Rodrigues de Freitas, autor do conto que inspirou "Aniki Bóbó", injustamente esquecido

por José Pimenta de França© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Porto, 21 Dez (Lusa) - António Freitas, irmão do autor do conto que deu origem ao filme de Manoel de Oliveira, "Aniki Bóbó", confessou hoje à Lusa alguma tristeza pelo esquecimento a que está votado seu irmão João Rodrigues de Freitas, falecido em 1976.


"Ele era oito ou nove anos mais velho que eu, era da mesma idade do Oliveira", diz António Freitas, de 92 anos, reformado da Alfândega do Porto, que bem se lembra das andanças do irmão João, ao lado de Manoel de Oliveira durante as filmagens.

"Sabe, fico um bocado triste que tanto se fale do Oliveira, por tudo e por nada, para aqui e para acolá, e que nunca ninguém se lembre do meu irmão, porque foi ele que escreveu o conto `Os Meninos Milionários`". Foi desse conto que saiu o Aniki Bóbó", afirmou.

Nos créditos finais do filme lá aparece, com efeito, Rodrigues de Freitas como autor de "Os Meninos Milionários", que inspirou a primeira longa-metragem de ficção de Manoel de Oliveira.

"Não sei lá porque é que o Oliveira resolveu mudar o nome, se calhar porque era mais curto, ficava melhor, mas sei que pediu autorização ao meu irmão", garante.

António Freitas lembra-se perfeitamente dos miúdos que integraram o elenco do filme, embora os tenha perdido de vista há muito.

"Eu próprio, que já não era miúdo, apareço no filme mas é de costas, integrado num grupo", disse, recordando a curiosidade que provocaram na altura as filmagens à beira rio.

Do irmão advogado, nascido na freguesia portuense de Miragaia e formado em Lisboa em 1932, com distinção, recorda poucas histórias, mas lembra-se bem da sua amizade com Manoel de Oliveira.

Sublinha, contudo que "era muito estudioso, ficava a estudar e a ler até às tantas da manhã à luz dum candeeiro de petróleo", porque nessa altura [nos anos 20 do século passado] ainda não tinham luz eléctrica naquela zona do Porto.

"Meu pai era subchefe da Polícia, custou-lhe muito pagar os estudos ao meu irmão em Lisboa, mas valeu bem a pena porque ele foi um grande advogado, um dos mais competentes na sua época e também um homem muito culto", afirmou António Freitas.

No liceu foi aluno de Leonardo Coimbra e na Faculdade de Direito de Lisboa foi colega de Marcello Caetano, "que estava no quarto ano quando o João [Rodrigues de Freitas] entrou para o primeiro", tendo ainda sido discípulo de Abranches Ferrão.

Já formado, João Rodrigues de Freitas "meteu-se na política, na oposição a Salazar, foi membro do MUD - Movimento de Unidade Democrática, de cuja juventude Mário Soares foi militante destacado. Chegou a ser preso pela PIDE durante umas semanas, mas foi libertado", disse António Freitas.

Quanto a uma eventual participação de seu irmão, constante companheiro de Manoel de Oliveira, no documentário "Douro, faina fluvial", António Freitas confessa não estar certo disso.

"Eles iam muito para ali, junto com o Henrique Alves Costa (cineclubista e historiador do cinema em Portugal, falecido há 20 anos) para a zona de Miragaia para junto das barcaças fazer fotografias, filmar com as gaivotas a voar e a pousar e os homens a trabalhar na carga e descarga das barcaças que levavam depois as mercadorias aos navios maiores, mas não sei se o meu irmão deu alguma contribuição para esse filme ou não", disse.

Quanto à lenga-lenga do Aniki-Bóbó, a memória de 92 anos de António Freitas - músico amador, maestro de banda filarmónica e perdidamente apaixonado por ópera, sobretudo pela "Norma", de Bellini - já não lhe permite recitá-la de cor. Só com a ajuda de uma revista onde vem citada a cantilena é que a velha lenga-lenga lhe regressa à mente:

"Aniki-bébé / Aniki-bóbó / Passarinho Tótó / Berimbau, Cavaquinho / Salomão, Sacristão / Tu és Polícia, Tu és Ladrão".

Lusa/Fim


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