Prémios Príncipe das Astúrias entregues em cerimónia solene
O herdeiro da coroa espanhola, príncipe Felipe de Borbón, presidiu hoje à entrega dos Prémios Príncipes das Astúrias, 2005, que reconhecem entre outros, António Damásio e o Instituto Camões, numa cerimónia solene no Teatro Campoamor em Oviedo.
Centenas de pessoas assistiram à cerimónia solene no interior do teatro, com milhares a permanecerem no seu exterior, separados por barreiras de segurança e a acompanharem os 120 minutos do evento em ecrãs gigantes.
Felipe de Borbón abriu a sessão solene, antes da chegada de todos os galardoados a quem destacou individualmente numa intervenção de 30 minutos, começando pelo Instituto Camões (representado por Simonetta Luz Afonso) e pelos seus congéneres da França, Alemanha, Itália, Inglaterra e Espanha.
Por trás dos galardoados, do lado esquerdo da tribuna de honra, as bandeiras nacionais dos seus países.
Do lado direito o corpo diplomático e vários convidados especiais, entre eles Francisco Pinto Balsemão.
Felipe de Borbón, enalteceu o trabalho desenvolvido pelos vários institutos culturais premiados onde se fundem "de uma maneira tão certeira e tão prática os méritos de comunicar e de humanizar".
"Mais além das línguas que os institutos premiados representam, amam, ensinam e propagam, encontra-se esta missão profundamente cultural que nos enriquece, pois transmitem valores, ideais, costumes, experiências colectivas, formas de vida, perspectivas diferentes sobre o mundo e a sociedade", disse o Príncipe das Astúrias.
"É esta outra forma de fazer a Europa: a que sabiamente se vai formando por meio da educação e da cultura da palavra", sustentou.
Sobre António Damásio, Prémio da Investigação Cientifica e Técnica, o herdeiro da coroa espanhola relembrou o "contributo determinante" do neurologista português cuja obra teve tanto impacto no mundo da ciência exacta como no espaço "das ideias abstractas".
"Muitos conflitos agravam-se precisamente porque os seres humanos actuam contra a razão e contra as ideias", afirmou.
"Ajudar a entender as motivações humanas deve ajudar-nos a melhorar o mundo, procurando a síntese entre a razão e os sentimentos", disse, referindo-se ainda ao trabalho de Damásio no combate a doenças como a de Parkinson e o Alzheimer.
A escritora brasileira Nélida Piñon, galardoada com o Prémio das Letras dedicou a sua intervenção na cerimónia solene à identidade, um dos temas centrais da sua obra.
"Procedo do Brasil e reverencio a majestade da língua portuguesa", disse, logo no arranque do discurso, afirmando que tem hoje um "reportório composto de memórias do mundo" e que se sente "múltiplo" na sua humanidade.
"Arrasto comigo uma genealogia de já nem sei de que criaturas e etnias se forjou. O que faça de mim já não permite emendas.Não estou autorizada a renunciar a um saber que me desperta a compaixão e me ensina a banhar o corpo com o bálsamo da esperança", disse.
Com múltiplas referências à sua condição de ibero- americana, Piñon explicou o Brasil, na sua complexidade e mistura, nas suas variantes e "dimensão simbólica", populado como está por "herdeiros da peregrina aventura, poetas das suas próprias sagas, heróis de si mesmos, narradores".
Aludindo à fase de cepticismo e indiferença que dominam a era moderna, a escritora brasileira teceu ainda uma forte defesa da arte, que continua a conseguir "resistir às crises que assolam as civilizações".
Foram estes, aliás, os temas destacados por Felipe de Borbón nas referências que fez à escritora, que disse "representar a convivência entre povos distintos que se amam" e ser oriunda de um país que é "excelente exemplo dessa mistura social e cultural", filtrada na obra de Piñon.
Para Giovanni Sartori, Prémio das Ciências Sociais, a modernidade é antes caracterizada pelas dúvidas sobre a "exportabilidade da democracia", seja ela através de correntes economicistas ou culturais.
Duvidando da capacidade de se conseguir o principal objectivo, combater a fome no mundo, Sartori questionou ainda o factor que "torna rígida, quase impermeável, uma identidade cultural".
"Acredito que é sem dúvida o factor religioso, e mais concretamente o monoteísmo", disse, afirmando que "enquanto prevalecer a vontade de Deus, a democracia não penetra, nem em termos de exportação nem de interiorização".
O papel da fé dominou a última intervenção dos premiados, com Evelyne Franc, superiora-geral da ordem das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, para quem a sociedade actual é "cada vez mais sensível, sedenta de concórdia e de paz, de respeito pela dignidade humana, da verdade, da justiça e da liberdade".
Afirmando que se almeja "um mundo sem fronteiras", a responsável da ordem, galardoada com o Prémio Concórdia apelou a mais solidariedade, na defesa dos excluídos, na busca de mais recursos para apoio e auxílio a vítimas e na tentativa de uma partilha mais equitativa "dos bens da terra".
No exterior de Campoamor, milhares de pessoas concentraram-se para ver chegar Felipe de Borbón, os galardoados e as centenas de convidados especiais, que incluíam representantes do corpo diplomático de vários países, entre eles Portugal.
Com bandeiras da Fundação Príncipe das Astúrias, que apadrinha os prémios, milhares tentavam acompanhar a cerimónia solene, olhando para ecrãs instalados em vários locais que retransmitiam a emissão em directo da TVE.
Os maiores aplausos foram para o herdeiro da coroa que não foi acompanhado na viajem para Oviedo pela princesa Letizia, que está no final da gravidez do primeiro filho.
Já o campeão mundial de Fórmula 1, Fernando Alonso, filho de Oviedo, que não tinha vindo à cidade desde a conquista do título, foi aclamado cada vez que apareceu em público.
Como aconteceu no ano passado, os premiados entraram no Teatro ao som de uma peça de John Adson, um compositor inglês do século XVI, a que se seguiu, já com a tribuna de honra completa, o hino espanhol interpretado por um grupo de gaiteiros.
Cada um dos galardoados recebe 50 mil euros e uma estátua de oito quilos desenhada por Joan Miró, que representa o "espírito" dos prémios.