Quem foi quem na revolução russa de Fevereiro

por RTP

O online da RTP começa hoje a evocação do centenário da Revolução Russa - centenário dilatado de um processo que, tal como a Revolução dos Cravos, durou vários meses. A Revolução de Fevereiro, contingência do calendário russo de então, começou em março - dia 8, Dia Internacional da Mulher, precisamente há cem anos.

A maré humana que encheu as ruas de Petrogrado, primeiro, e doutras cidades do império russo, em seguida, era esperada por todos os observadores atentos - e, mesmo assim, apanhou-os a todos de surpresa. No meio do turbilhão, há a tendência para se perder a definição das fisionomias que pesavam na vida política, a todos os níveis e em todos os quadrantes. A galeria que se segue ajuda a preencher a lacuna.

Os que estavam no poder

Czar Nicolau II (1868 –1918)

Imperador russo, em vilegiatura a 800 quilómetros da capital quando irromperam as manifestações reclamando o fim da monarquia e o fim da guerra. Quando a czarina lhe fez saber que a situação se agravava, Nicolau II respondeu-lhe descontraidamente que o tempo estava bom e que os problemas de Petrogrado seriam resolvidos com tropas enviadas da frente. Ao governo, que lhe pedia para regressar à capital, respondia desdramatizando. Do presidente da Duma, Rodzianko, que lhe telegrafava sobre os acontecimentos decisivos a sucederem em Petrogrado, dizia que era um “gordo”, a quem não se dignaria responder. O imperador continuava a encarar a revolução com o mesmo espírito que no “domingo sangrento” de 1905 o impelira a fazer massacrar camponeses que vinham suplicar-lhe um pouco de atenção e com o mesmo espírito que, nos doze anos seguintes, o fizera convocar e dissolver Dumas conforme considerava conveniente. Mas em 1917 já não havia tropas a quem pudesse dar ordens de fogo sem causar um motim. Teve de abdicar e foi detido. Na noite de 16 para 17 de julho de 1918, o soviete de Ekaterinenburg massacrou toda a família real, num momento em que receava que o avanço do exército branco pudesse libertá-la.


Nikolai Dmitriyevich Golitsyn (1850 – 1925)

Último primeiro-ministro do regime czarista. Tinha o título de “príncipe” e exercera várias funções oficiais. De idade relativamente avançada à data da sua nomeação para a chefia do governo, quis recusar o cargo mas acabou por ceder à insistência do czar. Na função de primeiro-ministro, notabilizou-se sobretudo por adormecer durante as reuniões ministeriais. Foi detido na sequência da Revolução de Fevereiro e libertado pelos bolcheviques na sequência da Revolução de Outubro. Permaneceu na Rússia, a viver como sapateiro e guarda de parques públicos. No começo da era estalinista, foi julgado, condenado e executado.

Nikolai Pokrovsky (1865- 1930)

Último ministro dos Negócios Estrangeiros do regime czarista. Exercia o cargo desde 1916, tendo substituído Boris Stürmer, para dar aos aliados mais garantias de que a Rússia continuaria em guerra. Foi assim um expoente importante da política belicista. Propugnou, nomeadamente, uma expedição russa a Constantinopla e um estreitamento das relações com os EUA, que reputava decisivas para a vitória sobre os impérios centrais. Após a Revolução de Outubro, emigrou para a Lituânia.

Alexander Dmitriyevich Protopopov (1866 –1918)

Último ministro do Interior do regime czarista. De origem aristocrática, começara como jornalista crítico, de tendência liberal e fora eleito para a terceira e a quarta Dumas, tornando-se depois vice-presidente desta. Em setembro de 1916, o czar entregou-lhe o Ministério que controlava a polícia, apesar dos indícios das suas ligações às potências inimigas, em especial à Alemanha. Foi um dos ministros mais contestados na recta final do czarismo. Ao irromper a Revolução de Fevereiro, Protopopov quis fazê-la esmagar pelas tropas da guarnição de Petrogrado e ignorou as advertências da sua polícia secreta, a Okhrana, sobre a pouca fiabilidade dessas tropas. Com o triunfo da revolução, foi detido e mais tarde executado.
Os que passaram a estar no poder


Mikhail Rodzianko (1859-1924)

