Junça de Beselga, em Penedono, cada vez mais viva e com selo de certificação à vista
Penedono, Viseu, 04 set (Lusa) - Um homem e cinco mulheres juntam-se regularmente ao serão na aldeia de Beselga, no concelho de Penedono, para transformarem molhos de junça em peças de artesanato, que em breve serão vendidas com o selo de certificação.
Entre conversas e cantorias, o grupo entrelaça a junça (planta que nasce espontaneamente nas serras), dando-lhe a forma de ceiras, tapetes, cestos, chapéus e outras peças que atualmente são usadas sobretudo para decoração.
O homem entre as mulheres é Ilídio Serôdio, de 79 anos, considerado o mestre da junça de Beselga. Em 2013, viu a sua "ceira filtro de azeite" ser premiada na Feira Internacional de Artesanato de Lisboa, o que motivou a autarquia a começar a tratar do processo de certificação.
Ilídio Serôdio contou à agência Lusa que começou a fazer peças em junça aos oito anos, acompanhando os pais ao serão, à semelhança do que acontecia em muitas outras famílias da aldeia. Seriam 700 pessoas a fazê-las.
"Quando chegou o tempo da tropa, fui embora para a Marinha. Andei lá 30 e poucos anos e quando vim, já reformado, esta profissão que eu tinha e de que gostava estava em decadência, já estava quase morta", recordou.
Segundo Ilídio Serôdio, houve uma altura em que apenas três pessoas trabalhavam a junça, "culpa" quer da emigração, quer dos avanços tecnológicos que fizeram com que peças como a "ceira filtro de azeite" deixassem de ter utilidade.
"Hoje, já é tudo moderno. Das azenhas que trabalhavam naquele tempo com isto (ceira filtro de azeite) muitas fecharam e outras foram modernizadas", referiu, contando que ainda faz algumas destas peças - que custam cerca de 200 euros - mas para fins decorativos, nomeadamente para colocar numa mesa, com um tampo de vidro por cima.
Há cerca de 20 anos, o Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Câmara de Penedono decidiram promover um curso e convidaram-no para ser o formador, dando um novo ânimo que permitiu manter viva esta tradição.
"Dei o curso a algumas destas mulheres que estão aqui a trabalhar comigo", afirmou, apontando para as mulheres que, de segunda a quinta-feira, durante três horas, ao serão, se juntam consigo no Centro de Artesanato de Beselga.
Uma delas é Silvandira Gregório, de 70 anos, que em quase 20 anos raramente faltou a estes serões.
"Falamos, conversamos, cantamos, vemos televisão, nunca nos chateamos umas com as outras, estamos sempre bem-dispostas", afirmou.
A prática é tanta que a conversa e as cantorias não a fazem trocar as mãos, mas muitas vezes abranda o ritmo de trabalho, que rapidamente tem de retomar para que a peça seja acabada nessa noite de forma que a junça (que foi previamente molhada durante três/quatro horas) não seque.
A vice-presidente da Câmara de Penedono, Cristina Ferreira, disse acreditar que, após o parecer positivo ao pedido de registo da junça de Beselga no Registo Nacional de Produções Artesanais Tradicionais Certificadas (publicado em Diário da República a 24 de agosto) o resto do processo será célere.
O processo estará durante 20 dias em consulta pública e, "após este passo, estamos em condições de proceder à implementação do processo de certificação, que nos vai permitir criar a marca Junça de Beselga - Penedono, depois uma etiqueta que configure a própria junça e que se torne apelativa para o mercado", explicou.
Cristina Ferreira contou que, incentivada por Ilídio Serôdio, a autarquia está a trabalhar para que haja inovação nas peças, de forma a atrair novos mercados.
Porque o artesão "sempre mostrou à Câmara todo o empenho em contribuir com os seus conhecimentos para que esta arte não fique no esquecimento e para que se possa desenvolver, contribuir para a fixação de jovens, criação de emprego e dinamização da economia local", a autarquia decidiu fazer um protocolo com a associação 30 Moios de Sal.
A associação é constituída por estilistas e designers de áreas como o têxtil e o calçado que, "com os seus desenhos, as suas capacidades e o engenho de trabalhar do senhor Ilídio e destas artesãs" poderão dar-lhe um ar de modernidade, sublinhou.
Em parceria com o CEARTE, serão também desenvolvidos novos cursos para que os jovens possam aprender técnicas para trabalhar a junça.
AMF // SSS