Obra completa de Manuel de Lima reunida num só volume com documentos inéditos

Lisboa, 05 mai 2019 (Lusa) - A obra completa de Manuel de Lima, escritor integrante da tertúlia surrealista do Café Gelo, foi pela primeira vez reunida num só volume, que revela também documentos inéditos e escritos dispersos, além de reproduções das suas pinturas.

Lusa /

"Atravessada por um humor negro e absurdo com tonalidades surrealistas, a obra de Manuel de Lima aparece finalmente reunida num único volume, incluindo reproduções de documentos dispersos ou inéditos que ajudam a conhecer melhor este criador singular na ficção portuguesa e a sua personalidade tão misteriosa como fascinante", descreve a editora Ponto de Fuga, que deitou mãos à obra de reunir toda a obra do escritor e investigar a sua biografia, sobre a qual o próprio sempre manteve secretismo.

A verdade é que, "independentemente de se inserir em grupos como o do café Gelo, Manuel de Lima era, por temperamento e por escolha, um homem preferencialmente só, que cultivava em relação à vida íntima um silêncio absoluto, ou quase", escreve o editor Vladimiro Nunes, na introdução da obra.

Manuel de Lima fazia parte da tertúlia surrealista que, nos anos 1950, se realizava naquele café da Praça do Rossio, em Lisboa, que integrava, entre outros, Mário Cesariny, António José Forte, Herberto Helder, Manuel Castro e Luiz Pacheco, amigo e admirador do autor, a quem se deve, em grande parte, o pouco que se conhece da sua vida.

Como diz Vladimiro Nunes, "à parte os quatro volumes de bolso com as suas `obras completas`, editados pela Estampa entre 1972 e 1973 (...), [Manuel de Lima] não deixou espólio nem um rasto material que sustente um esboço biográfico consistente.

Resta-nos, portanto, reunir as informações disponíveis, em grande parte devidas à proverbial indiscrição do seu editor na Contraponto".

Esse editor da Contraponto, Luiz Pacheco, era admirador confesso de Manuel de Lima e publicou-lhe um dos primeiros livros, "Malaquias ou A História de Um Homem Barbaramente Agredido", tendo ainda sido responsável pelas alcunhas "Careca evidente" e "Mano Manecas" que a sua verve maliciosa criou para o amigo.

"Luiz Pacheco, polemista intrépido, sumo pontífice da má-língua" moveu-se, acima de tudo, como editor, por uma ética fundada naquilo a que chamava "uma grande capacidade de admirar", e um dos livros de que admitia gostar foi aquele que editou, em 1953, "obra que, não sendo a que mais lastro deixou na história da Contraponto, era sintomática para Pacheco, da dimensão de um dos génios que considerava, sem pejo, superiores ao seu", explica o editor.

"Mais do que irmanar o génio de Lima ao de Cesariny e ao de António Maria Lisboa, Pacheco chegava ao ponto de colocá-lo acima de qualquer outro, não apenas pelo génio propriamente dito, mas também pelo temperamento que o revestia", acrescenta Vladimiro Nunes.

Deve-se, pois, a Pacheco, o acesso ao registo de nascimento de Manuel de Lima -- que não revelava o dia exato em que nascera -, cuja cópia figura desta "Obra reunida", assim como a do assento de óbito, e o conhecimento de que o "careca evidente" nasceu a 12 de agosto de 1915, em Lisboa.

Ainda novo, estudou violino no Conservatório, após o que tocou a solo na rua e com orquestras em teatros -- acompanhando peças, óperas ou bailados --, assim como em cabarés ou paquetes.

À vida aventurosa e precária foi colher muitos dos elementos da sua ficção e publicou a primeira novela, "Um homem de barbas", em 1944, sob os auspícios de Almada Negreiros, a que se seguiram "Malaquias ou A História de um Homem barbaramente Agredido", "O clube dos antropófagos" (teatro, 1965; novela, 1973) e "A pata do pássaro desenhou uma nova paisagem" (novela, 1972), estas duas últimas pela Estampa.

O escritor e músico, amigo íntimo de Natália Correia -- em cujo espólio se encontravam os poucos manuscritos sobreviventes de Manuel de Lima e que estão reproduzidos nesta obra da Ponto de Fuga -, foi também artista plástico, destacando-se ainda como um dos mais temidos críticos de música e de televisão do país.

Manuel de Lima morreu em Lisboa, a 29 de outubro de 1976, vitima de uma súbita trombose cerebral.

Mais de quarenta anos depois, a Ponto de Fuga dá "corpo presente e memória futura" a uma obra - "espécie de jardim burlesco dos infernos" -- há muito esgotada e que "merece ser lida e pensada", sublinha o editor, destacando que esta será uma oportunidade de revisitação ou de descoberta do "`Boris Vian português`, como apropriadamente lhe chama João Pedro George".

Neste volume estão ainda reproduzidos, para além de documentos e pinturas, fotografias, correspondência, manuscritos e esboços de Manuel de Lima.

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