Museu vai desvendar achados com a mais antiga escrita da Península Ibérica

Uma estela funerária com uma das maiores inscrições da escrita tartéssica é um dos "tesouros" do museu que vai "nascer" na vila alentejana de Almodôvar para desvendar achados epigrafados com a mais antiga escrita da Península Ibérica.

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O Museu da Escrita do Sudoeste (como também é conhecida a escrita tartéssica), um projecto do município local, vai ser apresentado sexta-feira, durante a 12/a Feira de Artes e Cultura de Almodôvar, que começa quinta-feira.

O núcleo museológico, que deverá abrir no Outono, vai ser instalado no edifício do antigo Cine-Teatro Municipal, em pleno centro histórico de Almodôvar.

O arqueólogo e coordenador científico do projecto, Amílcar Guerra, explicou hoje à agência Lusa que "o museu vai expor alguns dos mais importantes achados arqueológicos epigrafados com caracteres da Escrita do Sudoeste".

Trata-se sobretudo de estelas funerárias, ou seja, colunas tumulares em pedra de xisto, nas quais os antigos faziam inscrições e eram colocadas ao alto nas sepulturas.

A instalação do museu em Almodôvar, segundo o arqueólogo, justifica-se "plenamente", porque este concelho "é uma das áreas da Península Ibérica com uma das maiores e das mais importantes concentrações" daqueles achados.

O espólio permanente do museu, de acordo com Amílcar Guerra, deverá incluir entre 20 a 30 estelas, 16 das quais achadas no núcleo arqueológico de Almodôvar.

Este espólio, acrescentou, "deverá ser variado com a exposição de outras estelas descobertas fora do núcleo de Almodôvar, que são também muito interessantes e diversificadas".

As 16 estelas epigrafadas com Escrita do Sudoeste achadas no concelho de Almodôvar fazem parte das 75 estelas descobertas em território português e de um total de 90 conhecidas na Península Ibérica.

Entre o espólio do museu, Amílcar Guerra destacou a Estela de São Martinho, achada no sítio arqueológico com o mesmo nome na freguesia de São Marcos da Serra, no concelho algarvio de Silves.

"É uma estela notável, não apenas pelas suas dimensões, mas especialmente pela extensão do seu texto, com cerca de 60 signos identificados, o que permite considerá-la uma das inscrições mais extensas de escrita tratéssica", precisou.

Em termos de interesse científico, o arqueólogo destacou ainda a Estela da Abóbada, achada no sítio arqueológico com o mesmo nome na freguesia de Gomes Aires, em Almodôvar.

"É uma estela particularmente interessante e fora do comum por ser uma das poucas com figuras", salientou, frisando tratar-se de "um exemplo ilustrativo do interesse da escrita tartéssica".

A Escrita do Sudoeste ou Tartéssica, da I Idade do Ferro no Sul de Espanha e Portugal, foi desenvolvida pelos Tartessos, o nome pelo qual os gregos conheciam a primeira civilização do Ocidente, que se terá desenvolvido nas zonas das actuais regiões da Andaluzia espanhola e Baixo Alentejo e Algarve.

A escrita dos Tartessos, que tiveram influências culturais de Egípcios e Fenícios, explicou Amílcar Guerra, "é distinta das dos povos vizinhos, complexa e permanece indecifrável até à actualidade".

Nos finais do século XVIII, de acordo com o arqueólogo, o erudito antiquário D. Frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas, bispo de Beja, recolheu as primeiras estelas com inscrições em escrita tartéssica.

Desde então, "têm sido várias as tentativas para ler os textos", referiu Amílcar Guerra, frisando que, "durante mais de um século, e apesar de terem sido recolhidas algumas dezenas de inscrições, ignorou-se a sua função, facto que dificultou ainda mais qualquer tentativa de decifração dos textos".

A partir da década de 1970, os arqueólogos portugueses conseguiram localizar, no Sul do país, mais precisamente no Baixo Alentejo e Algarve, "um grande número de monumentos funerários, onde foram recolhidas algumas estelas com inscrições em escrita tartéssica".

"Desta forma foi levantada uma ponta do véu. As misteriosas inscrições são estelas funerárias", frisou Amílcar Guerra, acrescentando que os arqueólogos supõem tratar-se de "fórmulas fúnebres com informações identificadores das pessoas sepultadas, já que os monumentos aparecem em necrópoles".

As escavações realizadas e as localizações das necrópoles com as estelas, explicou o arqueólogo, permitem situá-las entre o século VIII e o século V a.C., período em que se terá verificado o apogeu da civilização tartéssica, que terá ocupado as zonas das actuais regiões da Andaluzia espanhola e Baixo Alentejo e Algarve.

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