Há 5000 anos. Arqueólogos portugueses encontraram edifício monumental no Curdistão Iraquiano

Foram descobertas estruturas arqueológicas de um edifício monumental datado entre 3300 e 3100 a.C. na colina artificial de Kani Shaie, situado no Curdistão Iraquiano. O Projeto Arqueológico é liderado pelo Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra em parceria com a Universidade de Cambridge e as autoridades de Património Cultural de Suleimânia.

Carla Quirino - RTP /
Escavação na colina artificial de Kani Shaie Projeto Arqueológico de Kani Shaie | Centro de Estudos em Arqueologia Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra

As mais recentes descobertas do sítio arqueológico Kani Shaie foram reveladas esta semana pelo Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património (CEAACP) da Universidade de Coimbra (UC). 

Dirigido por André Tomé, Maria da Conceição Lopes e Steve Renette, e tendo como diretor assistente Michael Lewis, investigador do CEAACP-UC, as descobertas da campanha de 2025 trazem novos dados sobre o processo de complexificação das sociedades humanas que se desenvolveram na Mesopotâmia e dos Montes Zagros, durante os milénios IV e III a.C..

A Mesopotâmia, conhecida também por "terra entre rios" ou Crescente Fértil,  foi uma região do Oriente Médio precisamente entre os rios Tigre e Eufrates. É considerada o berço de diversas civilizações antigas como os Sumérios, Acádios, Babilónios e Assírios. 

Os povos desenvolveram aqui a prática da agricultura e técnicas de irrigação que abriram caminho ao surgimento das primeiras cidades desencadeando uma organização social e política complexa. Este "Crescente Fértil" também viu nascer inovações como a escrita cuneiforme, o Código de Hamurabi e a construção de zigurates (templos em forma de pirâmides em terraços).
Kani Shaie
Kani Shaie é considerado “o mais importante sítio arqueológico a este do rio Tigre para compreender a sequência de ocupação humana entre os IV e III milénios a.C., continuando a revelar dados inéditos sobre os primeiros desenvolvimentos sociais e políticos do Crescente Fértil, conhecido como Berço da Civilização”, sublinham André Tomé, Maria da Conceição Lopes e Steve Renette.

Na campanha de escavações de 2025, “foi identificado um edifício oficial de carácter monumental, na parte alta da colina artificial de Kani Shaie, possivelmente um espaço de culto, datado do chamado período de Uruk (c. 3300–3100 a.C.) – período que recebe o nome da cidade de Uruk, reconhecida como a primeira grande metrópole do mundo, devido à clara evidência de contactos diretos entre a Mesopotâmia Meridional, onde se situava esta importante cidade, e as regiões montanhosas a oriente”, explicam os arqueólogos do CEAACP, André Tomé, Maria da Conceição Lopes e Steve Renette.

Projeto Arqueológico de Kani Shaie | CEAACP

“Ao confirmar-se a natureza monumental do edifício, que estamos agora a investigar ao detalhe, esta descoberta poderá alterar profundamente o entendimento da relação entre Uruk e as regiões periféricas, revelando que sítios como Kani Shaie não eram marginais, mas antes atores centrais nos processos de difusão cultural e política”, acrescentam os investigadores.

Projeto Arqueológico de Kani Shaie | CEAACP
Sítio estrategicamente localizado com práticas de ostentação

Kani Shaie é um pequeno local com uma longa história no sopé das montanhas Zagros, na borda leste do mundo da Mesopotâmia. Com ocupação continua abrangendo milénios (7000-2000 a.C.; 1000 aC-100 d.C.; 1000-1200 d.C.), o local foi um aglomerado urbano dentro do Vale Bazyan que se desenvolveu para um centro onde se cruzavam as redes de troca provenientes do sudoeste da Ásia. 

O principal propósito do Projeto Arqueológico de Kani Shaie (KSAP) é o estudo dos periodos Calcolítico Tardio e a Idade do Bronze (4º- 2º milénio a.C.) enquanto este povoamento manteve ligações com a florescente sociedade urbana mesopotâmica e as sociedades montanhosas de Zagros. 
Taça decorada de Kani Shaie | Projeto Arqueológico de Kani Shaie/CEAACP - UC

Para atestar estas relações de vizinhança, a equipa internacional de arqueologia conseguiu encontrar vários achados de grande relevância.

“Um fragmento de pendente em ouro, que testemunha práticas de ostentação e o acesso a metais preciosos numa comunidade aparentemente periférica" sustentam os arqueólogos.  

Entre outros achados estavam "selos cilíndricos do período de Uruk, artefacto associado a práticas administrativas, de controlo e de legitimação de poder”, sustentam os arqueólogos.
 
Selos cilíndricos do período de Uruk associado às elites | Projeto Arqueológico de Kani Shaie/CEAACP - UC

“Além destes materiais, foram ainda identificados cones de parede, elementos decorativos típicos de arquitetura monumental, amplamente documentados em Uruk, o que reforça a interpretação do edifício como uma estrutura pública ou cerimonial”
, acrescentam André Tomé, Maria da Conceição Lopes e Steve Renette.

Através de escavação detalhada, recurso a varrimento remoto com drone para detetar, mapear e documentar o sítio arqueológico e levantamento regional do Vale de Bazyan, o KSAP está lentamente a reconstrituir as vias de uma comunidade montanhosa, explica o Departamento de Arqueologia da Universidade de Cambridge.

"Estas e anteriores escavações em Kani Shaie confirmam a longa ocupação do local ao longo dos séculos: por exemplo, na área mais aplanada do sítio, as escavações decorreram em níveis dos períodos Helenístico-Parta (247 a.C.–224 d.C.) e Neo-Assírio (c. 911–609 a.C.)", indica a CEAACP.

Esta campanha de escavações foi maioritariamente financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Universidade de Cambridge, tendo contado também com a colaboração das autoridades de património do Curdistão Iraquiano.
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