Novo volume de textos de Mafrano nasce em Angola, mas também é "universal"

Mafrano é um autor angolano cuja obra pode ajudar a refletir e fazer pontes entre comunidades e povos, disse hoje à Lusa o filho, José Caetano, ao apresentar o terceiro volume da recolha de textos do escritor.

Lusa /

A pesquisa de Maurício Francisco Caetano percorreu todo o mapa de Angola, porque "ele dizia que é ouvindo os nativos que se faz antropologia. É aceitar a nossa cultura, a nossa identidade, os nossos hábitos, mas também transmite um conhecimento universal", referiu o filho.

"Na opinião dele, o conhecimento leva-nos a aceitar o outro. Ajuda quando você compreende alguém, isso melhora o relacionamento" e toda a obra, distinguida com o Prémio Nacional de Cultura e Artes de Angola, em 2024, "transmite esse conhecimento", acrescentou.

José Caetano falava à Lusa, na Praia, capital de Cabo Verde, às portas da apresentação do terceiro e último volume da coletânea póstuma "Os Bantu na visão de Mafrano - quase memórias", a partir de textos dispersos em revistas e jornais de Angola, entre 1947 e 1982 (ano em que morreu, por doença, em Lisboa).

A escrita sobre a cultura angolana e africana aborda temas tão diversos como tradições religiosas, a natureza, economia ou demografia, numa valorização de saberes que se opunha à opressão colonial portuguesa.

Trata-se de um trabalho que "facilita a integração entre comunidades", disse José Caetano.

Há uma universalidade "quando explica algumas questões", disse Antonieta Lopes, docente de História na Universidade de Cabo Verde (Unicv), que hoje apresentou o terceiro volume.

"Além dos Bantu, há muitas coisas que são interessantes" na obra, referiu, exemplificando com reflexões sobre a influência humana no meio-ambiente, outro tema da atualidade.

A docente citou uma questão lançada por Mafrano: "O homem, estendendo sem cessar o seu domínio sobre as energias da natureza, não provocará fatalmente uma dessas catástrofes derradeiras que serão o último dia de um mundo?"

Noutro excerto, Antonieta Lopes referiu-se à forma como o autor se insurgiu contra uma realidade de materialismo, em que, tal como Mafrano escreveu, "a carne comanda e o espírito serve".

Maurício Francisco Caetano nasceu em 1916, no Dondo, Angola, cresceu no meio católico e ficou conhecido como "rato de biblioteca", porque lia muito, conta José Caetano, dizendo que até a PIDE, polícia política da ditadura portuguesa, o referenciava pela sua cultura invulgar.

O filho resume o percurso do pai: começou a escrever jovem, contactava as comunidades, foi professor de Língua Portuguesa e Filosofia, funcionário da administração colonial, oficial tributário e fez carreira até chegar ao Ministério das Finanças, com a independência de Angola -- conciliando sempre as atividades com a escrita.

Antonieta Lopes deixou hoje um desafio à família: "se calhar valia a pena fazer uma biografia" sobre Mafrano.

O lançamento realizado na Praia surge enquadrado na celebração dos 50 anos de independência de Angola, a 11 de novembro.

Tópicos
PUB