Pritzker para Francis Keré reflete "novo olhar" sobre o que se faz em África

A arquiteta angolana Maria João Grilo elogiou hoje o vencedor do prémio Pritzker 2022, Francis Keré, primeiro africano a receber a distinção, considerando que a decisão reflete um novo olhar sobre África e a sua produção nos diferentes domínios.

Lusa /

"O olhar sobre o mundo e as pessoas, a importância das diferentes geografias vai mudando e prova disso são também os prémios literários de 2021 que distinguiram autores de origem africana", disse à Lusa Maria João Grilo.

Para a arquiteta do Lubango (Huíla), há um olhar mais atento sobre a produção de grande qualidade e também sobre o que se faz em África, destacando valores como a sustentabilidade, os novos materiais e a relação mais próxima com as pessoas, características do trabalho de Francis Keré, assumindo ser um dos seus favoritos.

"Gosto particularmente dele, tem um olhar extremamente sensível sobre o mundo, é muito focado no que é produzir com e para a comunidade", frisou.

A nota do júri que hoje atribuiu o prémio ao arquiteto do Burkina Faso refere-se a Francis Keré como um pioneiro da arquitetura -- sustentável para a terra e para os seus habitantes -- em terrenos de extrema escassez.

"Através de edifícios que mostram a beleza, a modéstia, o arrojo e a invenção, e pela integridade da sua arquitetura e gesto, Kéré sustenta, com graciosidade, a missão deste prémio", lê-se no comunicado.

Diébédo Francis Keré, natural do Burkina Faso, fundador e arquiteto do escritório Kere Architecture, sediado em Berlim, esteve em Portugal em novembro de 2019, quando inaugurou uma exposição na Exponor, em Matosinhos.

Entre múltiplos outros projetos, o comunicado da organização realça a escola Benga Riverside, em Moçambique, que inclui "paredes com padrões de pequenos vazios recorrentes, permitindo que a luz e a transparência evoquem sentimentos de confiança por parte dos estudantes".

 "Ele vive na Alemanha, mas tem uma relação muito forte com o seu país, onde tem feito muita obra. Tem trabalhado muito com as comunidades do seu país, desenvolvendo uma obra extensa e de uma enorme criatividade, mostrando também que uma obra de baixo custo não significa que não tenha uma enorme qualidade", comentou Maria João Grilo, que foi também  professora da disciplina de Projeto de Arquitetura em universidades de Luanda e Lisboa.

"Curiosamente, o Pritzker tem dado outra atenção, tem feito uma deslocação dos ponteiros para aquilo que são os valores a defender na arquitetura e no urbanismo, cujos paradigmas, defendeu, estão em mudança", apontou.

A arquiteta angolana, coautora do livro "Arquitetura de Luanda", defende igualmente outra sensibilidade para olhar o mundo onde 50% do urbanismo é informal e ligada à autoconstrução.

"Não se tem essa perceção na Europa que é uma bolha, por isso, há que olhar o mundo de outra forma", afirmou.

Para Maria João Grilo, dar maior visibilidade a um arquiteto africano acaba também por gerar uma sensibilização que propicia o olhar diferente que se exige sobre um mundo em mudança acelerada, influenciada por fatores como as alterações climáticas, a transição energética, o empobrecimento.

"Antigamente, fazia-se uma coisa que saía do estirador e as pessoas encaixavam-se, mas isso ruiu, apesar de haver ainda muitas resistências, precisamos de planos mais flexíveis porque a vida se tornou muito rápida e a dinâmica das populações é enorme", afirmou, acrescentando que é também tempo de os arquitetos exercerem de forma diferente a sua profissão.

Questionada sobre se existe uma arquitetura africana, Maria João Grilo considerou que há marcas distintivas em todas as arquiteturas pois são um reflexo da sociedade onde se vive.

"As cidades europeias têm um perfil definido, tal como as americanas, as asiáticas ou as africanas", considerou, salientando que a produção arquitetónica se adapta à vivencia local.

Tópicos
PUB