Presidente da Duma à data da Revolução de Fevereiro. Tinha exercido várias funções de Estado sob o regime czarista, onde era conhecida a hostilidade recíproca entre ele próprio e o monge Rasputin, influente na corte. Em 1913, Rodzianko enalteceu as vantagens que teria uma guerra, mas na verdade entrou ele próprio em guerra verbal com a czarina. Fora eleito deputado da Terceira Duma, depois seu vice-presidente e finalmente presidente. Manteve-se no cargo parlamentar até à Quarta Duma e, ao eclodir a Revolução de Fevereiro, aconselhou o czar a substituir o governo. Quando o czar se dispôs finalmente a seguir o conselho, já era tarde demais e teve, ele próprio, de renunciar ao trono. Rodzianko passou fugazmente pela chefia do governo, cedendo o lugar ao príncipe Lvov. Após a Revolução de Outubro, partiu para a Crimeia e apoiou os exércitos brancos contra-revolucionários durante a guerra civil. Refugiou-se mais tarde na Sérvia, onde morreu.


Georgy Yevgenyevich Lvov (1861-1925)

Chefe do primeiro governo provisório instituído pela Revolução de Fevereiro. Tinha o título de “príncipe” e, cumulativamente, fora activo na vida política do regime czarista: eleito para a Primeira Duma (parlamento), depois ministro, e finalmente presidente da associação de municípios de toda a Rússia. Após a abdicação do czar Nicolau II, foi nomeado pela Duma para chefiar o governo e manteve-se no cargo até Julho, sendo então substituído por Alexander Kerensky. Foi detido pelos bolcheviques após a Revolução de Outubro, mas pôde exilar-se depois para França, onde ficou a viver.


Pavel Nikolayevich Miliukov (1859 –1943)

Primeiro titular da pasta dos Negócios Estrangeiros após a Revolução de Fevereiro, defensor da sobrevivência de uma monarquia reformada e da fidelidade aos compromissos de guerra do czarismo. Intelectual originário da classe média, com grande prestígio internacional, Miliukov estivera preso durante dois anos sob o regime czarista, autoexilara-se, regressara, voltara a ser preso. Depois da revolução derrotada de 1905, fora um dos fundadores do Partido Constitucional-Democrata (“cadete”). Foi eleito para a quarta Duma, acentuou desde o início da Primeira Guerra Mundial a faceta mais conservadora do seu ideário liberal, defendeu a ideia da expedição russa contra Constantinopla. Por denunciar contactos do governo czarista com a Alemanha, teve de refugiar-se na Embaixada britânica, onde permaneceu até ao início da Revolução de Fevereiro. Como ministro do novo regime, interveio a favor da libertação de Trotsky, que as autoridades britânicas impediam de seguir viagem de regresso à Rússia. Mas o belicismo de Miliukov levou-o a prometer aos Aliados que a Rússia manteria o esforço de guerra, o que suscitou logo em abril grandes manifestações de protesto. Miliukov teve de renunciar à chefia da política externa e manteve-se à frente do partido “cadete”. Depois da Revolução de Outubro, foi eleito para a efémera Assembleia Constituinte. Tomou parte na guerra civil contra o governo soviético, como conselheiro do Exército de Voluntários. Refugiou-se mais tarde em França, sobreviveu a um atentado em Berlim, mas acabou por declarar o seu apoio à política externa estalinista.


Alexander Ivanovich Guchkov (1862 –1936)

Primeiro titular da pasta da Guerra após a Revolução de Fevereiro. Combatera contra os ingleses na guerra anglo-boer e prestara serviço à Cruz Vermelha na guerra russo-japonesa. Participara num congresso municipal com os liberais, mas sem aderir ao partido “cadete”. Fora nomeado ministro do Comércio e Indústria no governo de Sergei Witte, ainda sob o regime czarista, e continuara a apoiar as veleidades reformadoras do governo posterior, de Pyotr Stolypin. Como presidente do comité de Defesa da Duma, destacava-se pelas suas posições belicistas.
Acompanhou os liberais na ruptura destes com Stolypin. Com o início da Primeira Guerra Mundial, retomou a actividade para a Cruz Vermelha e obteve a presidência do Comité Militar-Industrial, constituído por empresários fornecedores do Exército. Com a Revolução de Fevereiro, foi nomeado ministro da Guerra e da Marinha no governo de Lvov e deixou o cargo em 29 de abril, juntamente com Miliukov. Em setembro apoiou a tentativa golpista de Kornilov, foi detido e libertado quase em seguida. Após a Revolução de Outubro, apoiou os exércitos brancos contra o poder soviético. Acabou por refugiar-se na Alemanha e, depois, em França.


