Santiago Roncagliolo conta história violenta do Peru em "Abril Vermelho"

Chama-se "Abril Vermelho" o novo romance do escritor peruano Santiago Roncagliolo, um policial passado durante a guerra travada no Peru entre o exército e o grupo terrorista Sendero Luminoso, que acaba de ser lançado em Portugal.

Agência LUSA /

"`Abril Vermelho` é um romance e é um `thriller`: é a história dos crimes de um assassino em série e do delegado do ministério público que tem de investigá-los e que faz tudo o que pode para não investigar nada - uma coisa que é estranha à literatura policial, mas normal na América latina", disse o autor, em entrevista à agência Lusa.

Segundo Santiago Roncagliolo, 31 anos, jornalista do El País, argumentista de televisão e escritor com obra publicada em mais de 30 países e 10 línguas, o protagonista da história tem medo do que está a descobrir com a investigação, "porque não é somente a autoria dos crimes, mas a história violenta de um país e a sua própria história violenta".

Editado em Portugal pela Teorema e distinguido em 2006 com o Prémio Alfaguara, o romance é o quinto trabalho do autor, que actualmente reside em Espanha, depois do romance "El Príncipe de los Caimanes", o livro de contos "Crecer Es un Oficio Triste", a peça de teatro "Tus Amigos Nunca Te Harían Daño", representada em oito países, e o romance "Pudor", publicado em Portugal em 2005, também pela Teorema.

A história de "Abril Vermelho" passa-se no Peru, porque - explicou - é o mundo que conhece e sobre o qual acha que pode "escrever bem", embora admitindo que, "mudando três ou quatro nomes, pode ser qualquer guerra, realmente".

"A guerra e a morte são muito semelhantes em todo o mundo, e podia ser a guerra civil de EspanhaÓ ou mesmo a guerra de Angola", observou.

Os crimes em causa acontecem na Semana Santa, "que é uma celebração da morte" - indicou -, na qual "o assassino vai matando uma vítima por cada dia da Semana Santa e ornamenta-a com as imagens do dia a que corresponde".

No Peru, embora o escritor considere que há ainda feridas por cicatrizar, o livro foi "muito bem recebido".

"Muito melhor do que eu esperava - admitiu -, talvez porque não tenta dizer quem é o vilão e quem é o bom. Não faz julgamentos, porque não faz sentido. Você pode fazer [julgamentos] numa coluna de opinião, mas um romance tem de descrever um conflito, e as personagens têm de ter razões para fazer as coisas que fazem - e elas têm, na verdade".

"Se você falar com militares assassinos e com terroristas assassinos e lhes perguntar `Por que é que você é um assassino?`, eles te explicam, eles te dizem", prosseguiu.

"E o que é mais inquietante é pensar que não são tão diferentes, tão psicopatas, como você gostaria de pensar, que são mais parecidos com você do que você gostaria de admitirÓ e que provavelmente você faria as mesmas coisas nas mesmas situações", comentou.

O autor pensa que essa reflexão sobre a ambiguidade moral "torna o livro interessante mesmo para leitores em França, na Alemanha, em Itália, em Portugal", porque "é uma coisa universal, de qualquer conflito".

"Eu gostaria que os portugueses encontrassem no livro as suas guerras, os franceses as suasÓ, e as suas mortes também", afirmou.

O seu estilo de escrita, definiu-o Santiago Roncagliolo como Suma literatura muito directa", afirmando gostar "que os leitores penetrem na história como se penetra num filme".

"às vezes, a prosa dos escritores é mais um problema para entrar na história do que um veículo para a história. Eu tento que o leitor se esqueça de que alguém lhe está contando uma história, tento que ele entre nela, investigue com o inspector, viva com as personagens e as conheça como se fossem pessoas reais", frisou.

O romancista reconheceu ainda que tem "uma pequena tendência para abusar do sexo e da violência" nas suas obras, "porque as pessoas gostam" e porque "é bom fazer na ficção as coisas que é melhor não fazer na vida real".

"Acho que a violência é fascinante, que as pessoas gostam da violência não na realidade, mas sim na ficção, porque as coloca em contacto com os seus lados mais escuros, com as coisas que não querem ver delas mesmas", defendeu.

"Todos temos silêncios e coisas que preferimos não ver. Gosto da literatura que quebra os silêncios, que é como um espelho dos lados obscuros do leitor", acrescentou.

Na perspectiva de Roncagliolo, "todos temos uma ficção sobre nós mesmos", que faz com que pensemos que "a forma como vemos a realidade é a única forma possível".

"A literatura, especialmente num mundo globalizado, onde pessoas muito diferentes estão em contacto, pode fazer-nos compreender os outros, pode mostrar-nos que o que odiamos nas outras pessoas está dentro de nós também", sublinhou.

"Quando temos um conflito político ou social, ficamos sempre de um lado e acreditamos que os crimes dos nossos são coisas heróicas, feitos heróicos de pessoas muito audazes e os crimes dos outros, esses, sim, são crimes. E os outros pensam o mesmo de nós", exemplificou.

Para Roncagliolo, que começou a escrever ficção aos 22 anos, num momento "horrível" da sua vida, "a literatura foi sempre um refúgio da realidade" que, "com o tempo, virou uma realidade muito melhor do que a realidade real".

"A boa literatura, porém, leva-te de volta à realidade mais bem equipado para viver do que você estava antes de começar o livro. E é isso que tento fazer", afirmou.

Santiago Roncagliolo já tem um novo livro, intitulado "La Quarta Espada", sobre o líder do Sendero Luminoso, Abimael Guzmán, que vai ser lançado em Espanha, em Outubro, e que é - indicou - " a história de um terrorista peruano, uma reportagem escrita como um romance, escrita como uma história de personagens, não como uma história de um fenómeno social".

"O terrorismo agora é um tema global, não é um tema peruano, mas como o terrorismo peruano está já desactivado, você pode fazer uma investigação que não é possível com grupos como a ETA ou a Al-Qaida, que estão activos", argumentou.

"Você pode falar com eles, reconstruir a história deles, as histórias pessoais, humanas, dos envolvidos no terrorismo, as vítimas e os perpetradores, que são as que me interessam, e que são as grandes histórias que a gente não conhece agora, na actualidade", insistiu.

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