Peça "Manual do Bom Fascista" ganha datas extra em Setúbal perante sessões esgotadas
O Teatro de Animação de Setúbal (TAS) apresenta, em janeiro de 2026, mais nove récitas da peça "Manual do Bom Fascista", de Rui Zink, que teve sempre lotação esgotada desde a estreia, disse hoje à Lusa a encenadora Célia David.
As novas nove novas récitas estão marcadas para dias 9, 10, 16, 17, 24, 30 e 31 de janeiro de 2026, sempre às 21:30, e para os dias 11 e 25, às 16:00.
Estreada em 27 de novembro no Teatro de Bolso, sede do TAS, com 50 lugares, a peça tem registado sempre lotação esgotada, obrigando muitas vezes a redistribuição do público na sala para dar resposta à procura, acrescentou Célia David, que também é diretora artística da companhia.
Uma "paródia para rir em más companhias" foi como a encenadora definiu a peça, construída com mais de 20 das 151 lições do "Manual do Bom Fascista", de Rui Zink - as 20 lições mais "adaptáveis" a teatro, além de lhes acrescentar diálogos e "dois ou três à partes".
A "atualidade e a pertinência do texto" face "a esta forma crescente do fascismo, que parece ter vindo a instalar-se e não se vai embora, antes pelo contrário", foram pretextos para pôr em palco a peça baseada no compêndio homónimo de 151 lições para "aprendizes de bons fascistas", com o objetivo de "rir, para não chorar", e ao mesmo tempo alertar para o "aumento de ideologias radicais e crescentes manifestações de extrema-direita, um pouco por todo o mundo", disse a encenadora, na altura da estreia.
Célia David considerou impossível que a sociedade se abstraia "de que, de facto, a situação pode ser perigosa", até porque se desconhecem "as proporções que [a situação] irá tomar no futuro".
"Enquanto é tempo, vamos demonstrar que temos uma palavra a dizer, até porque o futuro parece ser relativamente assustador, se levar este caminho", argumentou a também autora da dramaturgia, com conhecimento e acordo do autor, Rui Zink.
Levar para as tábuas esta peça no ano em que o TAS celebra 50 anos, sendo por isso "um filho da liberdade e da democracia", ganha ainda mais relevância, disse então Célia David.
Ainda antes de entrar na sala do Teatro de Bolso, o público é contemplado com uma caneta e um impresso com o "Fascistómetro", um "singelo inquérito" à semelhança do contido na obra original, sento também instado a preenchê-lo.
Amarelo, preto e cinza predominam no figurino de três personagens pouco definidas em contraponto com o amarelo reluzente do que se apresenta como Bom Fascista.
Multifacetados, os três elementos funcionam como um coro grego, com a ironia e o sarcasmo a pautarem as falas. Ora dialogando, ora fazendo afirmações em conjunto, ora tecendo comentários, o coro é a "deixa" ao essencial que o bom fascista poderá dizer.
A este, "ninguém cala". "Nunca é demais repetir, o bom fascista diz sempre a verdade", ouve-se o coro dizer em uníssono, ao que o fascista acrescenta: "Doa a quem doer".
Apresentadores de televisão, apresentadores de variedades e cantores são as várias máscaras que o coro vai vestindo ao longo da peçam com o Bom Fascista, por seu lado, sempre aparentemente normal e inofensivo, e sempre a vitimizar-se.
Com muita música e canções pelo meio, o espetáculo fala também do fascista de esquerda, à semelhança das questões levantadas em "haverá bons fascistas de esquerda" em oito lições da obra original.
Imigrantes, negros, homossexuais, refugiados são sempre mal vistos e mal tratados pelo Bom Fascista, para quem as mulheres são também um alvo a abater.
A determinada altura da peça, é pedido a alguns espectadores que forneçam aos elementos do coro o "Fascistómetro" preenchido, que depois será avaliado segundo a obra original, "ainda que as respostas não sejam levadas muito a sério".
A peça poderá também ser usada para que as pessoas descubram se "têm muitos tiques de fascista": "À semelhança do que aconteceu com os atores, à medida que leram a obra e foram pondo a peça de pé e que, dia a dia, vão tentando livrar-se desses tiques".
A interpretar estão Cristina Cavalinhos, como atriz convidada, Andreia Trindade, Cláudia Aguizo e André Moniz, que também assiste na encenação.
Com vozes `off` de Célia David, Duarte Victor e Miguel Assis, a coreografia é de Carlos Prado, a cenografia de Flávio Rina e os figurinos e adereços de Sara Rodrigues. No desenho de luz está José Santos, na sonoplastia Luís Oliveira e na operação técnica Celso Ferreira.
"Manuel do Bom Fascista" fica em cena até 31 de janeiro, com as próximas récitas marcadas para dias 12 e 13 de dezembro, sempre às 21:30.