Festival literário da Paraíba quer mostrar que "o português não pertence a ninguém"

O 2.º Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba) arranca hoje na cidade brasileira de João Pessoa, com a presença de vários nomes da literatura lusófona e quer mostrar que "o português não pertence a ninguém".

Lusa /

"A nossa curadoria parte de uma ideia radical: o português não pertence a ninguém. Ele é uma língua em estado de travessia", disse à Lusa o curador português José Manuel Diogo, radicado em São Paulo, Fundador do Instituto Cultural "Associação Portugal Brasil 200 anos".

O escritor e produtor cultural português considerou ainda que a língua portuguesa pode hoje ser uma "ferramenta de reconciliação, desde que seja aceite como um território partilhado, múltiplo e indisciplinado" após séculos em que "foi instrumento de dominação".

"Não se trata de apagar a ferida colonial, mas de impedir que ela continue a ser uma estrutura invisível de poder", sublinhou.

Dedicado ao tema "Nossa Terra, Nossa Gente - Ancestralidade, Identidade e o Futuro da Democracia", o festival, que decorre este ano entre hoje e sábado, em João Pessoa, propõe uma reflexão sobre a língua como território comum e instrumento de criação coletiva, num diálogo entre tradição e futuro, oralidade e escrita, local e universal.

A diversidade linguística "é a própria arquitetura do festival", já que, segundo José Manuel Diogo, "não há língua portuguesa `padrão` aqui".

"O português africano, brasileiro, europeu e os crioulos não aparecem como exotismo nem como quota simbólica --- aparecem como pensamento vivo" e o festival procura desmontar "essa lógica ao colocar todas as variantes em condição de igualdade radical", frisou.

Quanto à conexão da ancestralidade com o futuro da democracia num momento de polarização global, José Manuel Diogo explicou que a curadoria parte de um princípio de que "não há futuro democrático possível sem reconciliação com as camadas profundas da nossa formação histórica".

"O festival trabalha a ancestralidade como tecnologia de futuro: escutar as vozes indígenas, africanas, periféricas e populares não é um gesto identitário, é uma estratégia de sobrevivência democrática. Não estamos a romantizar o passado; estamos a reprogramar o futuro a partir do que foi silenciado", justificou.

Em relação ao poder da memória, o escritor e produtor cultural português detalhou que o festival não pretende "celebrar o passado", mas sim interrogá-lo.

"A memória, quando transformada em museu, torna-se inofensiva; quando colocada em tensão com o presente, transforma-se em potência", disse, sublinhando que FliParaíba quer convocar "memórias coloniais, autoritárias, silenciadas e populares não para confortar, mas para desinstalar".

Ao todo, estão programadas oito mesas principais e duas conversas especiais sobre os mais variados temas, como "A Língua como Território de Cidadania", "Vozes Ancestrais", "Territórios Literários em Trânsito", "O Corpo Político da Língua", "Literatura em Travessia", "Leitura, Edição e Democracia".

Ao longo dos dias passarão pelo festival vários autores de diferentes regiões lusófonas entre o vencedor do Prémio Camões 2022, o brasileiro Silviano Santiago, e o Prémio Camões 2018, o cabo-verdiano Germano Almeida.

Destaca-se ainda a escritora e política guineense Odete Semedo, o escritor brasileiro Itamar Vieira Júnior, o `rapper` MC Marechal e os autores portugueses Afonso Cruz e Inês Pedrosa.

 

 

 

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