Historiador Timothy Snyder diz que o livro "A Minha Luta" deve ser contextualizado

O historiador norte-americano Timothy Snyder considera que é impossível evitar a publicação da autobiografia de Hitler "Mein Kampf" mas que deve ser devidamente enquadrada e explicada às novas gerações.

Lusa /

Recentemente, o livro de Hitler "A Minha Luta" ("Mein Kampf"), publicado em 1925 e proibido em muitos países após o final da Segunda Guerra Mundial, foi reeditado em países como a Alemanha e também em Portugal.

"Eu tenho a posição típica anglo-saxónica de que não se deve censurar e sim discutir. Mas, se puder escolher uma publicação com o devido enquadramento, escolheria esse tipo de edição. Os alemães fizeram uma coisa muito sensata ao publicar o livro no quadro do sistema de ensino, com notas de rodapé e uma discussão a nível nacional sobre o significado do livro no contexto da história da Alemanha", disse à Lusa o autor do livro "Terra Negra", sobre o nazismo e o Holocausto, e que vai ser lançado este mês em Portugal.

"Apesar de tudo, julgo que é melhor ter o livro ("Mein Kampf") à disposição do que não o ter precisamente porque tenho receio do nacionalismo, do populismo e do fascismo na Europa. Todos nós, que nos preocupamos com o aumento do nacionalismo populista devemos conhecer as lógicas do argumento nazi", refere Snyder.

Para o historiador, é mais importante analisar o livro de Hitler e fazer com que a discussão e o esclarecimento afastem fenómenos de "inspiração".

"As pessoas de extrema-direita que quiseram ler o livro já o fizeram. Está disponível na internet há muito tempo", acrescenta o historiador.

Timothy Snyder, professor na Universidade de Yale, é autor do livro "Terra Negra" e escreveu anteriormente a investigação "Terras Sangrentas" sobre o genocídio no leste europeu durante a Segunda Guerra Mundial, assim como da longa entrevista ao historiador britânico Tony Judt (1948-2010) "Pensar o Século XX".

Snyder explica que existe um número significativo de pessoas que nos anos 1920, durante a crise da globalização que se segue ao fim Grande Guerra (1914-1918) que escreveram panfletos autobiográficos sobre "uma qualquer conspiração mundial" e que "Mein Kampf" faz parte deste género de livros tendo-se tornado popular porque Hitler conseguiu atingir o poder.

"O que eu considero perigoso é que ideias como estas podem mudar o mundo mesmo que poucas pessoas acreditem nelas. Hitler defendia e acreditava nessas ideias, assim como os oficiais das SS e os nazis também e quando alcançaram o poder tiveram a capacidade de mudar o mundo de forma caótica", avisa o historiador.

No recente livro "Terra Negra", Snyder refere que o ditador nacional-socialista alemão acreditava que o comunismo, o capitalismo ou o cristianismo ou mesmo os avanços científicos e tecnológicos eram "males" provocados pelos judeus, defendendo como solução para a Alemanha através da criação de um "espaço vital" ("lebensraum"), sobretudo na Ucrânia, inspirado na presença de europeus no continente africano ou na "conquista" do oeste norte-americano no século XIX.

"O que eu proponho com o livro `Terra Negra` é tratar Hitler como uma figura à escala global que imaginava a Alemanha como uma potência global, comparável ao Reino Unido e aos Estados Unidos. Para o conseguir a Alemanha tinha de travar uma guerra na Europa e transformar o leste europeu numa colónia gigante de Berlim que para Hitler devia ser parecida como os Estados Unidos", disse Snyder acrescentando que vai continuar a dedicar-se à história contemporânea.

"O Holocausto e os massacres na Europa Central e de Leste nos anos 1940 são o assunto histórico mais importante e há quinze anos que estudo o assunto e vou a continuar nos mesmos temas enquanto as pessoas tiverem interessadas. Mas, eu sou historiador e gostaria de trabalhar sobre outros assuntos. Gostava de investigar as origens das nações europeias. Gostava de escrever um ensaio sobre os nacionalismos populistas e a atual intervenção militar da Rússia na Ucrânia", disse ainda à Lusa o historiador norte-americano.

O livro "Terra Negra" (Bertrand Editora, 605 páginas, tradução de Pedro Carvalho e Guerra e Rita Carvalho e Guerra) chega às livrarias portuguesas no dia 05 de fevereiro.

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