Macau vai fazer parte do `ranking` anual dos Repórteres Sem Fronteiras após ameaça de "censura"

por Lusa

Macau vai passar a fazer parte do `ranking` anual dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que analisa a liberdade de imprensa em 180 países, após a ameaça de "censura" na Teledifusão de Macau, disse à Lusa um responsável da organização.

Na classificação da liberdade de imprensa estabelecida anualmente pelos RSF figurava apenas Hong Kong, que chegou a ser considerado um bastião da liberdade de imprensa, mas caiu do 18.º lugar, em 2002, para 80.º em 2020, enquanto a China continental é 177.º em 180 países, numa lista que até aqui deixava Macau de fora.

"Macau é mais pequeno que Hong Kong e quando abrimos a delegação [no Sudeste Asiático] contávamos ambos juntos, mas as coisas mudaram nos últimos anos e seria útil ter um indicador mais preciso", disse hoje à Lusa o diretor da delegação dos RSF para a região, Cédric Alviani, antecipando a inclusão do território na classificação já "este ano" ou "no próximo".

Cédric Alviani comentava as diretrizes dadas aos jornalistas da TDM, em 10 de março, proibindo-os de divulgar informações contrárias às políticas da China e instando-os a aderir ao "princípio do patriotismo" e do "amor a Macau", uma interferência condenada pela organização em comunicado, que denunciou igualmente a pressão sofrida pela emissora pública da região vizinha, a Rádio Televisão de Hong Kong (RTHK).

Para o responsável da organização não-governamental (ONG) no Sudeste Asiático, a ameaça de "censura" na emissora pública de Macau, que conta com canais de televisão em português, inglês e chinês, e rádio em língua portuguesa e chinesa, é uma "derrapagem perigosa".

Alviani considerou que "o facto de a direção [da TDM] dar ordens com conotações políticas [aos jornalistas] (...) representa efetivamente uma mudança", afirmando que se trata de um incidente sem precedentes no território.

"Abri a delegação dos RSF [no Sudeste Asiático] há quatro anos e tenho vindo a monitorizar a liberdade de imprensa na região, e de facto esta é a primeira vez que ouço este tipo de queixa em Macau", disse o responsável.

"Isso não significa que seja a primeira vez que isto acontece, porque em Macau as autoridades chinesas já fizeram muito mais para fazer avançar o sistema de censura ou auto-censura [do que em Hong Kong], mas é a primeira vez que ouvimos falar de algo tão direto e que obviamente chocou os jornalistas, porque a informação saiu", frisou.

Em 10 de março, os cerca de 40 jornalistas de língua portuguesa e inglesa de emissora pública de Macau foram notificados para comparecer numa reunião com a direção de informação, uma informação confirmada à Lusa por vários jornalistas da estação.

A direção de informação transmitiu verbalmente diretrizes como "a TDM divulga e promove o patriotismo, o respeito e o amor à pátria e a Macau" e "o pessoal da TDM não divulga informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China", orientações criticadas nos dias seguintes pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) e o Sindicato de Jornalistas de Portugal.

Em comunicado, os Repórteres Sem Fronteiras condenaram igualmente, em 19 de março, "a interferência editorial da direção das emissoras públicas de Hong Kong e Macau", considerando que a sua independência estava "ameaçada pela censura da administração", e instaram "os governos das duas regiões administrativas especiais [RAE] a cessar os seus ataques à liberdade da imprensa".

A polémica levou a administração da Teledifusão de Macau (TDM) a anunciar, na semana passada, que o manual editorial da empresa pública de rádio e televisão vai continuar a ser cumprido, após uma reunião com "jornalistas da Direção de Informação e Programas Portugueses", reiterando, no entanto, a adesão ao "princípio do patriotismo" e do "amor a Macau".

Para o responsável da ONG, são princípios "absolutamente incompatíveis" com o exercício do jornalismo, alertando que Macau sofre agora as pressões que a vizinha Hong Kong conhece há vários anos.

"Está em conformidade com o que se passa em Hong Kong, onde há pelo menos dois anos os jornalistas do canal público de televisão são vítimas de assédio e pressão", disse, alertando que o exercício do jornalismo nas duas RAE "é cada vez mais arriscado".

A lei básica de Macau, que deverá estar em vigor até 2049, garante aos residentes "liberdade de expressão [e] de imprensa".

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