Do Metoposaurus ao aspirante a Geoparque Algarvensis

por Carla Quirino - RTP
Crânio de Metoposaurus Algarvensis Vasco Célio

O Metoposaurus Algarvensis foi um predador parecido com uma salamandra que viveu há 220 milhões de anos em charcos pouco profundos, na zona que corresponde atualmente ao interior do concelho de Loulé. A descoberta do fóssil na jazida da Penina não só inscreveu uma nova espécie na página da ciência paleontológica como também estabeleceu o ponto de partida para a constituição de um Geoparque, que herdou o nome deste vertebrado.

"Num dia de calor intenso, alguns anos atrás, eu estava com dois colegas, um americano e um inglês, e descobrimos aquela jazida fabulosa", explica o paleontólogo Octávio Mateus, em entrevista à RTP, acrescentado que têm "crânios de, pelo menos, nove indivíduos incompletos". "É uma brutalidade - esta é a única bonebed,- (camada de ossos) - conhecida em Portugal. Corresponde a uma camada geológica que está cheia de ossos de animais. Estimámos uma densidade de três crânios de Metoposaurus por metro quadrado, o que é muito".

Aquelas zonas que hoje são rochosas eram há 220 milhões zonas lagunares e terão sido o último reduto deste vertebrado anfíbio. Num período de maior seca os animais aí confinados não sobreviveram.

O predador, que como faz lembrar uma salamandra gigante, podia chegar aos dois metros de comprimento. Já se conheciam Metoposaurus em Marrocos, França, Alemanha e Polónia, mas os crânios encontrados perto de Salir têm características diferentes.


Reconstituição do Metoposaurus Algarvensis, ilustração de Joana Bruno

"O que nós tínhamos em mãos era um animal distinto, com características únicas, o que nos permitiu classificá-la como uma espécie nova para a ciência" sublinha o paleontólogo que também é professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa.

"A forma do crânio é mais larga, achatada e relativamente mais curta e a posição dos olhos está mais para a frente do que nos outros. São alguns dos pormenores diferentes dos Metoposaurus conhecidos anteriormente. É um dos vertebrados fósseis mais antigos de Portugal e da Península Ibérica. É o único testemunho que temos destas formações do Triásico (período geológico entre 252-201 milhões de anos) em Portugal" destaca Octávio Mateus.

Esta descoberta revelou-se importante para compreender a geologia daquela região do Algarve. Marca uma das etapas da abertura do Atlântico numa altura em que todos os continentes estavam juntos num super continente chamado Pangeia.

Há 220 milhões de anos, aquele território estaria perto da latitude do Equador e o ambiente seria tropical, com zonas áridas e quentes na parte central do continente. Estas condições climáticas favoreceram a oxidação do ferro das rochas tornando-as na avermelhada Grés de Silves. Desde a separação continental que a plataforma correspondente à atual Europa tem migrado para norte.


Formação Grés de Silves | Vasco Célio

"Eu acho que este vertebrado, este fóssil em particular, é um dos primeiros indícios dessa abertura do Atlântico, quando não havia mar. Aqueles lagos eram o indício onde os continentes iam rasgar", diz Octávio Mateus. Na época dos dinossauros, quando esse continente começou a separar-se, o chão foi deformando e o mar entrou terra a dentro. "Deixou milhões de toneladas de sal e atualmente esse sal está por baixo da cidade de Loulé, nas minas de sal-gema, por exemplo".

Este valor paleontológico de elevado interesse internacional foi apresentado à Câmara Municipal de Loulé pela mão do investigador e assim arrancou a ideia do projeto do Geoparque Algarvensis.
E o que é um Geoparque?
"Um geoparque é uma classificação atribuída pela UNESCO a um projeto de valorização, proteção, educação e desenvolvimento de uma determinada área que apresenta um valor geopatrimonial de reconhecido interesse internacional", esclarece Luís Azevedo Rodrigues, paleontólogo e diretor do Centro Ciência Viva de Lagos à RTP. Acrescenta, no entanto, que "é um processo longo desde a submissão de uma candidatura até a aprovação desse projeto de gestão e valorização territorial".

A candidatura está a ser apresentada por três municípios e tem como coordenadores técnicos Dália Paulo pelo concelho de Loulé, Paula Teixeira pelo município de Silves e Luís Pereira, pelo concelho de Albufeira. A direção científica está a cargo de Cristina Veiga Pires.


