Fernanda Almeida partilha "berço" com o escritor Aquilino Ribeiro

por © 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

A vida de Fernanda Almeida "nunca deu muito para leituras" e pouco ou nada conhece da obra de Aquilino Ribeiro. No entanto, partilha com o "Mestre" o local de nascimento, a antiga residência paroquial de Carregal, em Sernancelhe.

Fernanda Almeida nasceu a 16 de Maio de 1942, na casa que hoje ostenta uma placa que dá como garantido ter sido ali "o berço" de Aquilino Ribeiro, 57 anos antes, a 13 de Setembro de 1885.

Nessa altura, a casa - situada dentro de um pátio que foi há poucos anos beneficiado pela Câmara Municipal de Sernancelhe - era a residência paroquial, onde viviam o pai de Aquilino, o padre Joaquim Francisco Ribeiro, e a sua mãe, a criada de servir Mariana do Rosário.

A casa e os respectivos terrenos foram mais tarde comprados pelo pai e por um tio de Fernanda Almeida.

"Depois, o meu pai ficou com a casa. Hoje é metade minha e metade do meu irmão. Mas a parte da casa onde está a lápide é minha", disse orgulhosamente à Agência Lusa, apontando para a porta situada no topo de uma larga escadaria em granito.

Fernanda Almeida viveu naquela casa até ter casado, aos 22 anos, e regressou já com 38 anos, o marido e cinco filhos. Viu-se obrigada a fazer obras para caberem todos e "por causa dos percevejos no Verão".

Aquilino Ribeiro recorda aquele local no romance "Cinco Réis de Gente", onde escreveu: "Vejo no grande e desmantelado pátio fidalgo a nossa casa, de lojas para animais e habitação, com a sua obsequiosa escada de pedra e um esgrouviado sabugueiro a bater atónito nas vidraças, que deitavam para o povo, sempre que o vento suão soprasse mais forte".

A mulher reconhece a importância história daquele pátio, sabe que foi descrito por Aquilino Ribeiro num dos seus romances mais autobiográficos e até conhece algumas das suas passagens, não porque tivesse lido o livro, mas por aquilo que sempre ouviu comentar.

O seu pai, já falecido, era afilhado de Aquilino Ribeiro, graças à vizinhança com a sua avó, Dona Rita de Almeida (cuja casa também está assinalada no pátio), e foi através dele que conheceu alguns episódios da vida do escritor.

"Um dia os pais foram à missa e ele ficou em casa sozinho. Agarrou, levantou-se e partiu uma janela com uma tranca. Depois escondeu-se na pilheira (local onde estava a cinza da lareira) e, quando chegaram a casa, ninguém sabia onde estava o Lininho", contou.

O "mistério" foi resolvido pela "tia Custódia, que foi dar com ele na pilheira, só lhe reluziam os olhitos, e já não lhe conseguiram bater", acrescentou.

Segundo Fernanda Almeida, uma vez o seu pai foi a Soutosa, Moimenta da Beira, visitar Aquilino Ribeiro e este perguntou-lhe: "ó afilhado, ainda lá existe em casa a tranca com que eu parti a janela?".

A vida dura que diz ter tido, "sempre nas terras, que não dão nada a não ser trabalho", não lhe permitiu dedicar-se aos livros, nem mesmo aos que foram escritos por Aquilino Ribeiro.

"Ainda não li nenhum. Quando era garota lembro-me que andava por aí um, mas não sei o que é feito dele", admitiu.

Por isso, o que conta aos turistas que por vezes a abordam é o que ouviu dizer.

Quem visita os sítios por onde passou Aquilino Ribeiro passa obrigatoriamente por este pátio reconstruído pela autarquia, cujas obras foram inauguradas em 1999.

No entanto, na pequena aldeia de Tabosa do Carregal, a escassos quilómetros dali, vários populares contaram à Lusa outra versão da história do nascimento de Aquilino Ribeiro.

"As pessoas antigas diziam que Aquilino Ribeiro era filho de uma freira e de um padre e que nasceu aqui no convento. Depois é que foi levado para o Carregal, porque naquela altura era um escândalo ser filho de um padre e de uma freira", afirmou Hermínio Pereira, 65 anos.

João Granja, que faz questão de dizer que é "o homem mais antigo da freguesia, com 88 anos feitos", avança até a forma como Aquilino Ribeiro terá saído, em segredo, do convento.

"Para não dar mau falar à freira, nasceu e fizeram-no sair pela roda onde davam de comer aos pobres. Depois levaram-no pelas matas do Torgal, para que ninguém o visse, até ao Carregal, onde uma mulher o criou à mama", contou, convicto.

O idoso não hesita em dizer que a versão de que nasceu na casa do pátio de Carregal "é mentira" e não lhe entende os motivos.

"Tanto valia nascer aqui, em Tabosa, como no Carregal, a freguesia é a mesma", frisou.

Esta "teoria", no entanto, não reúne muitos adeptos, até porque o Convento da Nossa Senhora da Assunção, fundado em 1690 por D. Maria Pereira para freiras descalças e hoje em ruínas, terá sido extinto em 1834, cerca de meio século antes do nascimento de Aquilino Ribeiro.


pub