Porto passa ao lado dos 10 anos de Património Mundial
A cidade do Porto não tem qualquer evento comemorativo dos 10 anos da classificação do seu Centro Histórico como Património Mundial da Unesco, que passam terça-feira, confirmou hoje à Lusa fonte da câmara local.
Já em 2001, em plena Capital Europeia da Cultura, a cidade do Porto passou ao lado dos cinco anos da classificação da Unesco, não assinalando a data com qualquer comemoração especial.
Há 10 anos, no final da manhã fria de 05 de Dezembro de 1996, os sinos das igrejas do Porto tocaram a rebate anunciando a boa nova: o Centro Histórico da cidade acabava de ser classificado Património da Humanidade.
O Comité do Património Mundial da Unesco, reunido no México, decidiu por unanimidade a inclusão do burgo antigo tripeiro no grupo restrito das cidades históricas protegidas por aquele organismo das Nações Unidas e a que pertenciam já as cidades portuguesas de Évora e Angra do Heroísmo.
A decisão havia já sido tomada também por unanimidade, curiosa e sintomaticamente no Dia de S. João, feriado municipal do Porto, pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (International Council of Monuments and Sites - Icomos), o organismo técnico a quem compete elaborar o relatório a submeter ao Comité da Unesco.
Chegava assim a bom termo um longo processo que se iniciou em 1993 e que decorreu sem incidentes, com os responsáveis camarários socialistas a responderem pontualmente às especificações exigidas pelos técnicos da Unesco.
E assim entrou o Porto para o restritíssimo clube das então cerca de 40 cidades históricas classificadas, em todo o Mundo, como Património da Humanidade.
Habituados a ver o Porto como uma cidade cinzenta, de paredes graníticas escurecidas, os portugueses nem se apercebem que estão ali 3.000 anos de história acumulados em múltiplos vestígios miscigenados num produto que torna a cidade única em qualquer ponto do planeta.
Os vestígios mais antigos de ocupação do território que hoje é a cidade do Porto remontam ao século VIII antes de Cristo, quando se viviam os últimos fulgores da Idade do Bronze, e desde então que não mais deixaram de habitar aqui pessoas.
A sua localização geográfica deu-lhe sempre uma mais-valia estratégica que fez do Porto uma cidade associada à construção de grandes riquezas e à promoção de ambiciosos empreendimentos comerciais.
Não é por acaso que a candidatura do Porto a uma outra classificação, a de capital europeia da cultura em 2001, utilizou a imagem da "Cidade das Pontes", as que materialmente a unem à outra margem e as que simbolicamente ela foi criando ao longo dos séculos com todo o mundo.
É a própria Unesco quem o reconhece, ao afirmar, no documento que elevou a cidade a Património Mundial, que "no Porto (ou vice- versa) está Viana do Castelo e Ouro Preto, Guimarães ou Goa, Angra do Heroísmo ou Braga e Santiago de Compostela".
E como sinal disso, desse espírito de "olho na outra margem", a Unesco decidiu incluir na classificação não só a Ponte D. Luís I como o Mosteiro da Serra do Pilar, já em Gaia.
A riqueza e a diversidade da arquitectura civil e religiosa do Porto classificado, que no fundo equivale ao centro histórico e ao casco medieval delimitados pela Muralha Fernandina do Século XIV (houve uma outra, muito anterior e muito menor, que o bispo D. Hugo mandou restaurar 200 anos antes), traduzem valores culturais de épocas sucessivas, num contínuo histórico que seguiu proto-história e história dentro até à actualidade.
Chegaram os romanos, foram substituídos pelos suevos e visigodos, os mouros expulsaram todos para as Astúrias, criou-se o Condado Portucalense, daqui houve nome Portugal, daqui partiram caravelas para ajudar nas conquistas de Lisboa, Ceuta, Arzila e muitas outras terras mundo fora - e de todos estes momentos ficaram registos materiais mais ou menos visíveis nas artes românica, gótica, renascentista, barroca, neoclássica e moderna.
Mas os técnicos da Unesco foram claros ao salientar que a classificação abrange muito mais do que a materialidade dos vestígios arquitectónicos ou arqueológicos. Inclui também as crianças com clara pronúncia à Porto que brincam alegremente entre paredes velhas de milénios, as mulheres com canastras de peixe a caminho do mercado, os mandriões que se deixam ficar na preguiça lançando piropos às miúdas que passam.
Esse Porto profundo, produto 100 por cento natural daquelas fachadas seculares, mostra que é possível que um centro histórico seja mais que uma redoma e funcione como parte activa ou mesmo como coração de uma cidade moderna - e isso tinha que ser premiado.
Mas a classificação do Porto como património mundial não lhe trouxe grandes benefícios em termos materiais ou financeiros, já que ela não acarreta qualquer prémio monetário ou acesso privilegiado a fontes de apoio - pelo contrário, como já há muito se queixavam Évora e Angra do Heroísmo, as cidades portuguesas com a mesma classificação à data da nomeação do Porto.
O que o título dá à cidade é a obrigatoriedade de cumprir um conjunto rigoroso de regras não só na zona classificada como na sua área de protecção - que inclui a encosta de Gaia ocupada pelas caves de Vinho do Porto.
Se o estabelecimento dessas rigorosas regras de protecção parece hoje desnecessário, face ao trabalho de reabilitação urbana e arquitectónica desenvolvido praticamente desde 1974 pelo CRUARB-CH (Comissariado para a Reabilitação Urbanística da Área da Ribeira- Barredo - Centro Histórico), um simples regresso aos debates realizados em meados do século XX mostra que nem sempre foi assim.
Na ocasião, apenas a falta de dinheiro impediu a demolição integral, sistemática e implacável de todo o centro histórico em prol das ideias do progresso e da modernidade - e, como não se sabe que novas aberrações o futuro pode trazer, antes prevenir que remediar.
A zona abrangida pela classificação (90 hectares) inclui um número de monumentos por metro quadrado tão vasto que se torna difícil falar deles.
Mas refere-se, muito por alto, o Palácio da Bolsa, Mercado Ferreira Borges (um raro exemplo da arquitectura do ferro no Porto), Igreja de S. Francisco, Sé, Paços Episcopais, Estação de S. Bento, Cadeia da Relação, Mosteiro de S. Bento da Vitória, Casa do Infante, Igreja dos Grilos, Casa-Museu Guerra Junqueiro, Torre dos Clérigos (já fora da antiga Muralha Fernandina), Igreja dos Congregados...
A lista oficial contempla um total de 95 imóveis com interesse patrimonial.