O último livro de Anna Politkovskaya

No dia 7 de Outubro fez um ano que a jornalista Anna Politkovskaya, acérrima crítica de Vladimir Putin e considerada a "consciência moral da Rússia", foi assassinada à porta de sua casa, em Moscovo.

RTP Multimédia /
Livro polémico de Politkovsaya Bertrand Editora

José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes apresentam esta quinta-feira "Um Diário Russo", o livro que Anna Politkovskaya acabou de escrever poucos dias antes da sua morte.

Este livro é um diário que cobre o período que decorre entre as eleições parlamentares russas de Dezembro de 2003 e o trágico resultado do cerco à escola de Beslan em 2005: o livro inclui relatos em primeira-mão, reflexões, conversas, observações que reflectem acontecimentos como as eleições parlamentares e presidenciais de 2003 e 2004, o desastre de Beslan, a revolução na Ucrânia e a demanda da Chechénia.

Politkovskaya denuncia as circunstâncias nada democráticas em que o presidente Putin foi reeleito, o silenciamento da imprensa, a neutralização dos partidos da oposição, bem como a incapacidade dos liberais e democratas para formar uma oposição unida e eficaz, e a lentidão com que a população russa contesta os ultrajes legislativos do governo.

Face à tirania da governação levada a cabo por Vladimir Putin, refere Anna Politkovskaya, os governantes ocidentais continuam a prestar-lhe homenagem. Um Diário Russo é o relatório arrepiante da destruição das reformas democráticas conseguidas na Rússia nos anos 90.

A 7 de Outubro de 2006, Anna Politvoskaya foi morta a tiro à porta da sua casa, a meio de uma investigação que estava a levar a cabo para o jornal Novaya Gazeta sobre a tortura na Chechénia.

A 24 de Novembro de 2006, dois colegas do mesmo jornal que investigavam o seu assassinato receberam ameaças de morte.

Envenenado com tálio, Alexander Litvinenko, muito crítico do regime de Vladimir Putin e dissidente dos serviços de informações russos, foi envenenado com tálio enquanto investigava, a morte da jornalista Anna Politkovskaya.

O assassinato de Anna Politkovskaya foi objecto de condenação internacional e levantou preocupações sobre a estabilidade política da Rússia.

Em Dezembro de 2006, o Comité Executivo do Instituto Internacional de Imprensa (IPI) decidiu nomear a jornalista russa como Heroína da Liberdade de Imprensa Mundial. Recentemente, as autoridades russas detiveram 10 suspeitos formalmente acusados de envolvimento no assassínio.

Politkovskaya foi a 13ª jornalista a ser assassinada a soldo desde que Vladimir Putin chegou ao poder, no ano 2000. Apesar das reiteradas ameaças de morte que recebeu até esse dia, Anna sentiu que era seu dever continuar a denunciar o sofrimento de milhões de russos sob a governação de Vladimir Putin e recusou ter um guarda-costas ou dar ouvidos aos pedidos da sua família para deixar o país.

Lúcido, apaixonado e marcado pela humanidade que tornou Anna Politkovskaya uma heroína para milhares de leitores no mundo inteiro, Um Diário Russo é um relato devastador da Rússia actual feito por uma grande escritora, que é um símbolo do melhor e mais corajoso jornalismo de investigação.

Um Diário Russo inclui entrevistas a pessoas cujas vidas foram devastadas pelas polícias de Putin, incluindo as mães das crianças cujos filhos morreram no cerco de Beslan, as vidas dos soldados russos estropiados na Chechénia e depois abandonados pelo Estado e de todos os jovens homens e mulheres dados como "desaparecidos2.

Numa prosa de grande empatia e que não peca por falta de rigor e de objectividade, Politkovskaya retrata uma sociedade estrangulada pelo cinismo e pela corrupção.

Com as eleições russas à porta, Politkovskaya descreve a forma como Vladimir Putin neutraliza ou elimina os seus adversários, silencia a imprensa, mente descaradamente ao povo e mergulha-o numa depressão em massa.

Em Moscovo, a oligarquia no poder desperdiça milhares em festas enquanto os soldados russos morrem de frio. Multiplicam-se os ataques terroristas. Diariamente, o população vê-se privada da sua liberdade.

Absolutamente convicta da sua missão, Politkovskaya entrevista um chefe militar louco na Chechénia na sua própria casa fortificada e regista a dor de uma mãe que perdeu o filho no cerco de Beslan e que ainda acredita que um dia este voltará a casa.

Um Diário Russo não deixa de denunciar a ostentação obscena dos novos-ricos e a apatia fantasmagórica do povo russo. "Consolar-se com previsões optimistas", escreve Politkovskaya, "é certamente a forma mais fácil de lidar com o problema, mas é o mesmo que assinar a sentença de morte dos nossos netos".

Anna Politkovskaya dizia ao jornal The Guardian em Setembro de 2004: "Quem quer trabalhar como jornalista tem de ser totalmente servil a Putin, caso contrário pode enfrentar a morte , a bala, o veneno ou o julgamento – tudo o que os serviços secretos, os cães de guarda de Putin, acharem mais adequado".

Conhecida por muitos como a "consciência moral da Rússia", Anna Politkovskaya trabalhava como jornalista de investigação para o jornal russo Novaya Gazeta desde 1999 e foi uma das mais temerárias jornalistasrussas.

Filha de diplomatas da Ucrânia soviética junto das Nações Unidas, Anna Politkovskaya nasceu em Nova Iorque, em 1958, e estudou jornalismo em Moscovo. Iniciou a sua carreira no jornal Izvestia no início dos anos 90, passou pelo semanário Obshe Gazeta.

Cobriu, a partir dessa altura, a guerra na Chechénia e, desde então, criticou a política de normalização levada a cabo pelo Presidente russo Vladimir Putin. Negociadora na tomada de reféns no teatro de Moscovo, em 2002, denunciou várias violações de direitos humanos na Rússia. Autora de vários livros e vencedora de prémios internacionais, Anna Politkovskaya, casada e mãe dois filhos, foi morta a tiro aos 48 anos.

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