Irene Pimentel lança biografia de inspector da PIDE que conhecia bem o PCP

por © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Lisboa, 28 Out (Lusa) - O inspector da PIDE Fernando Gouveia era uma das figuras mais temidas pelos comunistas e que mais sabia sobre o funcionamento do PCP na clandestinidade, disse à Lusa a historiadora Irene Pimentel, autora de uma biografia desta figura.

"Biografia de um inspector da PIDE - Fernando Gouveia e o Partido Comunista Português" é o título do livro que terá o seu lançamento formal numa livraria de Lisboa a 6 de Novembro.

Irene Flunser Pimentel venceu o Prémio Pessoa 2007 e é doutorada em História Contemporânea com uma tese sobre a PIDE/DGS.

"Pode ser um bocado polémico o simples facto de fazer uma biografia de um inspector da PIDE. Escolhi-o para encarnar a PIDE", disse a investigadora, explicando que, depois da sua tese sobre a polícia política, decidiu fazer "uma coisa mais narrativa para mostrar como funcionava um elemento desta relativamente ao PCP".

"Considero que Fernando Gouveia é o especialista dentro da PIDE sobre o PCP. Nas várias entrevistas que tenho feito com ex-presos políticos de uma determinada fase (até final dos anos 50), todos falam dele como uma das pessoas que os interrogou e também torturou", disse.

No livro, Gouveia, que a 1 de Junho de 1929 iniciou uma longa carreira de polícia ingressando na Polícia de Informação do Ministério do Interior, surge como um homem marcado pelo nascimento ilegítimo, de memória invulgar, vaidoso e inteligente.

Nas razões para a escolha desta figura, Irene Pimentel apontou que, além de ser "um dos mais temidos investigadores" e "um grande especialista, senão o maior" nos métodos do PCP, Fernando Gouveia publicou após o 25 de Abril um primeiro volume das suas memórias, que "contêm muito de verdadeiro, mesmo se foram escritas para denegrir os seus principais adversários - os comunistas" e foi alvo de um processo judicial com informação que pôde consultar.

"Como tive acesso a este processo, primeiro tive a ideia de fazer uma coisa sobre o Gouveia, depois, uma vez que ele era o especialista em PCP, fazer uma espécie de uma história da PIDE versus PCP", indicou.

"Ele é um homem que subiu a pulso lá dentro. Tinha a 4ª classe e chegou a inspector, a partir de 1962, o que mostra que a passagem foi lenta, mas era uma pessoa que gostava da sua profissão", afirmou Pimentel.

Inicialmente foi a curiosidade que terá levado Gouveia a interessar-se pelo PCP, depois começou a ser chamado para "lidar com os comunistas" detidos.

Para a investigadora, Fernando Gouveia lia muito a documentação que a polícia apreendia quando era detido algum elemento do partido e também os documentos internos com a informação que era adquirida através dos interrogatórios.

Sobre as "vítimas" deste elemento da PIDE, Irene Pimentel disse que há uma longa lista de pessoas que o encontraram quando foram presas.

Alguns desses nomes são conhecidos como os de Carlos Aboim Inglês, Domingos Abrantes ou Carlos Brito, outros nem tanto.

Muita gente acusou-o de tortura (espancamentos, "sono", "estátua"), acusações que ele refutou. "Diz que não torturou ninguém" (nas memórias e no processo), segundo Irene Pimentel.

Sofia Ferreira, detida em 1949, no Luso, numa casa onde também se encontrava Álvaro Cunhal, relatou ter sido agredida por Fernando Gouveia e depois mantida em completo isolamento durante seis meses, cinco dos quais impossibilitada de receber visitas, livros ou jornais.

A chantagem foi outro método que Fernando Gouveia utilizou, referiu Irene Pimentel.

No livro, os casos de Severiano Falcão e Aida Magro (detidos nos anos 50) mostram a chantagem exercida por Gouveia recorrendo a familiares dos presos, incluindo filhos pequenos.

"Utilizou também outro estratagema que foi agarrar num pseudo preso político e enfiá-lo na cela de um preso político verdadeiro para obter informações", contou.

Salazarista convicto, Fernando Gouveia terá sido em duas ocasiões, nos anos 30, guarda-costas de Salazar.

"Penso que (depois) não volta a cruzar-se com Salazar, mas era um salazarista convicto", disse a historiadora, citando um depoimento de uma filha de Gouveia (Fernanda Maria Gouveia).

Fernanda Maria contou que o pai em casa não falava da sua actividade nem de política nacional, mas quando lia o jornal comentava a situação internacional.

Para Irene Pimentel, Fernando Gouveia era uma figura com "muitas contradições".

"Embora levando uma vida laica, fora das normas do regime, e sendo anticlerical, apesar de profundamente salazarista, Fernando Gouveia não deixou porém de denegrir as relações conjugais dos funcionários comunistas, aproveitando as suas contradições, para insultar os presos nos interrogatórios", escreveu na biografia.

Fernando Gouveia teve sete filhos, fruto de vários casamentos e de ligações.

Segundo a historiadora, é "muito interessante" que a PIDE tenha fechado os olhos à vida particular de Gouveia, dado que um elemento desta polícia que quisesse casar tinha de pedir autorização para o fazer.

"No caso do Gouveia, perdoaram-lhe sempre esse tipo de vida", sublinhou, acrescentando que possivelmente isso se deve à eficácia com que desempenhava as suas tarefas ao serviço da repressão do Estado Novo.

Curiosamente, uma das figuras do PCP com quem nunca lidou foi Álvaro Cunhal e isso é uma das coisas de que se queixou, afirmou Irene Pimentel, apontando as rivalidades que existiam na polícia.

Fernando Gouveia entregou-se às Forças Armadas dias depois do 25 de Abril de 1974, mas nunca foi julgado pela sua actuação ao longo de mais de 40 anos.

Morreu a 4 de Outubro de 1990, aos 86 anos.

EO.

Lusa/Fim


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