Alexander Fyodorovich Kerensky (1881-1970)

Primeiro-ministro em governos provisórios posteriores à Revolução de Fevereiro. Maçon e membro do partido “trudovik” (dissidente minoritário do partido "esse-erre"), passou a chefiar o gabinete após a crise de Julho de 1917. Ganhara fama como brilhante orador do foro, advogado de grevistas, de vítimas da contra-revolução de 1906, e mais tarde de bolcheviques sobre quem pendia a ameaça de uma pena capital, como Matvei Muranov. Enquanto deputado de oposição na Duma, Kerensky consolidou também essa fama. Com o eclodir da revolução, Kerensky tornou-se membro do Comité Provisório da Duma de Estado e vice-presidente do soviete de Petrogrado. Aceitou ser ministro da Justiça, apesar de os membros do soviete estarem proibidos de entrar no governo. Em maio, assumiu a principal pasta do governo – a da Guerra – e nessa qualidade lançou uma ofensiva com grande saldo de perdas para as tropas russas. Em julho substituiu Lvov à frente da coligação governamental e manteve-se no cargo até à Revolução de Outubro. Refugiou-se em França e, aquando da invasão nazi, partiu para os Estados Unidos.


Lavr Georgiyevich Kornilov (1870 –1918)

General, com carreira feita nos serviços de inteligência militares, em tropas de combate durante a Guerra russo-japonesa (1905) e durante a Primeira Guerra Mundial. A Revolução de Fevereiro entregou-lhe o comando da região militar de Petrogrado e, pouco depois, o comando supremo das Forças Armadas. Ainda assim, tentou um golpe militar, que foi rapidamente derrotado por tropas leais ao soviete e por milícias operárias. Foi detido e, pouco depois da Revolução de Outubro, conseguiu fugir da cadeia. Refugiou-se na região do Don, para tomar o comando do Exército de Voluntários anti-bolchevique. Em Abril de 1918 foi morto no seu quartel-general por um tiro de obus.
O centro: mencheviques e "esse-erres"
Viktor Mikhailovich Chernov (1873 – 1952)

Dirigente do Partido Socialista Revolucionário (“esse-erre”), exilado em Paris à data da Revolução de Fevereiro. Regressou a Petrogrado para dirigir o jornal do partido com uma linha de apoio ao governo provisório. Em breve, sob a direcção de Alexander Kerensky, iria aceitar o cargo de ministro da Agricultura. A inércia do governo no que dizia respeito à reforma agrária deu crédito à agitação dos bolcheviques, que diziam ser necessário o poder dos sovietes para a terra ser entregue aos camponeses. Após a Revolução de Outubro, Chernov foi eleito presidente da efémera Assembleia Constituinte. Fez parte de um governo anti-bolchevique na cidade de Samara, mas acabou por refguiar-se nos Estados Unidos, onde viveu desde então.


Nikolay Chkheidze (1864 –1926)

Primeiro presidente do soviete de Petrogrado, logo após a Revolução de Fevereiro. Originário de família aristocrática, aderira ao marxismo, fora um dos fundadores da social-democracia georgiana, mais tarde eleito para a Duma e representante parlamentar do Partido Social-Democrata Russo de 1906 a 1917. Na sua qualidade de político menchevique, defendeu a continuação da guerra depois da Revolução de Fevereiro. Recusou ser ministro do governo provisório, mas apoiou esse governo contra o bolchevismo. Depois da Revolução de Outubro, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte, que os bolcheviques dissolveram em seguida. Propôs aos líderes britânico e francês fazerem da Geórgia um protectorado, contra a hegemonia russa. Em Março de 1921, quando o Exército Vermelho invadiu a Geórgia, Chkheidze refugiou-se em França.


Irakli Tsereteli (1881 –1959)

Político menchevique, deportado na Sibéria à data da Revolução de Fevereiro. Regressou a Petrogrado e foi nomeado para o comité executivo do soviete. Desde o início, preconizou uma política de manter a Rússia na guerra. Em maio, apesar de os membros do soviete estarem impedidos de exercer funções no governo provisório de Lvov, aceitou ser ministro do Correio e Telégrafos. Em julho, com a demissão do primeiro-ministro, aceitou a pasta do Interior por um breve período. No governo de Kerensky não manteve nenhuma pasta. Depois da Revolução de Outubro partiu para a sua Geórgia natal, assistiu à ocupação soviética de 1921, continuou a intervir como político de oposição e partiu em 1923, para refugiar-se em Paris.


