Hip Hop de Maputo na onda dos protestos populares contra aumentos dos chapas

** Luís Andrade de Sá, Agência Lusa **

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Lisboa, 10 Fev (Lusa) - Um dos mais polémicos "rappers" de Maputo, Azagaia, não precisou de muito tempo para se inspirar nos violentos protestos populares da última semana contra o aumento dos preços nos "chapas", os transportes informais que servem a capital moçambicana.

As manifestações tiveram início na manhã de terça-feira, 05 de Fevereiro, e três dias depois já estava no ar o som do seu "O povo no poder".

"Eu uso a música para lutar, e tu?", pergunta o conhecido MC (mestre de cerimónias) moçambicano e proclamado pela sua editora como "rapper" do ano (2007), antecipando as críticas de "oportunismo" ao aproveitamento musical que fez da maior revolta dos últimos 30 anos em Maputo.

"Perguntem-se onde vocês estavam, o que estiveram vocês a fazer quando o povo da periferia estava a manifestar-se", contra-ataca Azagaia (Edson da Luz), no blog da sua editora (http://cotonetemoz.blogspot.com/2008/02/manos-e-manas.html).

Mas, e ele onde estava?

"Terça-feira dia 5, pela manhã, estava eu fora de casa a fazer os meus exercícios matinais quando começei a ouvir rumores duma greve que estava a acontecer na periferia... será?...recebia várias sms que reportavam o mesmo, e só quando o meu companheiro Keleza me ligou a dizer que estava a presenciar a confusão, é que eu me dei conta da seriedade do assunto."

Menos de três dias depois, já com a situação calma em Maputo, Azagaia lançou na blogosfera o seu rap "O povo no poder", tornando-o num êxito instantâneo entre a juventude urbana e endinheirada da capital.

"Já não caímos na velha história/ Saímos p`ra combater a escória/Ladrões/Corruptos/Gritem comigo p´ra essa gente ir embora/Gritem comigo pois o povo já não chora", Azagaia martela cada sílaba, ao som característico do "hip hop", no início de um monólogo de mais de cinco minutos.

No país da marrabenta é, contudo, no "hip hop" de Maputo que se encontram as mais fortes críticas ao regime dominado pela FRELIMO desde a independência, em 1975.

"Malhazine-presente/Magoanine-presente/Urbanização-presente/Jardim", grita Azagaia nomeando a origem da revolta, os bairros que fornecem a Maputo a sua mão-de-obra e também uma legião de homens, jovens, na maioria, desocupados e sem qualquer rendimento fixo.

As manifestações, que logo degeneraram em barricadas e confrontos com a polícia (causando pelo menos três mortos e dezenas de feridos) inciaram-se na periferia de Maputo, seguindo uma rota que o sociólogo moçambicano Carlos Serra classificou como "geografia dos linchamentos", justiça popular contra suspeitos de crimes nos arredores da capital.

A revolta de 05 de Fevereiro "revelou uma coisa: a criação de uma área vulcânica definitiva, apontando para futuros sismos sociais caso surjam medidas estatais impopulares", adverte o sociólogo, docente na Universidade Eduardo Mondlane.

"Finalmente te apercebeste que a vida aqui não está fácil/E só agora é que reúnes esse conselho de ministros/O povo nem dormiu, já tamos há muito reunidos", Azagaia prossegue, quase sem respirar, numa directa a Armando Guebuza, o chefe de Estado e líder da FRELIMO.

"Se o meu filho adoece/fica entregue à sua sorte/Enquanto isso/esse teu filho está saudável e forte/Vive na fartura leva uma vida de lord", lamenta-se o "rapper".

Dias depois das incidentes, o colunista Machado da Graça advertia para as consequências da "demolição" dos direitos dos trabalhadores.

"Desde há muito que ninguém se preocupa com o crescente abismo entre os que nada têm e aqueles que esbanjam riqueza, de forma ostensiva, à frente de todos nós", recordava o ex-jornalista e escritor no diário electrónico Correio da Manhã.

O próprio Machado da Graça, ou melhor a sua voz no momento da proclamação da independência, foi usada por outra banda de "hip hop", G Pro Fam, no sucesso de 2003 "O País da Marrabenta", que combinava discursos de Samora Machel com a denúncia da corrupção no país e a cumplicidade do poder na morte do jornalista Carlos Cardoso.

Nesse êxito, que durante semanas esteve na lista negra da emissora estatal Rádio Moçambique, já se fazia uma advertência para "os sismos sociais", previsão que cinco anos depois volta a ser repetida por Azagaia.

"Que tenham aprendido a lição/E não esperem pela próxima/Aviso-vos meus senhores que terão pela próxima", promete Azagaia no final da canção, acompanhado por um coro que proclama: "O povo no poder".

Lusa/Fim


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