"Flor de Laranjeira", da Filarmónica Fraude, faz 40 anos

© 2009 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. /

Lisboa, 24 Mar (Lusa) - O primeiro disco da Filarmónica Fraude, uma das mais interventivas bandas pop portuguesas dos anos 60, foi editado há 40 anos, que se perfazem quinta-feira, dia 26.

Trata-se de um EP (disco de vinil de 45 rotações com quatro canções) que inclui "Flor de Laranjeira", "Problema da Escolha", "Menino" e "O Milhões".

Editado no início da chamada primavera marcelista, "Flor de Laranjeira", uma mordaz crítica social, beneficiou por isso dessa circunstância, tendo sido apenas proibido na Emissora Católica Portuguesa.

Basicamente, a canção conta a história de uma noiva que já vai grávida para o casamento, o que, de acordo com os cânones da sociedade retrógrada de então, configurava um escândalo difícil de aceitar.

"A retratada noiva existiu mesmo, de uma família muito bem - dizia-se assim, quando referindo gente rica - o casório foi de espavento e estadão, mas a menina já ia grávida e as línguas desataram-se em bocas pequenas como calhandras, levantando poeira no adro da igreja. Hoje, não seria assunto para letra, mas nesse tempo foi para o que me deu", confessa agora António Avelar Pinho, autor da letra, 40 anos depois.

"A letrinha viria a ser entregue ao meu amigo Luís Linhares que, captando a forma de prosa nas frases longas da primeira parte da canção, como se reportagem jornalística fosse, deu à minha `crónica de costumes` a força satírica que, sem melodia, acabaria por desaparecer sem história", explica.

Luís Linhares, autor da música de "Flor de Laranjeira" e actual director da Casa-Museu Lopes Graça, em Tomar, elucida que foi buscar a sua inspiração aos LPs de serapilheira de Giacometti e Lopes-Graça e ao blues-rock dos Canned Heat.

"Aqueles álbuns de serapilheira abriam-nos um novo horizonte sonoro. Os Canned Heat, um grupo de rústicos norte-americanos que não devia ter entrado neste filme, acabaram por nos inspirar para a tradução do ritmo de bombo da chula na bateria e no baixo", conta.

"Estávamos quase convencidos de que tínhamos chegado a um verdadeiro `country português`, numa espécie de folclore imaginado. O poema pouco métrico do Pinho ajudou na construção da melodia "minimalista e repetitiva de inspiração folclórica", acrescenta.

"Quando entrámos em estúdio, não sabíamos bem qual seria o resultado final. O Heliodoro Pires [técnico de som lá gravou um cavaquinho e uma viola juntamente com um `órgão Philicorda` que fazia mais ruído do que um moinho de café, depois do baixo e da bateria e antes das vozes", recorda Luís Linhares.

"Só quando começámos as misturas de tudo isto nos apercebemos de que, em pleno nacional-cançonetismo e música yé-yé, aquele som não nos envergonharia", concluiu Luís Linhares.

Este primeiro EP da Filarmónica Fraude foi gravado por jovens entre os 17 e os 20 anos, todos estudantes, João José Brito (voz), Luís Linhares (teclas), Antunes da Silva (guitarra), João Viegas Carvalho (guitarra), José João Parracho (baixo) e Júlio Patrocínio (bateria).

Oriunda do eixo Entroncamento/Tomar, a Filarmónica Fraude teve uma carreira efémera, como praticamente todos os conjuntos da época, a braços com o serviço militar obrigatório que mutilava qualquer tentativa de projecto a longo prazo.

Além do EP "Flor de Laranjeira", a Filarmónica Fraude ainda conseguiu editar no ano de 69 mais um EP, "Animais de Estimação" - outro ícone da música portuguesa dos anos 60 - e um LP, "Epopeia", sobre os Descobrimentos Portugueses, cuja edição de "gatefold", em vinil, é um dos mais raros espécimes da música popular portuguesa.

Estão entretanto a decorrer negociações com os detentores dos direitos da obra da Filarmónica Fraude no sentido de uma edição em CD da integral das 20 canções originais jamais gravadas pela banda de Tomar.

"É um crime de lesa-cultura portuguesa não existir ainda uma edição a preceito da Filarmónica Fraude", disse um dos promotores da iniciativa.

Tópicos
PUB