Exposição de Carlos Bunga no CAM Gulbenkian "quer ser muito mais casa e menos museu"
O artista português Carlos Bunga inaugura esta semana, no Centro de Arte Moderna Gulbenkian, em Lisboa, "Habitar a Contradição", projeto que "quer ser muito mais casa e menos museu".
A exposição de Carlos Bunga, a quem o museu deu carta branca para criar uma mostra individual, escolhendo também obras da coleção permanente do CAM para apresentar, está "dentro da caixa", o edifício, mas também no espaço exterior.
"O jardim tem um dos aspetos que mais tem marcado a minha obra. Temos uma obsessão para o eterno, mas o que é realmente permanente é a constante transformação das coisas. E essa transformação está presente na natureza, na vida. E foi uma coisa que nos guiou a pensar o que é um museu, se tudo se transforma, o que é uma coleção, o que somos nós e o que é também o mundo em que vivemos", disse hoje Carlos Bunga, durante uma visita de imprensa a "Habitar a Contradição".
É no jardim, do lado da Rua Marquês de Fronteira, que começa a exposição com "Beijódromo": "Peça que quer convidar o público a que estejamos todos juntos".
Nas palavras do artista, trata-se de "um espaço para namorar, para amar, para estar juntos, para a empatia". "Palavras que fazem mais sentido agora do que nunca, num mundo polarizado, num mundo manipulado, num mundo do digital", defendeu.
"Habitar a Contradição" continua depois no átrio do CAM, que Carlos Bunga batizou de "casa".
"Para mim é muito importante chamar a este espaço casa. A palavra museu tem sempre uma carga muito forte, tem esse peso institucional, uma carga histórica. Chamar a este lugar casa e ter estes mobiliários é para que as pessoas se sintam identificadas com uma casa que é para todos. Uma casa aberta a todos, onde temos experiências", explicou.
A ideia ali foi colocar "objetos que dialogassem com a arquitetura, mas que humanizassem um pouco mais aquilo que é um museu", recorrendo a peças de mobiliário e decoração que altera, dando continuidade a algo que tem vindo a fazer desde o início da carreira.
Dois dos objetos em exposição são duas televisões. Numa são mostradas imagens de arquivo do Ballet Gulbenkian, "instituição marcante no contexto nacional", e na outra um documentário sobre aquela companhia que existiu entre 1961 e 2005, da autoria do realizador Marco Martins.
"É uma peça que fala deste lugar e desta história. Este vídeo estar aqui é falar da história", disse Carlos Bunga, lembrando que "todas as casas estão cheias de segredos, de coisas por resolver".
Além disso, o artista vê a Dança como "um movimento de liberdade, um ato de rebeldia e de grito". "E nesta casa queremos que sejamos livres, estejamos juntos e seja um espaço público para que as pessoas venham e queiram dançar, num modo como deambulam pelo espaço, no modo como as obras fazem uma coreografia e estão dispostas por toda a galeria. E, principalmente, no modo como o corpo de todos nós, que é o presente, se sinta vivo e não seja só uma experiencia contemplativa ou conceptual", afirmou.
Quando se sai da `casa` entra-se na floresta, instalada na nave central do museu.
A decisão de levar o exterior para o interior surgiu numa das conversas que o artista e o curador tiveram com vários departamentos da Fundação Calouste Gulbenkian, recordou Rui Mateus Amaral, na qual uma das responsáveis pelo jardim lhes disse que "não há nada mais efémero na fundação que o jardim".
O exterior entrou, por exemplo, destapando as grandes janelas que dão para o jardim, onde também foram colocadas algumas peças, espalhando cadeiras no interior, e criando troncos em cartão, de várias grossuras, que vão do chão ao teto da nave central, criando assim uma floresta.
Para Carlos Bunga, nesta área tinha de estar "uma peça que tivesse uma certa contundência", criando um espaço que "conceptualmente é uma floresta, um espaço para refúgio, um espaço que naturalmente se transforma, onde as pessoas se podem esconder, e que tem esta monumentalidade porque é uma peça que quer convidar o público a entrar".
"O próprio espaço é a projeção de uma ideia, que está cheia de ecos e reflexos. É uma floresta que quer fazer eco da floresta que está fora, mas também de uma floresta que todos levamos dentro, que é aquilo que é casa", explicou.
As cadeiras que foram espalhadas na nave central, iguais às que há no exterior do CAM, passam a ideia que aquele "é um jardim para se estar". "Pedimos ao museu cadeiras destas para que as pessoas façam exatamente o que fazem no jardim: sentarem-se, poderem mover as cadeiras para onde quiserem". "Este é um projeto que tenho o desejo que as pessoas queiram entrar e não queiram sair. E se quiserem sair, que voltem com a família pelo entusiasmo que sentiram, que voltem com os amigos", afirmou Carlos Bunga.
Na nave central foram criadas divisões nas quais o artista partilha casas por onde passou: fotografias da mãe, cujo ventre foi a primeira casa que habitou, a recriação de um quarto na antiga Cadeia do Forte de Peniche, que acolheu pessoas que regressaram das ex-colónias portuguesas, e a "Casa n.17", em São Bartolomeu dos Galegos, na zona Oeste, que mostra através de fotografias, e de uma miniatura feita com recurso a uma caixa de cereais.
Em "Motherhood" Carlos Bunga recorda a mãe, que em 1975 deixou Angola para fugir à Guerra Civil, com uma filha pequena e outro, o artista, na barriga. Embora a mãe, que ao longo da vida enfrentou "racismo, misoginia e classismo", seja a protagonista da obra, esta tem "uma intenção muito mais profunda", refletindo sobre o que é ser mulher.
Aos jornalistas, Carlos Bunga lembrou a mãe como uma mulher "poderosa, forte, vulnerável e naturalmente brilhante". "Mãe imigrante, mãe solteira, mãe negra, que dizia que o sistema foi desenhado para enfraquecer as mulheres, tornando-as dependentes dos seus maridos", partilhou.
Entre as obras expostas há várias que nunca foram apresentadas antes, nomeadamente dos tempos em que Carlos Bunga era estudante na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha. Ele que sempre estudou em escolas públicas, como fez questão de salientar.
Além de apresentar obras da sua autoria, Carlos Bunga foi também convidado a escolher peças da coleção permanente do CAM, optando por trabalhos de autores como Lourdes Castro, Helena Almeida, Vieira da Silva, Alberto Carneiro, Alberto Chissano, Carlos Nogueira, Dóris Salcedo, Manuel Amado.
A exposição, que ocupa todo o espaço do museu, do chão ao teto, quer ser "uma espécie de espelho da mortalidade, das contradições" dos humanos, e "funciona como uma coreografia, uma dança".
"Queremos que as pessoas tenham uma experiência", disse o artista, que em "Habitar a Contradição" trabalhou pela segunda vez com Rui Mateus Amaral. A primeira foi em 2020, em Toronto. Esta é a primeira vez que o curador trabalha numa instituição em Portugal.
No início da visita, Carlos Bunga disse também que "a questão do imigrante é muito importante" na mostra, recordando que é um artista português imigrante em Barcelona, que apresenta uma exposição com curadoria de um outro português, Rui Mateus Amaral, imigrante em Toronto, feita a convite de um francês, o diretor do CAM, Benjamin Weil, imigrante em Lisboa, numa instituição fundada e deixada de herança por arménio, Calouste Gulbenkian, que foi também ele imigrante.
"Habitar a Contradição" estará patente entre sábado, 08 de novembro, e 30 de março de 2026.