Julius Martov (1873 –1923)

Dirigente menchevique, exilado com Lenine em Zurique, regressado à Rússia com o líder bolchevique e mais três dezenas de exilados, no famoso “vagão blindado”, logo após as primeiras notícias da Revolução de Fevereiro. A relação cordial que mantinha com Lenine, para lá das divergências, vinha de trás e manteve-se até muito depois da revolução, em 1921, com Lenine a lamentar que Martov estivesse no campo oposto. Situado na ala esquerda do seu partido, a dos “mencheviques internacionalistas”, Martov opôs-se à continuação da guerra e à entrada dos seus correligionários no governo provisório. Mas, na sua oposição à guerra, não estava disposto a ir ao ponto de apoiar a Revolução de Outubro. Combateu a política bolchevique no soviete de Petrogrado e também na efémera Assembleia Constituinte. Durante a guerra civil, apoiou o Exército Vermelho contra os “brancos”. Exilou-se em 1920 e morreu na Alemanha.


Pavel Axelrod (1850 –1928)

Dirigente menchevique, exilado em Zurique à data da Revolução de Fevereiro, regressado à Rússia no “vagão blindado” com Lenine, Martov e mais três dezenas de pessoas. Tal como Martov, viu-se contrariado pela decisão do seu partido de participar no governo provisório, e de se envolver na política belicista desse governo. Mas, perante a Revolução de Outubro, acusou os bolcheviques de terem cometido um “crime histórico sem precedentes na História moderna”. Exilou-se depois e morreu na Alemanha.

A esquerda: velhos e novos bolcheviques

Alexander Gavrilovich Shliapnikov (1885 –1937)

Um dos responsáveis da organização bolchevique em Petrogrado, no momento em que irrompeu a Revolução de Fevereiro. Do comité dirigente dessa organização faziam parte, além de Shliapnikov, dois outros militantes: Molotov e Zalutsky. Em breve se lhes juntou Estaline, regressado da deportação siberiana. Operário de origem, Shliapnikov militava nas fileiras do bolchevismo desde 1903, estivera preso várias vezes e exilado de 1908 a 1916. Durante a revolução foi eleito para o soviete de Petrogrado e para o sindicato metalúrgico de toda a Rússia. Após a Revolução de Outubro, foi comissário para o Trabalho e presidente do Comité Militar Revolucionário da frente ocidental da guerra civil. Em 1921-1922 tornou-se um dos dirigentes da Oposição Operária. Na era estalinista, foi expulso do partido e, em 1935, preso, condenado e finalmente executado em 1937.


Zalutsky, Pyotr Antonovich (1888-1937)

Codirigente da organização bolchevique em Petrogrado, em Fevereiro de 1917. Fora recrutado para o partido em 1907 por Shliapnikov. Exerceu daí em diante diversos cargos de responsabilidade, vindo a ser membro do Comité Central entre 1923 e 1925. Na era estalinista, em 1927, foi acusado de ligação ao trotskismo e expulso, readmitido no ano seguinte, novamente expulso em 1934, e preso sob a acusação de actividades anti-soviéticas. Condenado à morte em 1937 e fuzilado.


Vyacheslav Mikhailovich Molotov (1890 –1986)


Codirigente da organização bolchevique em Petrogrado, ao irromper a Revolução de Fevereiro. Fora recrutado para o partido por Shliapnikov em 1906. Preso em 1914 e deportado para a Sibéria, conseguiu fugir em 1916. Responsável pela publicação clandestina da Pravda, começou por imprimir-lhe uma orientação radical, contra o governo provisório saído da Revolução de Fevereiro. Em breve Estaline, Kamenev e Muranov, regressados da deportação, impuseram uma política conciliadora. Só depois do regresso de Lenine, a Pravda retomaria o curso revolucionário. Mais tarde, em 1920, Lenine promoveu Molotov ao Comité Central, mas em breve iria criticá-lo pelos seus métodos burocráticos. Em todo o caso, Estaline, entretanto secretário-geral, apreciava Molotov e fez dele seu braço direito. Na longa carreira que se seguiu, Molotov destacou-se especialmente como promotor do Pacto Germano-Soviético, também conhecido como Pacto Hitler-Estaline, ou Ribbentrop-Molotov. Foi um dos poucos bolcheviques da velha guarda que sobreviveu a todas as purgas, embora a sua mulher tenha sido deportada por ordem de Estaline e só libertada após a morte deste.


