Documentário mostra Guiné Equatorial pelos olhos de escritor no exílio

por Lusa

Lisboa, 12 out 2019 (Lusa) - A vida do escritor mais traduzido da Guiné Equatorial, exilado em Espanha, é o tema de um novo documentário que, através da história de Juan Tomás Ávila, pretende levantar o véu sobre um dos países mais fechados de África.

Com estreia prevista para 23 de outubro, durante a Semana Internacional do Cinema de Valladolid (SEMINCI), "O escritor de um país sem livrarias" é o segundo documentário do jornalista catalão Marc Serena.

Serena assinou em 2015 com o também escritor catalão Pablo García Pérez de Lara o premiado "Tchindas", um filme sobre a força do Carnaval na ilha de São Vicente, centrado em Tchinda Andrade e a comunidade transexual em Cabo Verde.

"Gosto de fazer filmes que gostaria de ver. A Guiné Equatorial é o único país de África que fala espanhol, é um país novo que teve a sua independência de Espanha há 50 anos. Gostava muito de ver um filme da Guiné Equatorial, mas não consegui porque não há muitos", disse Marc Serena à agência Lusa.

O documentário nasceu da "grande vontade" do jornalista de conhecer melhor a Guiné Equatorial após ter visto `Palmeiras na neve` (2015), um filme que fala sobre o período colonial espanhol, mas cuja rodagem não foi feita no país, nem contou com atores equato-guineenses.

Por isso, pegou na história de Juan Tomás Ávila, o escritor mais traduzido da Guiné Equatorial, nascido na ilha de Ano Bom, mas que viveu boa parte da vida na capital, Malabo, até ter sido forçado, em 2011, a abandonar o país após uma greve de fome em protesto contra o regime do Presidente, Teodoro Obiang, no poder há 40 anos.

O escritor vive, desde então, em Espanha, onde já trabalhou como vendedor ambulante, enfermeiro e editor.

"A Guiné Equatorial é um dos países mais herméticos de África. É muito difícil ir lá mesmo para fazer turismo. Conseguimos fazer lá a rodagem. O documentário é o filme da volta do nosso protagonista ao país [...] Não foi fácil, trabalhámos sem muita tranquilidade", disse.

Para Marc Serena, a Guiné Equatorial é um "país muito esquecido", dando como exemplo a pouca repercussão que a rodagem do filme está a ter nomeadamente em Espanha.

O documentalista acredita que falar da Guiné Equatorial é "hoje ainda um tabu" em Espanha e lamenta o desconhecimento sobre a existência em África de um país que fala espanhol e que foi uma antiga colónia, bem como o desinteresse das televisões espanholas em participar na coprodução do documentário.

"A vida de Juan Tomás Ávila Laurel é uma história pessoal, política e literária muito forte. Mesmo se os seus livros não são vendidos na Guiné Equatorial, mesmo se em Espanha as pessoas não sabem que há em África literatura escrita em espanhol, há muitas pessoas no mundo que leem os seus livros, muitas universidades que estudam a sua obra", disse.

Considerando que se trata de um "personagem muito forte", Marc Serena classifica Juan Tomás Ávila Laurel como um dos "intelectuais mais relevantes contra o ditador" Teodoro Obiang.

Ávila Laurel (1966) nasceu em Ano Bom, uma pequena ilha no Atlântico pertencente à Guiné Equatorial, mas viveu sobretudo na capital, na ilha de Bioko.

Com uma dezena de livros publicados, a sua obra mais conhecida é a novela "Arde o monte durante a noite" (2009), destacando-se outros como "A Carga" (1999) e "Avião de ricos, ladrão de porcos" (2008), publicados em espanhol.

A sua mais recente novela "O juramento do monte Gurugú (2017)" foi publicada apenas em inglês e para breve está a edição de "Quando a Guiné se ia pelo mar".

O autor publica regularmente no seu blogue Malabo e na revista digital Frontera D.

"O filme pretende ver o país e a situação através dos seus olhos e dos seus livros", reforçou.

Sobre o título do documentário, Marc Serena considera que o foco na inexistência de livrarias pretende ser simbólico de uma realidade mais vasta de falta de liberdade e de acesso à cultura na Guiné Equatorial.

"A liberdade de expressão é muito difícil para os jornalistas, para as pessoas, para fazer uma manifestação. O país não tem um cinema, o teatro só é possível nos centros culturais espanhol ou francês. Os livros não chegam lá, mas há muitas pessoas com vontade de ler", disse.

 

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