Cultura
John le Carré, o espião que se tornou autor de romances
John le Carré elevou os romances de espionagem a um novo nível. Oficialmente diplomata, era na realidade um espião ao serviço dos serviços secretos britânicos que se inspirou nas suas missões para escrever algumas das obras mais aclamadas deste género literário. Todos os 25 romances foram traduzidos para português. Morreu no sábado, aos 89 anos.
David Cornwell – o seu verdadeiro nome – estava perto dos 30 anos quando começou a lançar-se na escrita de ficção. O comboio no qual viajava todos os dias entre a sua casa em Buckinghamshire e o seu trabalho no MI5, o serviço britânico de inteligência e contraterrorismo, em Londres, era onde mais escrevia.
Os rascunhos em pequenos cadernos de bolso não demoraram a transformar-se em livros de espionagem inspirados pela sua profissão enquanto agente secreto. Depois dos romances “Chamada para a Morte” (1961) e “Um Crime quase Perfeito” (1962), que renderam poucas vendas, chegou o seu primeiro êxito: “O Espião que Saiu do Frio” (1963).
O rumor, na altura, de que o autor trabalhava nos serviços secretos britânicos terá sido responsável por parte deste sucesso literário, tornando o seu terceiro romance um dos mais vendidos no período pós-guerra.
John le Carré acreditava que a cena literária londrina nunca tinha aceitado o seu sucesso. Quando, em 2011, foi nomeado para um prémio Booker, o seu agente lançou um comunicado em nome do autor: “Não compito por prémios literários e, portanto, quero que retirem o meu nome”.
“Até que eu morra, a relação pai-filho vai sempre deixar-me obcecado”, comentou le Carré numa entrevista em 1999, a propósito do seu livro “Single & Single”, no qual revisitou a experiência de pais e filhos que se espiam mutuamente.
Foi em 1947, com apenas 16 anos, que le Carré decidiu começar a estudar alemão na Universidade de Berne, na Suíça. Enquanto jovem inglês que falava alemão, rapidamente chamou a atenção de um olheiro dos Serviços Secretos de Inteligência britânicos (conhecidos por MI6), que acabou por recrutá-lo em 1949.
Nesse ano, le Carré trabalhou como agente de inteligência na cidade austríaca de Graz, onde entrevistava desertores alemães. Três anos depois foi aceite no Lincoln College, em Oxford, onde começou a estudar linguagens modernas. Mas até em Oxford continuou ao serviço da inteligência britânica, aproveitando o seu papel de aluno para compilar dossiers para o MI5 sobre colegas suspeitos de atividade de esquerda.
Numa introdução escrita pelo autor para uma reedição deste romance, em 1978, le Carré explicou que, apesar da complexidade do enredo das suas obras, nunca as planeou antes de as escrever, seguindo sempre o instinto.
“Eu nunca fiz um esqueleto ou planeei para além do capítulo que escrevia. Continuo sem o fazer. Alcanço um ponto, durmo sobre ele, sigo para o próximo ou rasgo-o e reescrevo até que a continuidade seja orgânica”, revelou.
As vendas dos livros, especialmente nos Estados Unidos, fizeram de le Carré um homem rico. Mas o seu casamento não resistiu à transição da vida de espião para escritor a tempo inteiro, acabando por se divorciar em 1971. Mais tarde casou-se com a editora Jane Eustace. Teve três filhos do primeiro casamento e um do segundo.
John le Carré morreu no sábado, aos 89 anos, na Cornualha, no sul da Inglaterra. “É com grande tristeza que devo anunciar que David Cornwell, conhecido em todo o mundo como John le Carré, morreu, após uma breve doença (não relacionada a Covid-19) na Cornualha na noite de sábado, 12 de dezembro de 2020. Ele tinha 89 anos. Os nossos pensamentos estão com seus quatro filhos, as suas famílias e a sua esposa, Jane”, disse Jonny Geller, presidente da Curtis Brown Group, a agência do escritor.
c/ agências internacionais
Os rascunhos em pequenos cadernos de bolso não demoraram a transformar-se em livros de espionagem inspirados pela sua profissão enquanto agente secreto. Depois dos romances “Chamada para a Morte” (1961) e “Um Crime quase Perfeito” (1962), que renderam poucas vendas, chegou o seu primeiro êxito: “O Espião que Saiu do Frio” (1963).
O rumor, na altura, de que o autor trabalhava nos serviços secretos britânicos terá sido responsável por parte deste sucesso literário, tornando o seu terceiro romance um dos mais vendidos no período pós-guerra.
