Escritor Israel Campos destaca escrita "potente e doce" da vencedora do Prémio Camões Ana Paula Tavares
O escritor e jornalista angolano Israel Campos considerou que o Prémio Camões atribuído a Ana Paula Tavares é "um reconhecimento da força e importância dos escritores angolanos", destacando a generosidade da poetisa para com as novas gerações.
"Este prémio é uma importante distinção da literatura em língua portuguesa e vir pela terceira vez para Angola é também um reconhecimento da força e importância dos escritores angolanos", afirmou o autor, de 25 anos.
"É muito bonito ver uma escritora da dimensão da Ana Paula Tavares ser reconhecida no ano em que Angola celebra os 50 anos de independência, é uma dupla celebração", acrescentou.
Israel Campos conhece a poesia de Ana Paula Tavares desde jovem e destacou "a potência de uma escrita tão doce" como uma das caraterísticas que mais marca as obras da professora e escritora.
"Por intermédio dessa poesia tão potente conseguimos refletir sobre várias problemáticas do nosso tempo, incluindo o papel da mulher na sociedade angolana", sublinhou.
Elogiou também a personalidade humilde e generosa de Ana Paula Tavares, que "recebe de braços abertos as novas gerações, sabe ouvir e aponta caminhos".
"Mesmo agora, para o doutoramento, tenho contactado a escritora, uma profunda conhecedora de Angola, que está sempre disponível para dar de beber o seu saber aos novos escritores angolanos", disse, realçando o seu apoio na formação e conselhos preciosos.
"No meu caso, o melhor conselho que me deu tem a ver com a atenção aos detalhes. Lembro-me que uma vez fui ter com ela cheio de ideias na cabeça e de voltar com essa mensagem de especial atenção aos detalhes, tanto na escrita de ficção como na academia", acrescentou Israel Campos, que é atualmente doutorando em Média e Comunicação na University of Leeds, no Reino Unido, com uma investigação sobre a imprensa angolana pós-colonial, no período 1975--1991.
A escritora, professora e defensora dos direitos das mulheres Ana Paula Tavares tornou-se na quarta-feira a primeira mulher angolana a conquistar o Prémio Camões, ao fim de 37 edições. Depois de Pepetela (1997) e Luandino Vieira (2006), o galardão volta assim a distinguir uma voz de Angola.
Nascida no Lubango, província da Huíla, há 72 anos, Ana Paula Tavares é mestre em Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Universidade de Lisboa e doutorada em Antropologia da História pela Universidade Nova de Lisboa. Jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2023, foi homenageada com o congresso "Viva no Tempo e no Espanto", que celebrou uma das figuras centrais da literatura angolana contemporânea.
A autora tem sido uma das vozes femininas mais marcantes da poesia angolana, usando o sujeito poético feminino como veículo de denúncia e libertação da carga tradicional imposta à mulher africana. A sua escrita, profundamente enraizada na história e na paisagem cultural de Angola, conjuga rigor histórico e sensibilidade poética, ecoando temas de memória, identidade e resistência.
Em declarações à Lusa depois do anúncio, Ana Paula Tavares disse ter recebido a notícia com uma inicial incredulidade que passou a uma enorme satisfação, e realçou esperar poder continuar a provar que a poesia tem lugar nas lutas diárias.
"Só espero que haja a possibilidade de continuar a provar que a poesia tem um lugar nas nossas vidas, nos nossos compromissos, nas nossas lutas diárias", afirmou a poeta à Lusa.
Ana Paula Tavares afirmou que, desde o momento em que soube da notícia, a primeira coisa que lhe ocorreu foram as mulheres do seu país, Angola: "Aquelas que continuam em silêncio, a lutar pela vida todos os dias, a inventar a vida, a reconstruir essa mesma vida".
"Não tenho pretensões de falar em nome das mulheres do meu país. Sou uma mulher angolana e essa é a minha função, mas se a minha palavra de alguma maneira puder tocá-las e tocar as instâncias que podem - ou que devem - mudar as coisas é um objetivo que gostava" de alcançar, afirmou a escritora.