Cultura
Entrevistas inéditas de "Jackie" Kennedy não poupam ninguém
Em sete entrevistas concedidas três anos depois do assassínio do presidente Kennedy, a glamorosa viúva disparava em todas as direcções. À sua língua viperina não escapavam nem Martin Luther King, nem o entretanto presidente Lyndon Johnson, nem Indira Gandhi, nem Konrad Adenauer, nem Charles De Gaulle, nem Nikita Kruschov. Por esse motivo ou por outro, as entrevistas permaneceram inéditas durante quase meio século - até hoje.
As entrevistas foram concedidas a Arthur Schleisnger, antigo conselheiro de Kennedy, laureado jornalista e historiador, titular do Prémio Pulitzer, numa série de sete sessões, iniciada em 2 de março de 1964. Meses antes, em novembro de 1963, em Dallas, o presidente fora atingido por três tiros fatais.e morrera nos braços de Jacqueline Kennedy.
Património da família e património da História
As entrevistas constituíam, desde logo uma preciosidade, porque a mediática primeira dama se tornou depois uma viúva pouco acessível à imprensa. Desde a morte do presidente, "Jackie" apenas concedera à imprensa três entrevistas importantes, até se calar de todo na sequência do seu posterior casamento, em 1968, com o controverso milionário grego Aristóteles Onassis.
Agora, por ocasião do cinquentenário da tomada de posse de Kennedy, a sua filha Caroline decidiu desenterrar as entrevistas de "Jackie" que tinham permanecido todos estes anos na Kennedy Library e permitiu que fossem reunidas em livro, a publicar em breve nos Estados Unidos e na Alemanha.
Caroline, única sobrevivente dos três filhos do casal, citada no site de DER SPIEGEL, explicou a decisão com duas perguntas, que são uma só: "Até quando nos pertence uma pessoa que nos é próxima? A partir de quando pertence ela à História?" E decidiu que era tempo de dar à História o que à História pertence.
Nas entrevistas não faltam detalhes pitorescos sobre o dia-a-dia do presidente: este costumava ajoelhar-se todas as noites à cabeceira da cama, antes de se deitar, para fazer as suas orações - hábito antigo, resultante de uma educação católica, que no entanto não fizera dele um homem de costumes puritanos. Era também um aficcionado da sesta, a tal ponto que tinha um pijama próprio para a dita, sem fazer caso do espanto de "Jackie" que achava o aparato muito grande para sonecas, supostamente, tão curtas. E gostava de tomar o pequeno almoço na cama.
Mas a mesma mulher tida por apolítica, que revela estes detalhes duma certa intimidade conjugal, aparece também nas entrevistas sob a faceta menos conhecida do seu empenhamento partidário - embora não supreendente para quem recorda o seu militante empenhamento ao lado dos expedicionários cubanos organizados pela CIA para invadirem Cuba a partir da Baía dos Porcos.
Os comentários das entrevistas reflectem alguma coisa de quem era "Jackie", mas também muito de quem era "Jack", o defunto marido. Neles de traduzem apreciações que ela faz suas, mas que originariamente quase sempre partiram dele.
Maledicência desbragada
Assim, "Jackie" considera o paladino dos direitos civis dos afro-americanos, Martin Luther King, um “homem terrível”, de costumes dissolutos, uma "embalagem engandora" sobre o conteúdo, manhoso, a quem não perdoava uma alegada atitude trocista nas exéquias de Kennedy.
Também o presidente francês, Charles De Gaulle, não é popuado. "Jackie", de origem francesa, Bouvier de seu nome de solteira, afirma que "De Gaulle era o meu herói quando me casei com Jack", para logo acrescentar: "Mas, na verdade, ele era muito desagradável" e com aspectos de verdadeira egolatria. A antipatia por De Gaulle mistura-se aliás com um preconceito mais generalizante: "Detesto os franceses. Eles não são gentis, só pensam em si mesmos".
Outras personalidades são igualmente desfeiteadas: Indira Ghandi, a prometedora dirigente política indiana, mais tarde primeira-ministra, era segundo "Jackie" uma mulher "amarga, arrivista e horrível". Também o pai de Indira e seu antecessor na chefia do Governo da Índia, Nehru, é considerado um homem sisudo e antipático, marcado por uma "mentalidade hindu".
O chanceler alemão Konrad Adenauer é visto como "um velho azedo", sempre pronto a apresentar aos Estados Unidos os seus queixumes sobre Berlim e sobre a ameaça soviética. E o dirigente da URSS, Nikita Kruschov, caracteriza-se, ainda segundo "Jackie", por um "humor grosseiro".
Em busca de um lugar na História
Mas também os dirigentes norte-americanos a quem Kennedy disputa um lugar na História são maltratados com desenvoltura: o presidente Franklin Roosevelt era alguém que o marido de Jackie "não tinha na conta de um homem realmente grande". Embora ache exagerado chamar-lhe um "charlatão" (mas a palavra fica dita), "Jackie" diz que Roosevelt era "enganador" e "fazia muitas coisas em função da imagem que deixavam".
O presidente Eisenhower é também desconsiderado, mas não tanto como Lyndon Johnson, vice-presidente eleito com Kennedy. Quase profeticamente, "Jack" terá perguntado a "Jackie": "Meu deus, consegues imaginar o que seria deste país se Lyndon Johnson se tornasse presidente?". E, na verdade, foi Johnson o presidente após o assassínio de "Jack".
