Mário Cruz recorda pendor "profundamente humanista" do trabalho de Eduardo Gageiro

O fotojornalista Mário Cruz salientou hoje o pendor "profundamente humanista" do trabalho do fotojornalista Eduardo Gageiro, "a maior referência na fotografia portuguesa", que se dedicou ao longo de várias décadas a documentar a História do país.

Lusa /

"O trabalho dele tem uma componente social que para mim fez sempre sentido na fotografia, fotojornalística e documental. A fotografia de Eduardo Gageiro constitui prova, é uma fotografia profundamente humanista e que é utilizada enquanto veículo de comunicação para nos alertar e para nos fazer pensar, para nos fazer refletir. Isso é um legado que ele deixa e a mim inspira pessoalmente, e para o meu trabalho certamente", afirmou Mário Cruz, em declarações à Lusa.

Eduardo Gageiro, que é para o vencedor de dois World Press Photo "a maior referência na fotografia portuguesa", morreu hoje de madrugada, em Lisboa.

Mário Cruz destaca também "o compromisso" de Eduardo Gageiro com a Fotografia.

Visivelmente emocionado, partilhou o encontro que teve com Gageiro no desfile do 25 de Abril deste ano, na Avenida da Liberdade em Lisboa.

"Estava a dizer-lhe que lhe agradecia bastante pelo trabalho, e ele só me perguntou onde é que estava a câmara fotográfica. Aquela crítica, indicando que temos de estar preparados para documentar a História", contou.

Eduardo Gageiro foi um dos primeiros fotojornalistas a chegar aos cenários do 25 de Abril de 1974, fixando as imagens do encontro dos militares no Terreiro do Paço, do assalto à sede da PIDE, da polícia política da ditadura, e o momento em que o capitão Salgueiro Maia percebeu que a queda da ditadura era inevitável e a revolução triunfara.

Talvez por isso, ao pensar-se no trabalho de Eduardo Gageiro venham à mente as imagens da `revolução dos cravos`, "mas a verdade é que ele dedicou-se de forma constante a documentar toda a Democracia portuguesa, não só o 25 de Abril, mas sobretudo as questões sociais fraturantes, que ainda hoje o país atravessa", salientou Mário Cruz.

O fotojornalista fala na exposição "Factum", que esteve patente na Cordoaria Nacional, em Lisboa, entre 27 de janeiro e 05 de maio do ano passado, como prova disso mesmo, "porque mostrou de forma clara o alcance e a dimensão do trabalho do Eduardo Gageiro".

Mário Cruz considera também importante lembrar que Eduardo Gageiro "sempre se pautou por uma marcação autoral muito vincada", algo "absolutamente notável no fotojornalismo".

"Quando pensamos na sua obra, ela é reconhecida não só por aquilo que ele fotografou, aquilo a que ele se dedicou, mas também na forma como o fez. E isso tem um valor muito significativo se pensarmos que ele o fez durante muitas décadas, de uma forma muito própria, com uma tenacidade louvável até", disse.

Nascido em Sacavém, em 1935, Eduardo Gageiro deixa um vasto arquivo de uma obra de décadas que ilustra realidades políticas, sociais e culturais do país, modos de vida e personalidades diversas, num registo histórico desde a década de 1950 até à atualidade.

Durante a ditadura, captou imagens das condições precárias em que vivia grande parte da população portuguesa, tendo tido vários episódios em que foi preso pela PIDE, por causa das imagens `inconvenientes` ao regime.

Empregado de escritório na Fábrica de Loiça de Sacavém, entre 1947 e 1957, "conviveu diariamente com pintores, escultores e operários fabris, que o influenciaram na sua decisão de fazer fotojornalismo", lê-se na biografia disponível no seu `site`.

Gageiro publicou a sua primeira fotografia aos 12 anos no Diário de Notícias, "com honras de primeira página", iniciando a atividade de repórter no Diário Ilustrado em 1957.

Ao longo da carreira trabalhou para as revistas O Século Ilustrado, Eva, Almanaque, Match Magazine, foi correspondente da agência Associated Press (Portugal), editor da revista Sábado e manteve uma longa atividade como `freelancer`.

O seu trabalho abrangeu também a Companhia Nacional de Bailado, a Assembleia da República e a Presidência da República, a editora alemã Deustche Gramophone e companhias internacionais como a Yamaha e a Cartier.

Eduardo Gageiro foi condecorado como comendador da Ordem do Infante D. Henrique e cavaleiro da Ordem de Leopoldo II, da Bélgica.

Entre as distinções da sua carreira, conta-se o World Press Photo em 1975, por uma imagem de António de Spínola, na clarividência da derrota iminente, com a passagem da História.

Foi nomeado "membro de honra" do Fotokluba Riga (ex-URSS), do Fotoclube Natron e da Novi Sad (ex-Jugoslávia), da Osterreichisdhe Fur Photographie, da Áustria, e recebeu o prémio de excelência da Fédération Internationale de l`art Photographique (FIAP), em Berna, na Suíça.

No II Congresso Internacional de Repórteres Fotográficos, realizado em S. Paulo, Brasil, em 1966, foi nomeado vice-presidente da organização.

Mestre Fotógrafo Honorário da Associação de Fotógrafos Profissionais desde 2009 é o único português com uma fotografia em exposição permanente na Casa da História Europeia, em Bruxelas, desde 2014, indica a sua biografia.

No início deste ano, a Câmara Municipal de Torres Vedras adquiriu o acervo do fotógrafo, que já se mantinha à sua guarda e conservação.

Até 13 de setembro está patente na Galeria Municipal de Torres Vedras a exposição "Pela Lente da Liberdade", que parte desse acervo.

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