Lev Borisovich Kamenev (1883 –1936)

Dirigente bolchevique, com Zinoviev um dos mais antigos apoiantes de Lenine, deportado na Sibéria à data da Revolução de Fevereiro. Regressou, como Estaline, a Petrogrado, chegando ambos antes do “vagão blindado” vindo de Zurique, com Lenine a bordo. A política bolchevique em Petrogrado começou por ser a de Kamenev-Estaline, conciliadora com o governo provisório e com a guerra. Com a chegada de Lenine a 3 de abril, essa política deu lugar à palavra de ordem “Todo o poder aos sovietes”. Em vésperas da Revolução de Outubro, Kamenev opôs-se, tal como Zinoviev, à tomada do poder. Mas, perdendo as votações decisivas, Kamenev acatou a política do partido. Em 1922, criou com Estaline e Zinoviev um triunvirato para afastar do poder Trotsky (de quem era cunhado). Kamenev e Zinoviev romperam depois com Estaline, aliaram-se a Trotsky em 1925, capitularam perante Estaline e, após uma série de vicissitudes, acabaram por ser condenados à morte em 1936 e fuzilados.


Matvei Konstantinovich Muranov (1873 –1959)

Um dos dirigentes bolcheviques que se encontravam deportados na Sibéria aquando da Revolução de Fevereiro. De origem operária, militante partidário desde 1904, deputado na quarta Duma desde 1912, agitou energicamente contra a guerra usando a sua imunidade parlamentar. Foi-lhe por isso retirado o mandato, para poder ser julgado por “alta traição”, em 1915. Manteve perante o tribunal a mesma agitação antibelicista, mesmo sob a ameaça de uma pena capital, e contrastando desse modo com o tom muito mais moderado do seu co-réu Kamenev. Finalmente foi condenado a deportação perpétua na Sibéria. Ao regressar, com a revolução, usou a autoridade de lutador indómito que adquirira como deputado e como réu para dar cobertura à política conciliadora de Kamenev e Estaline, contra a redacção mais jovem e mais radical da Pravda (ao tempo Shliapnikov e Molotov). Desautorizado por Lenine, no regresso deste, Muranov seria mesmo assim eleito para o Comité Central e para o secretariado do partido em agosto desse ano. Na luta dos anos 1920 contra a Oposição de Esquerda, apoiou Estaline. Foi um dos poucos bolcheviques da velha guarda que sobreviveram às purgas dos anos 1930.


Joseph Vissarionovich Estaline (1878 - 1953)

Um dos dirigentes bolcheviques que se encontravam deportados na Sibéria aquando da Revolução de Fevereiro. O seu regresso a Petrogrado, com Kamenev e Muranov, impôs uma orientação conciliadora ao partido, sobrepondo-se aos três jovens dirigentes que encabeçavam a organização local (Shliapnikov, Molotov e Zalutsky). Só a chegada de Lenine, dias depois, voltou a formular uma linha de oposição radical e de luta pelo poder dos sovietes. Em vésperas da Revolução de Outubro, quando Zinoviev e Kamenev se opuseram à tomada do poder, Estaline adoptou um perfil discreto. Depois, foi nomeado comissário do povo para as Nacionalidades. Em 1922, chegou ao cargo, nessa altura pouco valorizado, de secretário-geral. No último ano da vida de Lenine (1922-1923), foi alvo de acerbas críticas deste, nomeadamente pela sua política “grã-russa”, de oprimir pequenas nações como a Geórgia. Mas Lenine morreu antes de conseguir afastá-lo de um cargo onde tinha adquirido demasiado poder. Apoiado em Zinoviev e Kamenev primeiro, em Bukharine depois, conseguiu consolidar a sua posição. O final dos anos 1920 foi marcado pelo primeiro Plano Quinquenal e pela colectivização forçada, que causou um colapso da produção agrícola e grandes fomes, com um saldo de milhões de vítimas. Os anos 1930 foram marcados pelas grandes purgas no partido e no exército. A URSS enfraquecida viria a assinar um pacto com a Alemanha nazi e seria surpreendida, em 22 de junho de 1941, pela agressão alemã sem prévia declaração de guerra. A vitória final dos aliados foi paga, do lado soviético, com algo próximo dos 20 milhões de mortos. Estaline morreu em 1953.


