Falta de indústria cinematográfica em Angola marca produção de "Meu Semba"- realizador
O realizador angolano Hugo Salvaterra disse à Lusa que a ausência de uma indústria cinematográfica em Angola o obrigou a um processo de produção único para a sua longa-metragem "Meu Semba", filme que celebra a identidade cultural do país.
Em entrevista à Lusa, o realizador angolano disse que "não existe" uma indústria de cinema em Angola, devido a ser "um país relativamente novo", embora haja "um certo percurso, uma certa história e até um legado de artistas da área visual".
"Temos um percurso no audiovisual de filmes lendários que já fazem parte da história do cinema mundial, que são relativamente conhecidos, mas foram filmes que não tiveram uma distribuição formal, não tiveram um circuito de cinema tradicional, precisamente por causa de infraestruturas, meios, mecanismos de comunicação", sublinhou Hugo Salvaterra, apontando os exemplos de "Sambizanga" e "Carnaval da Vitória".
Questionado sobre o seu novo filme e primeira longa-metragem, "Meu Semba", o realizador descreveu-o como "uma ode ao cinema, à música e à poesia".
O filme, disse, "trata as adversidades e alegrias do jovem comum angolano", transmitidas através das personagens na narrativa.
"É um filme que é fechado nas personagens, mas ao mesmo tempo é muito aberto do ponto de vista da diversidade de locais", sendo "um mapa geográfico dos vários cantos de Luanda [capital de Angola], urbanos e não urbanos".
Hugo Salvaterra considera ter uma responsabilidade, enquanto realizador, de vincar "um cunho cultural, quotidiano, e um cunho do jovem comum angolano".
Segundo o realizador, o título do filme usa o género musical como uma metáfora que "funciona como um modo cultural, como chavão de busca da identidade angolana, de uma reclamação de quem é que nós [angolanos] somos enquanto nação".
Por outro lado, relembra o papel do semba na história de Angola e a primeira banda popular, N`gola Ritmos, liderada por Liceu Vieira Dias, que foi fundamental para a disseminação da consciência nacional.
O cineasta, que já realizou três curtas-metragens e um documentário, declarou que o grande desafio foi o tempo de filmagem, justificando que, em Angola, a ausência de uma indústria cinematográfica estabelecida obriga à criação de novos métodos de produção.
Enquanto em países como os Estados Unidos e Portugal um filme é geralmente gravado em cerca de 30 dias, o seu filme foi filmado num espaço de dois anos, de forma intermitente, o que foi um "desafio particular, novo", e um desbravar de terreno, lamentou.
O filme "Meu Semba", produzido pela Geração 80, foi um dos selecionados para o Final Cut in Venice, um programa que apoia a pós-produção de filmes africanos, acumulando um valor significativo em apoios, entre 36.500 a 38.500 euros, atribuídos pela Laser Films, Studio A Fabrica, Cinémathèque Afrique e pelo Festival Internacional de Cinema de Friburgo.
Para Hugo Salvaterra, este reconhecimento foi "um momento de travessia" no seu percurso artístico, nomeadamente "pela falta de estruturas socioeconómicas e caminhos normativos para a produção de cinema em Angola", mas também uma afirmação do valor da peça produzida e o reconhecimento do "espírito coletivo", que envolveu toda a produção.
O cineasta contou que está entusiasmado em "apresentar Angola ao mundo", mostrando não só os temas pesados, mas também a "poesia do que significa ser angolano", a forma de estar e a forma de ser, esperando assim que o filme sirva como um "caminho inverso com os irmãos da lusofonia" e que leve um pouco da cultura angolana para fora do país.
Hugo Salvaterra revelou que o filme foi uma produção inteiramente angolana, uma decisão que tomou com a sua produtora, explicando que a co-produção é a norma global na indústria, mas que devido ao "isolamento" de Angola decidiram seguir sozinhos, num espírito de "by any means necessary" (a todo o custo).
O cineasta comparou-se a grandes nomes da indústria cinematográfica como Ingmar Bergman e Woody Allen, que começam novos projetos assim que terminam um.
Embora o processo de fazer a sua primeira longa-metragem tenha sido longo, quase cinco anos, Hugo Salvaterra disse que já está com "várias ideias a ferver" e que espera que o seu próximo projeto seja mais fácil.
DGYP // MLL
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