Algumas revelações não traduzem tanta maledicência dos dois cônjuges sobre os seus contemporâneos, mas diluem consideravelmente a imagem de um JFK (John Fitzgerald Kennedy) dinâmico e resoluto. "Jackie" recorda como "Jack" chorou copiosamente após a fracassada invasão da Baía dos Porcos, Cuba, em 1961, e como pensou em evacuar a família para Camp David em 1962, durante a Crise dos Mísseis, também com Cuba. Terá sido "Jackie" quem se impôs para ficar, com as crianças, porque, segundo afirmava dramaticamente, em caso de um ataque nuclear soviético queria morrer ao lado do marido - tal como os filhos desejariam fazê-lo ao lado do pai ...
Património da família e património da História
As entrevistas constituíam, desde logo uma preciosidade, porque a mediática primeira dama se tornou depois uma viúva pouco acessível à imprensa. Desde a morte do presidente, "Jackie" apenas concedera à imprensa três entrevistas importantes, até se calar de todo na sequência do seu posterior casamento, em 1968, com o controverso milionário grego Aristóteles Onassis.
Agora, por ocasião do cinquentenário da tomada de posse de Kennedy, a sua filha Caroline decidiu desenterrar as entrevistas de "Jackie" que tinham permanecido todos estes anos na Kennedy Library e permitiu que fossem reunidas em livro, a publicar em breve nos Estados Unidos e na Alemanha.
Caroline, única sobrevivente dos três filhos do casal, citada no site de DER SPIEGEL, explicou a decisão com duas perguntas, que são uma só: "Até quando nos pertence uma pessoa que nos é próxima? A partir de quando pertence ela à História?" E decidiu que era tempo de dar à História o que à História pertence.
Nas entrevistas não faltam detalhes pitorescos sobre o dia-a-dia do presidente: este costumava ajoelhar-se todas as noites à cabeceira da cama, antes de se deitar, para fazer as suas orações - hábito antigo, resultante de uma educação católica, que no entanto não fizera dele um homem de costumes puritanos. Era também um aficcionado da sesta, a tal ponto que tinha um pijama próprio para a dita, sem fazer caso do espanto de "Jackie" que achava o aparato muito grande para sonecas, supostamente, tão curtas. E gostava de tomar o pequeno almoço na cama.
Mas a mesma mulher tida por apolítica, que revela estes detalhes duma certa intimidade conjugal, aparece também nas entrevistas sob a faceta menos conhecida do seu empenhamento partidário - embora não supreendente para quem recorda o seu militante empenhamento ao lado dos expedicionários cubanos organizados pela CIA para invadirem Cuba a partir da Baía dos Porcos.
Os comentários das entrevistas reflectem alguma coisa de quem era "Jackie", mas também muito de quem era "Jack", o defunto marido. Neles de traduzem apreciações que ela faz suas, mas que originariamente quase sempre partiram dele.
Maledicência desbragada
Assim, "Jackie" considera o paladino dos direitos civis dos afro-americanos, Martin Luther King, um “homem terrível”, de costumes dissolutos, uma "embalagem engandora" sobre o conteúdo, manhoso, a quem não perdoava uma alegada atitude trocista nas exéquias de Kennedy.
Também o presidente francês, Charles De Gaulle, não é popuado. "Jackie", de origem francesa, Bouvier de seu nome de solteira, afirma que "De Gaulle era o meu herói quando me casei com Jack", para logo acrescentar: "Mas, na verdade, ele era muito desagradável" e com aspectos de verdadeira egolatria. A antipatia por De Gaulle mistura-se aliás com um preconceito mais generalizante: "Detesto os franceses. Eles não são gentis, só pensam em si mesmos".
Outras personalidades são igualmente desfeiteadas: Indira Ghandi, a prometedora dirigente política indiana, mais tarde primeira-ministra, era segundo "Jackie" uma mulher "amarga, arrivista e horrível". Também o pai de Indira e seu antecessor na chefia do Governo da Índia, Nehru, é considerado um homem sisudo e antipático, marcado por uma "mentalidade hindu".
O chanceler alemão Konrad Adenauer é visto como "um velho azedo", sempre pronto a apresentar aos Estados Unidos os seus queixumes sobre Berlim e sobre a ameaça soviética. E o dirigente da URSS, Nikita Kruschov, caracteriza-se, ainda segundo "Jackie", por um "humor grosseiro".
Em busca de um lugar na História
Mas também os dirigentes norte-americanos a quem Kennedy disputa um lugar na História são maltratados com desenvoltura: o presidente Franklin Roosevelt era alguém que o marido de Jackie "não tinha na conta de um homem realmente grande". Embora ache exagerado chamar-lhe um "charlatão" (mas a palavra fica dita), "Jackie" diz que Roosevelt era "enganador" e "fazia muitas coisas em função da imagem que deixavam".
O presidente Eisenhower é também desconsiderado, mas não tanto como Lyndon Johnson, vice-presidente eleito com Kennedy. Quase profeticamente, "Jack" terá perguntado a "Jackie": "Meu deus, consegues imaginar o que seria deste país se Lyndon Johnson se tornasse presidente?". E, na verdade, foi Johnson o presidente após o assassínio de "Jack".
Algumas revelações não traduzem tanta maledicência dos dois cônjuges sobre os seus contemporâneos, mas diluem consideravelmente a imagem de um JFK (John Fitzgerald Kennedy) dinâmico e resoluto. "Jackie" recorda como "Jack" chorou copiosamente após a fracassada invasão da Baía dos Porcos, Cuba, em 1961, e como pensou em evacuar a família para Camp David em 1962, durante a Crise dos Mísseis, também com Cuba. Terá sido "Jackie" quem se impôs para ficar, com as crianças, porque, segundo afirmava dramaticamente, em caso de um ataque nuclear soviético queria morrer ao lado do marido - tal como os filhos desejariam fazê-lo ao lado do pai ...