Memória geracional persiste nos PALOP mas jovens usam cultura para perspetivar futuro - investigadora
A investigadora Lurdes Macedo apontou que a memória geracional das lutas de libertação ainda afeta os países africanos lusófonos, mas uma juventude crítica usa a cultura e a arte para reescrever a história, perspetivando um futuro de maior liberdade.
Em declarações à agência Lusa, a investigadora e professora da Universidade Lusófona Lurdes Macedo afirmou que meio século de independências "ainda não foi suficiente para libertar estas sociedades do efeito da memória geracional, uma herança que mantém vivas as tensões da libertação e da construção nacional".
Segundo a professora, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) vivem ainda sob o efeito da memória geracional, uma memória que dura entre 80 a 100 anos após as lutas de libertação, "em que pessoas que participaram desse processo histórico ainda estão vivas, transmitem as suas histórias aos seus descendentes, e essas histórias continuam a ser contadas, muitas vezes oralmente, outras de forma documentada".
Essa memória, sublinha, é "conflitante", pois preserva "um período de tensão, de conflito, e as próprias contradições da construção das novas nações".
A investigadora lembrou que o peso dessa herança é visível em todas as dimensões da vida social e política.
"Na memória geracional entram em tensão a história e a memória colonial (...) e os países enfrentam ao mesmo tempo os desafios da globalização e da afirmação de uma identidade própria", salientou.
A investigadora considerou que ainda falta reconhecer o contributo de artistas e intelectuais africanos na formação das identidades nacionais.
"Não há uma visão de conjunto sobre o contributo destas pessoas", declarou, sublinhando que este contributo é "especialmente importante porque é um contributo com grandes implicações na construção das identidades nacionais do ponto de vista da cultura e da afirmação de uma cultura própria".
O presente começa a ser moldado por uma nova força, a da juventude, "menos subordinada ao passado, mais crítica, criativa e determinada a participar", observou a investigadora, notando que "uma das grandes mais-valias destes países é terem uma população muito mais jovem do que as populações europeias".
"[São] jovens abertos às mudanças, que querem mudanças, que têm cada vez mais expressão e qualificações, que se interessam pela literatura, pelas artes, pela música, que começam a viajar, que estudam no estrangeiro e regressam aos seus países", acrescentou.
Para a professora universitária, esta nova geração demonstra uma vontade maior de liberdade de pensamento e ação, de ser quem são e de exercer uma cidadania plena.
Os jovens olham para a história "com os olhos postos no futuro, com um olhar mais crítico sobre o que se passou durante os 50 anos do pós-independência, e com um olhar muito focado na construção de alternativas", mais do que negar o passado, procuram reescrevê-lo através de novas linguagens e formas de expressão.
A cultura e a arte tornaram-se, segundo Lurdes Macedo, "uma forma de luta e de protesto", com "muitos jovens comprometidos com uma produção cultural que é também uma forma de propor alternativas para a construção da nação".
As artes, especialmente a literatura, a música e o cinema, têm "uma força muito grande" em países como Angola e Moçambique, mobilizando novas gerações que usam a criação artística como instrumento político e social.
"Através delas, expressam-se, participam e reclamam o direito de fazer parte da história que estão a viver", enfatizou.
Apesar dos obstáculos à participação, sobretudo no associativismo e na política, a professora acredita que a mudança é inevitável.
"Estas sociedades vivem em democracias com as suas particularidades, mas este é um processo sem volta. Pode ser lento, gradual, com conquistas pequenas, mas estou certa de que a juventude destes países terá um papel determinante, também através da sua produção cultural, nos processos de abertura e participação", disse.
Lurdes Macedo concluiu que os jovens carregam uma pós-memória das gerações anteriores, olhando para as independências com orgulho, mas conscientes de que é preciso continuar a lutar pela liberdade de pensar, criar e participar.