Vladimir Ilyich Ulyanov Lenin (1870 – 1924)

Dirigente bolchevique, exilado em Zurique à data da Revolução de Fevereiro. Tentou imediatamente organizar o regresso dos exilados, contactando com a missão diplomática dos EUA. O futuro chefe da CIA, então jovem diplomata Allen Dulles, mandou dar-lhe o recado de que voltasse a telefonar na semana seguinte. Lenine negociou então com a Alemanha as condições para que um comboio com garantias extraterritoriais atravessasse a Europa a caminho da Rússia. As garantias originaram a designação de “vagão blindado” e destinavam-se a impedir que existisse durante a viagem qualquer contacto entre os exilados e as autoridades alemãs, que depois pudesse ser usado para atribuir aos primeiros uma atitude de cumplicidade com uma das potências beligerantes. Mesmo assim, Lenine viria a ser rotulado pelos seus adversários russos como “agente” da Alemanha, por manter a política de intransigente oposição à guerra. Ao chegar a Petrogrado, lançou as famosas “Teses de Abril”, que rectificavam o rumo conciliador imposto por Estaline e Kamenev ao “Pravda”, e apontavam o caminho: “Todo o poder aos sovietes”. A Revolução de Outubro viria a concretizar essa aspiração. No meio de acesas polémicas, que abundaram nos anos seguintes, Lenine continuou a ser o principal dirigente bolchevique e a conseguir, em grande parte das decisões, uma maioria favorável às suas propostas. No ano final da sua vida activa (1922-1923) entrou em rota de colisão com Estaline. Morreu em Janeiro de 1924.


Grigory Yevseevich Zinoviev (1883-1936)

Um dos dirigentes bolcheviques, regressado do exílio suíço em Abril de 1917 no famoso “vagão blindado”. Fora durante os anos pré-revolucionários um dos lugares-tenentes de Lenine, seu apoiante nos confrontos intrapartidários. Em vésperas da Revolução de Outubro, entrou em rota de colisão com Lenine, mas logo em março de 1918 foi reintegrado num cargo dirigente, à frente do governo de Petrogrado. Um ano depois, tornou-se a principal figura do movimento comunista internacional, presidindo à Komintern. Em 1922, aliou-se a Estaline e Kamenev para afastar Trotsky do poder. Aliou-se brevemente a Trotsky em 1925, capitulou perante Estaline em 1928, foi reabilitado por este, novamente expulso do partido em 1932, novamente readmitido em 1933, novamente expulso, detido, julgado e condenado a dez anos de prisão em 1934, novamente julgado em 1936, condenado à morte e fuzilado.


Lev Davidovich Bronstein Trotsky (1879 –1940)

Dirigente revolucionário, exilado em Nova Iorque à data da Revolução de Fevereiro. Partiu para a Rússia, mas foi detido pelas autoridades britânicas em Halifax, Canadá, onde ficou durante um mês. Após várias pressões, nomeadamente do ministro russo liberal Pavel Miliukov, foi libertado e pôde seguir viagem. Quando chegou a Petrogrado, em 17 de maio, estava concluída a retificação da política bolchevique por acção de Lenine. Trotsky, que nos anos anteriores mantivera divergências consideráveis com os bolcheviques, achou-se em acordo substancial com essa política e aderiu quase imediatamente ao partido. Na Revolução de Outubro desempenhou o papel de principal organizador da insurreição, à cabeça do Comité Militar Revolucionário. Após a tomada do poder, foi nomeado comissário do povo para os Negócios Estrangeiros, encabeçando a delegação soviética às difíceis negociações com a Alemanha em Brest-Litovsk. Com o início da guerra civil, assumiu o cargo de comissário do povo para a Guerra. Em 1922-1923, conspirou com Lenine para combater a burocratização do Estado e do partido, e para afastar Estaline do cargo de secretário-geral. Cada vez mais isolado na cúpula do partido, encabeçou a Oposição de Esquerda. Expulso do partido e do país, viria a romper formalmente com a Komintern em 1933 e a fundar a IVª Internacional em 1938. Foi assassinado em 1940 por um agente de Estaline.
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