Rocha da Pena, Loulé | Vasco Célio

A intenção de estabelecer o Geoparque Algarvensis Loulé-Silves- Albufeira, foi aceite em 2020 pela Comissão Nacional da UNESCO, que classificou o projeto como "aspirante" a Geoparque. Atualmente, prepara-se a candidatura final que, segundo os responsáveis pela Coordenação do Projeto, será apresentada em 2023, mas para isso "o território já terá de estar a funcionar sob o modelo de Geoparque pelo menos durante um ano."
Três pilares da UNESCO: GeoEducação, GeoConsevação e GeoTurismo
Para ser reconhecido como Geoparque Mundial pelo Conselho Executivo da UNESCO, terá de se trabalhar em várias frentes. Para os coordenadores, o projeto "reúne um património geológico de relevância, um território bem definido e uma estratégia de desenvolvimento sustentável, que assenta nos pilares do Conhecimento-Ciência, Educação e Cultura".

Também o património arqueológico pode contribuir para o sucesso desta candidatura, nomeadamente, os vestígios da escrita mais antiga da Península Ibérica, a chamada "Escrita do Sudoeste", ou as Antas do Ameixial e os diversos menires que se encontram na paisagem.


Menir da Vilarinha, Silves | Francisco Lopes

Os coordenadores municipais e científicos responsáveis pelo projeto sublinham "a importância da diversidade geológica, sendo esta, suporte para os diversos habitats. Essa é uma das mensagens que o Geoparque transmite: a geodiversidade é em si o suporte da biodiversidade."

Para além de se constituir a Associação Geoparque Algarvensis, entidade que irá gerir a candidatura e o território, as prioridades dos trabalhos centram-se na inventariação dos sítios de relevância geológica, na realização de atividades educativas e de sensibilização junto da população e escolas, na criação de percursos e de sinalética no território, na comunicação, na investigação e produção de conhecimento científico.

O grupo coordenador reforça a necessidade de "um centro interpretativo na jazida da Penina, onde o nosso Metoposaurus algarvensis foi descoberto e a renovação do Museu Municipal de Loulé". Este equipamento irá apresentar "duas grandes novidades, únicas a Sul do Tejo, uma será um laboratório de paleontologia e outra uma parte expositiva que contará a história da Terra no momento da separação da Pangeia e dos mares interiores."

Entre os 12 sítios geológicos que "irão integrar a candidatura e que permitem contar um dos pequenos capítulos da história da Terra desde há 350 milhões de anos" estão a Formação Geológica do Grés de Silves ou o Planalto do Escarpão em Paderne, no concelho de Albufeira. Alcançar os calcários jurássicos a mais de 400 m de altitude da Rocha da Pena, onde foi encontrado o Metoposaurus algarvensis, ou descer a 230 metros de profundidade à Mina de Sal-gema, em Loulé, são geosítios também referenciados.


Planalto do Escarpão, Paderne, Albufeira | Vasco Célio

Importância de um Geoparque
Este projeto, que está totalmente localizado no barrocal e serra algarvia, pretende potenciar a valorização de recursos alternativos às praias e combater a sazonalidade, articulando a criação de roteiros patrimoniais associados a um turismo sustentado e que permitam a fixação de pessoas.

"Pretende-se criar uma maior coesão territorial e social, uma vez que aposta nos recursos endógenos potência a visita, a experiência e a estadia todo o ano. Por outro lado, pretende-se desenvolver novos nichos de emprego e de oferta uma vez que parte do território e da sua capacidade de atração", reforça a equipa coordenadora.

Sobre a importância de um Geoparque na região algarvia, Luís Azevedo Rodrigues explica à RTP que o património geológico da região apresenta enorme relevância e que "a importância é grande uma vez que o projeto apresentado, o Geoparque Algarvensis, procura proteger e valorizar uma parte do património geológico algarvio, e digo parte porque esta candidatura foi apresentada pelos Concelhos de Loulé, Silves e Albufeira, assentando por isso apenas no território destes concelhos." O investigador entende "que o Algarve deveria ter apresentado uma candidatura mais abrangente em termos territoriais".

Questionada sobre a razão de apenas três municípios estarem abrangidos pela candidatura, a coordenação do projeto esclarece que "foi uma opção que tem uma coerência territorial, de desenvolvimento e de geologia, uma vez que a parte da história da Terra que queremos contar fica completa com estes municípios". Acrescentam também que o "processo não está fechado, e pode vir a crescer com mais parcerias ao longo do tempo".
"Os Geoparques são para as pessoas e com as pessoas"
A coordenação tripartida explica que "as pessoas terão um papel fundamental especialmente no projeto de Geoturismo, promovendo a cultura, as tradições e os produtos locais e gastronomia". "Diríamos que o maior desafio será o envolvimento da população no projeto, pois é isso que a UNESCO mais valoriza, e nesse sentido a população local terá de ter muito bem assimilado o que se pretende".


Fonte Benémola, Loulé | Vasco Célio

Portugal conta com vários geoparques mundiais. Entre estes estão a Estrela, Açores, Arouca, Naturtejo e Terras de Cavaleiros.

Em busca do reconhecimento internacional, e a par do aspirante Geoparque Algarvensis, avançam também nas mesmas condições os geoparques Oeste e Jurássico da Figueira da Foz.
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