Gilmário Vemba quer unir os PALOP com humor

por Cláudia Almeida - RTP Internacional
O humorista Gilmário Vemba trabalha com base na sinceridade DR

Entrevistado pela RTP Internacional, o humorista angolano Gilmário Vemba revela o projeto de stand up comedy para todos os países de expressão portuguesa.

Gilmário Vemba está a desenvolver uma estratégia de limpeza de equívocos entre a sociedade portuguesa e as sociedades das antigas colónias. O humorista, figura pública proeminente em Angola, exemplifica a partir do caso angolano: "Tu tens uma história do opressor e em Portugal tens uma história de alguém que tem uma missão altruísta. É preciso que a história seja contada, para que as pessoas possam entender os fantasmas que têm e de onde vêm. Do mesmo jeito que a informação foi manipulada aqui, [também] foi manipulada lá. Todo o português que sempre viveu em Portugal tem a ideia de que o projeto colonial foi uma coisa muito boa, que criou uma série de benesses para aquele país. Mas naquele país colonizado, a história é completamente diferente. Temos 500 anos de escravatura, a seguir temos o processo de descolonização e o processo de guerra civil. Há uma série de informações que criam um entendimento sobre os povos que não é verdadeiro".
Gilmário Vemba trabalha com base na sinceridade.

Depois de abandonar o coletivo angolano Os Tuneza, há dois anos, o humorista manteve-se muito ativo nas redes sociais, onde consegue centenas de milhar de likes - seja na promoção dos espetáculos a solo, seja com a rubrica Entrevistas na via, "uma coisa que só acontece quando me dá na telha ou quando encontro um gajo a quem quero fazer algumas perguntas", como diz num dos vídeos mais recentes (com mais de 400 mil visualizações) publicado na rede social Facebook.
Aproximar a rir
De acordo com a teoria de Gilmário Vemba, uma vez que os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) partilham a mesma história e a mesma vivência, há uma unificação ainda por fazer: "Para além dessa ligação política, não temos uma relação de proximidade. Estamos muito ligados e ao mesmo tempo muito separados". E é taxativo: "Para um artista e um empresário, funciona em termos de amplitude de mercado. Para o público, poder ir ver comédia e sentir que há histórias partilhadas por todos, é fantástico". Por isso, quer apresentar regularmente espetáculos em Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Cabo Verde e, numa futura digressão internacional, não deixa de fora Timor-Leste e Brasil: "Se eu puder fazer o espectáculo nestes sítios, as pessoas vão ver que eh pá, é a mesma coisa!".

No Brasil Gimário já tem o contacto do humorista Vitor Sarro: "Estamos a trabalhar ideias para conseguirmos juntar estes dois povos. Embora o Brasil tenha sido o primeiro país a reconhecer Angola como país independente e aquilo que nós consumimos em primeira mão sempre foi brasileiro, com as novelas e as músicas, ainda assim é uma ligação que não é bidirecional".O mito português
Gilmário Vemba aterrou pela primeira vez em Portugal em 2009, aos 24 anos. Confessa que vinha com todos os fantasmas (ou preconceitos) à flor da pele, "como se estivesse à procura do tal confronto que me foi contado. Estou à espera de entrar no restaurante e ouvir dizer que não me vão servir porque sou preto, estou à espera disso tudo". Como tal não aconteceu, quis perceber porquê e a resposta estava no facto de ser um visitante e não residente: "E vim muito bem estruturado, com o Yuri da Cunha. Fomos bem recebidos, estávamos em bons hotéis, a comer nos bons sítios... Estávamos bem afastados do problema".
A conversar com africanos residentes em Portugal, encontrou uma vertente histórica que explica as distâncias: "Temos coisas no nosso subconsciente que nos foram ensinadas. E se não tivermos vontade de ir ao fundo para tentar compreender, nunca vamos sair dali".Portugal reencontra Angola
A crise financeira mundial, iniciada em 2007, originou um novo fenómeno de emigração portuguesa para Angola; o pico registou-se em 2009. O facto de milhares de portugueses se instalarem no tecido social e financeiro angolano gerou dinâmicas várias; e os reflexos sentiram-se tanto lá como cá, nomeadamente com nova onda de preconceitos que Gilmário Vemba registou: "Imensos portugueses deram o report para Portugal de eh pá, já sei por que é que esse país não desenvolve. O pessoal é muito preguiçoso, não gosta de trabalhar, o pessoa não sei o quê, patati patatá... Porque não compreenderam que esse país esteve parado durante muito tempo, por causa da guerra e de outros fatores. E não tinha uma relação tão afinada com o trabalho, como havia em Portugal". Gilmário faz comédia a partir deste tema, porque "compreender como [ambas] as sociedades estão organizadas é importante".

