Partidos convergem na necessidade de facilitar uso de partituras por bandas e escolas

A necessidade de aliviar restrições impostas às bandas filarmónicas, permitindo a reprodução de partituras já compradas para fins como ensino, estudo e preservação, foi o tom dominante do debate parlamentar de hoje sobre alterações relacionadas com direitos de autor.

Lusa /

A Assembleia da República debateu hoje várias propostas de alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), centradas na possibilidade de permitir a reprodução de partituras musicais por bandas filarmónicas e entidades culturais, sem autorização prévia dos autores, desde que as partituras tenham sido adquiridas legalmente.

A proposta da Iniciativa Liberal (IL), que esteve no centro do debate, defende que se permita a realização de cópias de trabalho de partituras já compradas, para efeitos de preservação e uso em ensaios e concertos, sem que tal configure uma violação dos direitos de autor.

"Não defendemos que as editoras deixem de ser compensadas pelo seu trabalho ou que as bandas não paguem pelas partituras originais, apenas defendemos que após pagarem pelos originais, possam fazer cópias de trabalho para preservar esses mesmos originais. Não defendemos que quem nada paga possa fazer cópias de trabalho dos outros, mas sim impedir a injustiça de forçar alguém a pagar por cópias de trabalho depois de já ter pago centenas de euros pela partitura original. Com este projeto de lei não defendemos um qualquer tipo de evasão, mas sim combater a esperteza da extorsão", afirmou Rodrigo Saraiva.

A intervenção do deputado visava sublinhar que a IL rejeita a ideia de que a sua proposta elimine o pagamento pelos direitos ou incentive cópias ilegais, mas que também está contra a possibilidade de impor o pagamento de "mais uma taxa, das mais estúpidas taxas que este país poderia ter, a taxa da fotocópia".

Em causa está a criação da AD-EDIT -- Associação de Editores de Partituras e Compositores, em novembro de 2023, para gestão coletiva de direitos de autor, que introduziu novas condições de licenciamento e utilização de partituras musicais.

Esta situação tem gerado preocupações entre bandas filarmónicas, escolas, orquestras e outras entidades utilizadoras, porque a grande maioria depende de partituras musicais de domínio público ou adquiridas a preços acessíveis.

Com o aumento dos custos, as bandas filarmónicas correm o risco de perder capacidade de promover atividades culturais, e as escolas podem perder a capacidade de proporcionar o acesso ao ensino musical, limitando as oportunidades para a formação de novos músicos.

Alguns dias antes do debate de hoje, a AD-EDIT manifestou, na sua página de Facebook, preocupação perante um projeto de lei que considera propor "que mesmo quem não autoriza a reprodução, seja obrigado a fazê-lo", ou seja, que "legaliza e promove a cópia sem consentimento", violando diretivas europeias e representando um "risco grave para o setor".

Um pedido de esclarecimento do deputado João Pedro Louro, do PSD, foi exatamente nesse sentido, lembrando que há uma diretiva europeia que regula os direitos de autor e questionando a IL sobre se "está disposta a colocar Portugal em risco de sanções".

O deputado afirmou que o PSD está do lado das bandas e das escolas, mas também de quem cria, e recordou que na legislatura passada, apresentou uma proposta que apela ao diálogo e chama o governo à mediação, acusando a IL de escolher o "atalho do oportunismo e precipitação".

"Somos europeístas", mas nem tudo o que vem de Bruxelas é para "comer e calar", se é injusto, não é para seguir, respondeu Rodrigo Saraiva.

Outros partidos como o PCP, o Chega e o Livre apresentaram propostas convergentes, defendendo a possibilidade de reprodução de partituras em contextos educativos, culturais e filantrópicos.

A deputada comunista Paula Santos defendeu a legitimidade da reprodução de partituras, desde que adquiridas licitamente, enquanto cópia de trabalho, ou seja, para serem utilizadas no ensino da música e na expressão musical.

"O direito de autor não é posto em causa, tendo em conta que para ser lícita a reprodução, a partitura tem de ser adquirida licitamente e ser utilizada exclusivamente pelo seu detentor".

Mas o PCP foi mais longe, propondo a criação de uma biblioteca pública de partituras e o reforço do financiamento às escolas artísticas, defendendo que a solução que propõem "é equilibrada e salvaguarda o direito de autor".

O deputado do Chega, José Carvalho, sublinhou a importância das bandas para a identidade cultural local e apelou ao equilíbrio: "Que haja fiscalização, mas também apoios".

Inês Sousa Real, pelo PAN, centrou-se na valorização do setor da rádio, propondo a sua representação no Conselho Nacional de Cultura, medida justificada pela "falta do reconhecimento devido" a este setor.

Também o CDS e o Livre criticaram os custos atualmente exigidos às bandas filarmónicas, classificando-os como um bloqueio à atividade cultural.

"Nós respeitamos a cultura e os criadores, sabemos que os compositores têm direito à sua justa remuneração pelo seu trabalho criativo, mas isto não pode significar um bloqueio, que é aquilo aconteceria se as filarmónicas e as bandas tivessem de pagar o que lhes é pedido pelas partituras: um bloqueio na prossecução da sua atividade", afirmou o deputado do Livre Jorge Pinto.

João Almeida, do CDS, interveio para reconhecer que "obviamente" os direitos de autor e a criação artística devem ser protegidos, mas também lembrar que "quem numa banda filarmónica toca essas obras criadas, não só está a fruir, mas está também a divulgar, a publicitar, a promover aquilo que os autores criaram".

"Estas bandas pagam bem para adquirir estas partituras, depois copia-se para que jovens as usem para tocar e para aprender a tocar. Que haja uma entidade de extorsão (...), que não produziu nada para a cultura em Portugal e que o único papel que tem na sociedade portuguesa é pôr selos em páginas e cobrar dinheiro por isso, não faz sentido nenhum", afirmou, numa crítica à atuação da AD-EDIT, sublinhando que "proteger as bandas é compatível com proteger os direitos de autor".

Porfírio Silva do PS destacou que se deve defender o interesse dos criadores, mas também dos executores, porque "só na cabeça dos compositores, a música não seria música", e defendeu a necessidade de pôr em harmonização os vários agentes do setor, criticando a "ausência do Governo".

Na intervenção final, o deputado da IL Rodrigo Saraiva sublinhou que "o que está aqui em causa são interesses legítimos contra interesses ilegítimos".

"Os interesses legítimos do autor e de quem vai executar estão garantidos numa relação direta [quando uma banda compra e paga ao autor por uma música]. O que estamos a falar é de uma terceira entidade que surge aqui para fazer extorsão", cobrando mais dinheiro por partituras já compradas e pagas, frisou.

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