Maestro Nuno Côrte-Real conjuga fado e música tradicional afegã no álbum "Hope"
O álbum "Hope", gravado sob a direção do maestro Nuno Côrte-Real, com alunos do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (ANIMP) refugiados em Portugal, propõe o "cruzamento de duas realidades musicais e artísticas", do Afeganistão e de Portugal.
Em declarações à agência Lusa, sobre este projeto, estreado ao vivo em 2023, Côrte-Real falou do seu gosto "por coisas inusitadas e fora do comum", e sobre a vontade de trabalhar com o ANIMP, a única escola afegã de música, fundada em 2010 por Ahmad Sarmast, cujos alunos procuraram refúgio em Portugal, em 2021, e que funciona desde 2022, em Braga e Guimarães.
Nuno Côrte-Real destacou também, "neste caso, o cruzamento entre culturas e a forma de ver a música".
O instituto afegão, onde se estudava tanto música tradicional afegã como música clássica ocidental, foi proibido de abrir portas pelas atuais autoridades de Cabul, tendo os seus últimos alunos e professores, cerca de 300, procurado refúgio em Portugal, onde está legalizado como Associação ANIMP, fundada em 2022.
Côrte-Real realçou que "o exemplo destes jovens que fugiram para Portugal, é que a esperança nunca acaba", e daí o álbum intitular-se "Hope" ("Esperança").
"Quando propus ao ANIMP este projeto, foi cruzar estes dois mundos, estas duas realidades musicais e artísticas [do Afeganistão e de Portugal]", disse Côrte-Real à Lusa, acrescentando que "a ideia de juntar fado e música tradicional afegã surgiu, e o CD anda à volta disto, deste cruzamento inusitado, tanto mais que o fado é uma música tradicional que vem do povo".
O álbum, editado esta semana, inclui canções tradicionais afegãs, fados e uma canção que Nuno Côrte-Real compôs aos 19 anos, "Tejo".
Além dos estudantes do ANIMP, com os seus instrumentos tradicionais, como os cordofones rubals e ghijaks, na gravação do álbum participaram também o Ensemble Darcos, o guitarrista Miguel Amaral e o fadista Marco Oliveira.
O alinhamento de"Hope" inclui "Não Venhas Tarde" (Aníbal Nazaré/João Nobre), uma criação de Carlos Ramos (1907-1969), "Vielas de Alfama" (Artur Ribeiro/Max), "Fado à Janela (Marco Oliveira), "Fado Darcos" (Marco Oliveira/Miguel Amaral), "Fama de Alfama (Hermano Sobral/Fado Lopes, de José Lopes), "Era já tarde" (A. Ribeiro/Max), "Fado Antigo" (Manuel de Almeida), "Eterna Namorada" (Ana Sofia Paiva/Miguel Ramos), "Trova do Vento que passa" (Manuel Alegre/Alain Oulman).
Estes fados surgem a par de composições tradicionais afegãs como "Gulf De Par Zulf/Flores nos teus cabelos", "Rasha Janana/Vem meu amor" e "Logari", todas com arranjos de Mohammad Qambar Nawshad, e "Megom ke Dostet Darom/Amo-te", de Ustad Hafizullah, com arranjos de Nawshad.
O maestro e compositor disse que o fado foi "o veículo possível" para o cruzamento dos dois universos musicais, tendo-se afirmado admirador do género fadista.
"Muitas coisas no fado, nomeadamente na guitarra portuguesa, são improvisadas, há muito improviso nos comentários, naquelas melodias que acompanham o cantor, e esse aspeto da improvisação também acontece muito na música afegã, embora tenham estruturas rítmicas e melódicas, mas acontece muito, e há conexões, não estou a falar no estilo da música, mas na própria maneira de tocar, e no CD percebe-se isso".
Referindo-se aos paralelismos com o fado, o compositor e maestro referiu as escalas e os melismas nas canções afegãs, tal como acontece no fado, o que dá "uma certa coerência ao CD".
O álbum inclui fados sem músicos afegãos, e fado com a participação de músicos afegãos que improvisam dentro da melodia e da harmonia, e vice-versa, disse o maestro, que destacou "um certo enriquecimento melódico - não que o fado precise".
Nuno Côrte-Real sublinhou ainda a participação do rubals na "Trova do Vento que Passa", "com uma improvisação sobre a voz e a guitarra portuguesa".
O maestro realçou que "nos fados mais vivos, os corridos, participam os dois instrumentos de percussão [afegãos], o dohl e a tabla, e há um enriquecimento rítmico, digamos da cor, [...] no âmbito deste projeto".
"Foi uma ideia feliz que funcionou muito bem, não por qualquer oportunismo em relação ao fado, pelo qual tenho respeito e amo muitíssimo", mas porque "o fado é uma música propícia a estes encontros", esclareceu Côrte-Real.
O projeto foi estreado ao vivo em dois concertos no Teatro Maria Matos, em Lisboa, em 2023, e outro em Torres Vedras, a que se seguiram outras atuações. O álbum foi gravado em setembro do ano passado, em Braga.
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