinhard, o som da guitarra de George Benson e todos eles com o Flamenco ficam muito bom. Com temas como "Balde rama" , "Las simples cosas", "Los mareados".
E em finais de abril começa o novo caminho de "Romance de la luna Tucomana".
Deixo as coisas nas mãos de Deus e nunca levo as músicas "atadas" senão não me sai nada
DD Onde vai ser a estreia mundial ao vivo ?
DG No México, claro. Depois viajaremos pela América Latina e voltamos a Argentina chegando a sítios onde o Flamenco nunca havia chegado , mesmo ao interior e ás cidades mais longíquas da Argentina repetindo as localidades pois víamos aí os teatros cheios. Com este disco apresento emoções muito felizes.
Já não é um disco gravado ao vivo como o anterior pois este já foi pensado. Cada nota sou eu que digo onde vai graças à experiência de dois anos com "Cigala e Tango", algo que foi muito bom porque entrei nesse universo e no universo do folcrore.
DD Já sabe as músicas do novo álbum de cor?
DG Eu canto sempre de coração. Não sei fazer um playback.
Com esta digressão pelo mundo inteiro posso assegurar que nunca nenhum concerto foi igual, nunca teve o mesmo repertório.
DD E os seus músicos como podem acompanhar o seu ritmo de improviso?
DG São eles que me fazem cantar porque a cada dia improvisam. Têm de me surpreender a mim senão perco o entusiamo e fico entediado com a música se vejo que não funciona.
Tenho de fazer o que sinto e eles até me compreendem com um olhar.
Nunca quererei ser um músico que canta sempre bem. Há dias bons e dias maus porque senão é como pores um disco em repeet. A música é assim, tens de esperar que venha e eu tenho de ter confiança em mim mesmo. Deixo as coisas nas mãos de Deus e nunca levo as músicas "atadas" senão não me sai nada; ao contrário deixo que aflorem os meus sentimentos, sentimentos que preciso partilhar com o público.
DD Ganhou vários Grammy (prémios da música). Que importância tem para si ?
DG Creio que é um bom reconhecimento. É o reconhecimento do trabalho, do esforço e sobretudo servem-me para continuar a ter os pés assentes na terra.
Quanto mais prémios ganhamos mais nobre e sensíveis temos de ser.
Temos 5 Grammy e creio que é o bom de fazer música .
Estou eternamente agradecido a essa Academia que vota por mim.
Os dois espectáculos que aguardam a visita do publico português inspiram-se nos clássicos de tango argentino fundidos com a música espanhola Flamenca.
Com temas de Gardel prometidos no alinhamento como " El día que me quieras " ou " Sus ojos se cerraron".
E outros de Ástor Piazzolla.
Antes, já experimentara o êxito mundial de intepretar temas afrocubanos na companhia do pianista Bebo Valdés.
E tudo isso faz parte de uma paixão pelas Américas.