Luandino vive despojado de bens materiais

O escritor Luandino Vieira vive "como um franciscano" e é "completamente despojado dos bens materiais", explicou hoje o escultor José Rodrigues, justificando assim que o autor tenha recusado o Prémio Camões 2006, no valor de 100 mil euros.

Agência LUSA /

"Não é minimamente surpreendente" que Luandino Vieira tenha recusado o prémio, disse José Rodrigues, que há mais de uma década acolhe o escritor no seu convento em Vila Nova de Cerveira.

"Ainda ontem almocei com o Luandino numa tasquinha de Caminha que apenas serve comida africana, e quando, a brincar, lhe disse que ele ia ficar rico, a sua única resposta foi um sorriso. Só hoje é que percebi o significado desse sorriso", disse à Lusa José Rodrigues.

Este escultor trata Luandino Vieira como "irmão", mas nem com esse "estatuto" conseguiu o que todos os órgãos de comunicação social procuraram ingloriamente: um comentário à atribuição do Prémio Camões.

"Nunca me disse uma única palavra sobre isso. Há muito que ele cortou, completamente, com o mundo à sua volta. Diz que já cá não está, que já se despediu deste mundo, e praticamente só fala com os animais", acrescentou José Rodrigues.

Luandino Vieira até tem telemóvel, mas desde sexta-feira, dia em que foi anunciada a atribuição do Prémio Camões, que não é possível entrar em contacto com ele.

Quem ligar para o autor apenas pode esperar três "respostas":

ou atende e não diz nada, ou está pura e simplesmente desligado, ou então deixa chamar por tempo indefinido sem atender.

"Eu acho que ele tem telemóvel só para `protestar` contra os telemóveis", explicou José Rodrigues.

O Ministério da Cultura revelou hoje que Luandino Vieira recusou o Prémio Camões 2006, o maior galardão literário da língua portuguesa, invocando para o efeito "razões pessoais, íntimas".

"O Luandino tem o seu mundo, muito próprio, e por isso nada que ele faça me surpreende. A única coisa que surpreenderia é se ele deixasse de escrever. Mas tenho a certeza de que isso não vai acontecer nunca", disse ainda o "senhorio" do escritor angolano.

Luandino Vieira vive há mais de uma década no Convento de S.

Payo, situado no alto do monte com o mesmo nome em Vila Nova de Cerveira, só não sendo "um eremita a sério" porque normalmente tem com ele a namorada.

"É um homem muito introvertido, que fala muito com ele mesmo e que escreve até quando está no banho. A luz do seu quarto está sempre acesa", descreve José Rodrigues.

"Tal como ele, também sou de Luanda. As nossas famílias conheciam-se e a nossa amizade foi-se cimentando ao longo do tempo. A prova disso é que ele está a `descansar` no meu convento há 11 anos e poderá continuar a fazê-lo o tempo que quiser", acrescentou.

"Descansar", neste caso, significa escrever, escrever, escrever, explicou.

O Prémio Camões, o mais importante galardão literário da língua portuguesa, no valor de 100 mil euros, foi este ano atribuído, pela terceira vez desde 1989, a um escritor africano.

A escolha de Luandino não foi unânime, mas a preferência do único dos seis membros do júri que votou vencido, Agustina Bessa Luis, ia também para um autor africano, o cabo-verdiano Germano Almeida.

"Há dez anos que o galardão não distinguia um autor africano", salientou o presidente do Júri, o escritor brasileiro Ivan Junqueira, referindo-se ao prémio atribuído em 1997 ao angolano Pepetela.

Luandino Vieira, 71 anos, é "uma voz originalíssima na literatura de língua portuguesa" e o seu "trabalho de recriação" do português "viria a influenciar gerações de escritores" em Angola e nos outros países de língua portuguesa, considerou o júri.

O escritor já publicou dez títulos de ficção, entre os quais "Luuanda", "No Antigamente, na Vida", "Macandumba", "Vidas Novas", "A Cidade e a infância".

Em Novembro, a sua editora portuguesa, a Caminho, publicará um novo romance de Luandino Vieira, "O livro dos Rios", o primeiro de uma trilogia intitulada "De Rios velhos e Guerrilheiros".

O Prémio Camões foi criado em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil.

Desde então já foram galardoados dezoito escritores: oito portugueses, sete brasileiros e três angolanos.

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