Dois atores, um músico, um psiquiatra e a uma pediatra. O Jornal 2 lançou cinco desafios. O resultado cinco contos ou poemas de Natal que por entre as luzes ou a neve trazem o frio de uma realidade que o brilho de tantas estrelas ilude.
Na voz do maestro Rui Massena, e na guitarra de João Pedro Ramos, um poema de Tom Waits sobre o desejo de amor e de uma vida menos crua do a realidade, nesta quadra natalícia... "Oh Charley, por amor de Deus, se queres mesmo saber toda a verdade... "
Olá Charley, estou grávida e a viver na rua 9,
Mesmo por cima de uma livraria nojenta à beira de Euclid Avenue.
Deixei de meter droga e parei de beber whiskey.
O meu homem toca trombone e trabalha no caminho de ferro.
Ele diz que gosta de mim ainda que o bebé não seja dele.
Diz que o vai criar como a um verdadeiro filho.
Ofereceu-me um anel que a mãe costumava usar
E sai comigo para dançar todos os sábados à noite.
Charley, penso sempre em ti todas as vezes que passo por uma bomba de gasolina
Por causa da brilhantina que usavas o cabelo.
Ainda tenho aquele disco de Little Anthony e os Imperials
Mas roubaram-me o gira-discos... o que é que se há-de fazer?...
Olha Charley, quase dei em doida quando o Mário foi preso
Por isso voltei para Omaha para viver com os meus velhos
Mas toda a gente que conhecia ou morreu, ou estava presa...
Então voltei para Minneapolis e desta vez penso que vou ficar por cá.
Sabes Charley, pela primeira vez desde o acidente parece-me que sou feliz.
Só queria ter agora todo o dinheiro que costumávamos gastar em droga.
Comprava um parque de carros usados e não vendia nenhum
Para usar um diferente cada dia... a condizer com a maneira como me senti-se.
Oh Charley, por amor de Deus, se queres mesmo saber toda a verdade
Não tenho nenhum marido, ele não toca trombone,
E preciso de dinheiro emprestado para pagar ao advogado.
E Charley... sou elegível para liberdade condicional no próximo dia de S. Valentim.
Tom Waits
