Livro-CD sobre fado lembra colaboração entre Amália e David Mourão-Ferreira

Lisboa, 17 dez (Lusa) -- David Mourão-Ferreira foi o poeta que Amália Rodrigues mais cantou, à exceção de si própria, uma "parceria" que é evocada numa edição CD/mini-livro intitulada "Amália e David - As letras e a história".

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A edição discográfica regista todos os poemas de David Mourão-Ferreira que Amália Rodrigues cantou, incluindo dois em francês, "Au bord du tage", versão de "Fado do Ciúme" de Frederico Valério, e "L`Autonne de notre amour" outra versão, desta feita da canção "Nostalgia", de Joaquim Luís Gomes.

No total são 19 temas, incluindo o aclamado "Barco Negro" que Amália interpretou no filme "Les Amants du Tage" (1955), uma versão de "Mãe Preta" de Piratini e Caco Velho, e do mesmo filme, "Solidão", para a "Canção do Mar", de Ferrer Trindade, com letra original de Frederico de Brito. Ambos os temas foram gravados em Paris, em 1954, sendo Amália acompanhada na guitarra portuguesa por Jaime Santos, colocando-se, nesta edição, a hipótese de poder ser Domingos Camareira, e na viola por Santos Moreira.

O livro que acompanha a edição discográfica tem um texto de David Ferreira, filho do poeta que foi amigo de Amália, que conta, cronologicamente, a evolução das duas carreiras e as contextualiza. David Mourão-Ferreira, filho de um poeta da Seara Nova que considerava o fado decadente, e Amália que, no começo da década de 1940, com menos de cinco anos de carreira, era já estrela dos palcos do teatro de revista do Parque Mayer.

A primeira vez que David Mourão-Ferreira viu Amália, era ainda estudante no Colégio Moderno. David viu fugazmente Amália em combinação, quando no Guarda-Roupa Anahory fora escolher trajos, com os colegas, para uma peça de teatro do Colégio. Poucos anos mais tarde ouviu-a cantar numa revista, acompanhado pelos pais.

Amália, entretanto, grava discos, faz filmes, começa a atuar além fronteiras e, nos começos da década de 1950, é apresentada por Rui Valentim de Carvalho, da discográfica Valentim de Carvalho, ao então seu cunhado, David Mourão-Ferreira.

O poeta escreve para a fadista "Primavera", a partir de um poema que já publicara e que Amália grava na música de um fado tradicional, o "Pedro Rodrigues".

Seguir-se-ão versões em português de êxitos internacionais como "Limelight", de Chaplin, que Amália canta intitulando-se "Quando a noite vem", ou "T`ho voluto bene" que na versão portuguesa se intitula "Sempre e sempre amor".

A colaboração adensa-se com o compositor Alain Oulman, que musica poemas de Mourão-Ferreira como "Aves agoirentas", "Abandono", "Maria Lisboa", "Espelho quebrado" ou "Nome de rua", entre outros.

Em 1969 escreveu David Mourão-Ferreira o tema "Anda o sol na minha rua", com música de José Fontes Rocha, falecido em agosto passado, e "sela o fim da colaboração entre a fadista e o poeta", afirma o filho do poeta.

Nesse ano, o Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, adoeceu e Amália que em pequena via o estadista como um príncipe, enviou-lhe uns versos de sua autoria. David Mourão-Ferreira ter-lhe-á dito: "Se sabe escrever versos para o Salazar, com certeza não precisa dos meus".

Não voltou a escrever, mas "a amizade, contudo, recomeça, menos de um ano antes do 25 de abril de 1974", conta David Ferreira.

O CD inclui duas versões de "Primavera", uma gravada ao vivo no Café Luso, em 1955, em que Amália se queixa que "está muito mal da garganta", e outra registada nos estúdios da Valentim de Carvalho em Paço d`Arcos, entre 1966 e 1967. Uma nota refere que as primeiras gravações deste trecho são de 1953. Nesta gravação em estúdio, Amália é acompanhada pelo conjunto de guitarras de Raul Nery.

As gravações mais antigas do CD são de 1953, nomeadamente as versões de temas internacionais como "La rue" ("Neblina"), gravada nos estúdios da Valentim de Carvalho na rua Nova do Almada, em Lisboa, sendo Amália acompanhada pelo conjunto de Mário Simões.

A mais recente data de 1969, "Maria Lisboa", que integrou o LP "Com que voz" editado em 1970, gravado em Paço d`Arcos e sendo Amália acompanhada por Fontes Rocha (guitarra portuguesa) e Pedro Leal (viola).

O CD integra ainda um texto do investigador de artes do palco Vítor Pavão dos Santos em que afirma que a poesia de David Mourão-Ferreira, através da voz de Amália, abriu "novos horiozntes à chamada cantiga popular".

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