John le Carré acreditava que a cena literária londrina nunca tinha aceitado o seu sucesso. Quando, em 2011, foi nomeado para um prémio Booker, o seu agente lançou um comunicado em nome do autor: “Não compito por prémios literários e, portanto, quero que retirem o meu nome”.
David Cornwell nasceu em Dorset em 1931 e adotou o nome John le Carré quando o seu primeiro romance foi publicado - apenas por gostar do tom "europeu e vagamente misterioso" a que soava.
O seu avô era presidente de Câmara, mas o seu pai, Ronnie, tinha desavenças com a lei, dificuldade em gerir o dinheiro e um temperamento explosivo que o levou a bater no filho “mas apenas algumas vezes e sem grande convicção”, recordou mais tarde o autor.
Quando, em 1937, a sua mãe fugiu com outro homem, disseram a David, com então seis anos, que ela tinha morrido. Mais tarde o jovem reencontrou-a, mas a relação estava já demasiado danificada. No livro de memórias “O Túnel de Pombos”, de 2016, le Carré confessa que a mãe nem sequer apreciava especialmente as suas obras.
Vida com o pai foi primeira aprendizagem em espionagem
David e o seu irmão Tony passavam muito tempo a tentar descobrir as mentiras do pai e a ler as suas cartas. O mesmo acontecia no sentido inverso, com Ronnie a controlar constantemente os filhos, a ouvir as suas chamadas telefónicas e a revistar os seus quartos. Para o autor, a vida com o pai foi uma primeira aprendizagem em espionagem.“Até que eu morra, a relação pai-filho vai sempre deixar-me obcecado”, comentou le Carré numa entrevista em 1999, a propósito do seu livro “Single & Single”, no qual revisitou a experiência de pais e filhos que se espiam mutuamente.
Foi em 1947, com apenas 16 anos, que le Carré decidiu começar a estudar alemão na Universidade de Berne, na Suíça. Enquanto jovem inglês que falava alemão, rapidamente chamou a atenção de um olheiro dos Serviços Secretos de Inteligência britânicos (conhecidos por MI6), que acabou por recrutá-lo em 1949.
Nesse ano, le Carré trabalhou como agente de inteligência na cidade austríaca de Graz, onde entrevistava desertores alemães. Três anos depois foi aceite no Lincoln College, em Oxford, onde começou a estudar linguagens modernas. Mas até em Oxford continuou ao serviço da inteligência britânica, aproveitando o seu papel de aluno para compilar dossiers para o MI5 sobre colegas suspeitos de atividade de esquerda.
Casou-se em 1954 com Ann Sharp e, depois de ter passado poucos anos a ensinar alemão a universitários, continuou a trabalhar para a inteligência britânica. Em 1961 foi enviado para a embaixada da cidade alemã de Bonn. Fazia frequentemente viagens a Berlim, onde acompanhava alemães que chamavam a atenção do Governo britânico em viagens ao Reino Unido.
Uma "antiquada lealdade aos serviços"
Quando o seu terceiro romance, “O Espião que Saiu do Frio”, fez sucesso, pôde reformar-se da carreira de espião. Anos depois admitiu que tinha efetivamente trabalhado para os serviços secretos, mas nunca revelou pormenores sobre as suas funções. “Estou vinculado aos vestígios de uma antiquada lealdade aos meus antigos serviços”, chegou a dizer.Numa introdução escrita pelo autor para uma reedição deste romance, em 1978, le Carré explicou que, apesar da complexidade do enredo das suas obras, nunca as planeou antes de as escrever, seguindo sempre o instinto.
“Eu nunca fiz um esqueleto ou planeei para além do capítulo que escrevia. Continuo sem o fazer. Alcanço um ponto, durmo sobre ele, sigo para o próximo ou rasgo-o e reescrevo até que a continuidade seja orgânica”, revelou.
As vendas dos livros, especialmente nos Estados Unidos, fizeram de le Carré um homem rico. Mas o seu casamento não resistiu à transição da vida de espião para escritor a tempo inteiro, acabando por se divorciar em 1971. Mais tarde casou-se com a editora Jane Eustace. Teve três filhos do primeiro casamento e um do segundo.
John le Carré morreu no sábado, aos 89 anos, na Cornualha, no sul da Inglaterra. “É com grande tristeza que devo anunciar que David Cornwell, conhecido em todo o mundo como John le Carré, morreu, após uma breve doença (não relacionada a Covid-19) na Cornualha na noite de sábado, 12 de dezembro de 2020. Ele tinha 89 anos. Os nossos pensamentos estão com seus quatro filhos, as suas famílias e a sua esposa, Jane”, disse Jonny Geller, presidente da Curtis Brown Group, a agência do escritor.
c/ agências internacionais