Em 2009 entraram 23.787 portugueses em Angola. Em 2013 eram 115.595 os portugueses registados nos consulados portugueses daquele país e o número subiu para 126.356 em 2014.

 
Considera importante que se explique: "Esse país teve uma guerra colonial de 1961 a 1975 e as pessoas não trabalharam; havia um trabalho informal mas não dentro daquele padrão que já se praticava noutros sítios. E depois de 1975 até 2002 essas pessoas não trabalharam porque havia guerra civil".

Com o fim oficial da guerra civil, em abril de 2002, vieram os tempos do dinheiro fácil. No espectáculo Hipoteticamente (Bom), Gilmário fala de um dinheiro que os angolanos ganharam de fezada, ou seja, de sorte: "Em pouco tempo o país ganhou muito dinheiro. Tínhamos muito petróleo, a um bom preço, e foi com esse dinheiro que tentámos começar a fazer coisas pelo país".
Agora a crise
O tempo do dinheiro fácil já lá vai. Em 2017 Angola mudou de presidente (ao fim de 32 anos de poder liderado por José Eduardo dos Santos), mas o processo de transição de poderes só ficou concluído um ano depois, no congresso do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em 2018, quando José Eduardo dos Santos deixa também a liderança do partido no poder.

Os principais desafios destes primeiros anos da presidência de João Lourenço, são o relançamento da economia, o ataque à corrupção endémica e a redução das assimetrias sociais. Gilmário Vemba olha para a realidade do seu país e conclui: "Estamos a viver a crise pela primeira vez. Porque nós não aprendemos a ganhar dinheiro. Estamos agora a entrar numa economia real com menos subvenções". Maturidade social para essa nova realidade, o humorista considera que não existe, "porque também não houve essa explicação à sociedade". A 19 de janeiro, o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) revelou mundialmente mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks. Esse documentos detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, no valor de mais de 90 milhões de euros, através de paraísos fiscais.


Fenómenos como o Luanda Leaks, diz à RTP Internacional, "acabam por não ser uma surpresa. As pessoas vão observando e, a partir do momento em que há uma alteração no poder, já ficas à espera de situações desse género. Sempre que há alternância de poder, há sempre esses leaks". E exemplifica com a Operação Lava Jato no Brasil: "Achava-se que era uma operaçãozita e, de repente, andou a lavar por tudo quanto é lado. Até o que não era para ser limpo, se lava! O meu medo é se entramos de novo numa crise política".

Mas não desiste do otimismo: "Eu prefiro acreditar em hipóteses boas. Acho que [Angola] ainda vai ser um grande país. Nós vamos chegar lá".
Humorista por acaso
Gilmário Vemba foi uma criança que sonhava ser jornalista: "Tinha uma rádio, Gilmário das Kandongas. O meu pai ofereceu-me um gravador pequeno e eu gravava pequenas reportagens sobre o dia-a-dia das pessoas no meu Sambizanga [bairro onde morava nos arredores de Luanda]. E era essa a minha primeira brincadeira: música e jornalismo".

Quando o irmão mais velho saiu de casa, ele seguiu-o, por não suportar a ideia de ficar longe do seu confidente. Aos 15 anos passa a viver na Ilha de Luanda e começa a frequentar, com o irmão, o Coletivo de Artes Tuneza que, no início, não pretendia fazer comédia. Na tentativa de ampliar o público, o coletivo implementou uma forma de divulgação dos espectáculos que se provou vencedora: um núcleo de actores apresentava um sketch em bares e festas. Correu tão bem que o público queria mais: "Então resolvemos começar a criar quadros específicos com um cunho humorístico muito grande. Mas aquilo era para fazer uma vez por mês. E não é que fomos convidados a ir regularmente a esses sítios? E começámos a improvisar".

Conclui Gilmário Vemba que a comédia "foi uma arte que nos ganhou".
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