Gaita-de-foles mirandesa reconhecida como ícone cultural

O mesmo isolamento que obriga a viajar por estradas espanholas para chegar a Miranda do Douro preservou a originalidade de ícones culturais como a gaita-de-foles mirandesa, que viu hoje reconhecidas as suas singularidades.

© 2007 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. /

A delegada regional da Cultura do Norte, Helena Gil, proclamou, no encerramento do I Congresso Internacional da Gaita-de-Foles, em Miranda do Douro, o reconhecimento e padronização da gaita mirandesa.

Este reconhecimento simbólico significa que a partir de agora passa a haver normas para a construção e timbre deste instrumento tradicional transmontano.

O padrão foi encontrado no âmbito de um projecto de investigação, apoiado pelo Ministério da Cultura, que no último ano recolheu 25 exemplares, alguns com 200 anos, das mais tradicionais gaitas mirandesas.

Com este trabalho, o coordenador do projecto Jorge Lira, espera contribuir para revitalizar e preservar a tradicional gaita mirandesa que estava a desaparecer e a ser substituída por congéneres de outros países, nomeadamente pela gaita galega da vizinha Espanha.

Há quase trinta anos, Zé Preto, como é conhecido na sua aldeia da Freixiosa, deu um contributo importante para recuperar a gaita mirandesa.

Construiu a primeira aos 15 anos e contabilizou entre "70 a 80" para diversas zonas do país, Espanha e até Itália.

O timbre deste instrumento ficou-lhe no ouvido desde criança, numa época em que era o som da gaita-de-foles que animava festas, romarias e convívios populares.

Dividiu a sua vida entre a docência de História e a construção das gaitas até que foi colocado longe de casa e ficou com menos tempo para o tradicional instrumento.

Continua a trabalhar nos tempos livres e férias na arte que aprendeu também com a ajuda de velhos gaiteiros e construtores.

Pretende agora contribuir para o trabalho de padronização com mais um exemplar, o mais tradicional que viu até hoje, construído com o típico odre de pele de cabrito, madeira e chifres.

Eram assim as primeiras gaita que fez.

Os chifres ia buscá-los ao matadouro do Cachão para fazer os anéis que colocavaa dentro da cana de madeira da gaita.

As peles eram-lhe fornecidas por um cabreiro da aldeia.

Hoje em dia, as regras de sanidade animal obrigam a que os animais sejam abatidos nos matadouros e fazem com que a tradição já não seja o que era.

As peles dos matadouro são aproveitadas para outros fins e já não servem para o "saco" que o fôlego do gaiteiro enche de ar e que vai sendo libertado, produzindo a sonoridade da gaita com a ajuda do acessório principal que é a ponteira, a responsável pela parte melódica do instrumento.

A pele de cabrito, outrora curtida com sal e cinza de forma artesanal, tem sido substituída por materiais sintéticos, que garantem os entendidos não prejudicam a sonoridade.

O projecto de investigação que levou à padronização recolheu 25 ponteiras, que vão ser a partir de agora replicadas, e que os promotores acreditam guardarem os sons mais originais da gaita mirandesa.

"O isolamento destas terras assegurou que a originalidade da gaita prevalecesse até aos dias de hoje sem influências exteriores", assegurou Jorge Lira.

Banhado pelo Douro Internacional e encostado à fronteira com a região espanhola de Castela e Leão, o Planalto Mirandês é considerado ainda hoje dos mais isolados do Nordeste Transmontano.

Faltam estradas que obrigam a que os automobilistas viajem entre Bragança e Miranda do Douro, pelas "carreteras" espanholas, por serem mais confortáveis do que as nacionais portuguesas.

O mesmo isolamento preservou, no entanto em terras de Miranda particularidades culturais que levaram à distinção da gaita-de-foles e que, há nove anos, reconhecerem o falar destas gentes como a segunda língua oficial de Portugal- o mirandês.

"Precipitado" é como o presidente da Associação para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-Foles, Francisco Pimenta, considerou o reconhecimento e padronização deste instrumento.

O representante desta associação nacional, com sede em Lisboa, entende ser necessária "prudência" e mais estudos, embora considere o trabalho feito "meritório".

O trabalho foi liderado pelo grupo de música tradicional mirandesa Galandum Galundaina, que tem na gaita a sua principal sonoridade.

Da comissão científica fizeram parte várias entidades, entre elas a associação sedeada em Lisboa.

O coordenador do projecto, Jorge Lira não reconhece "representatividade" à associação e acusa o presidente de "não ter feito o trabalho que lhe foi destinado neste processo".

"Este é um património genético que seria lamentável deixá-lo perder pela incapacidade de o normalizar e sermos substituídos na nossa originalidade por instrumentos provenientes de outros locais da Europa, que são respeitáveis, mas que não são nossos", declarou.


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