Saramago diz que é preciso rectificar situação dos "excluídos" na Europa
O Nobel da Literatura José Saramago defendeu hoje a necessidade de rectificar com urgência a situação dos "excluídos" na Europa, dando-lhes condições de vida dignas, para evitar, de futuro, novos confrontos como os de Paris.
Saramago falava em Lisboa, no Teatro Nacional São Carlos, durante o lançamento de "As Intermitências da Morte", o seu novo romance.
O Prémio Nobel da Literatura de 1998 mostrou-se preocupado com a forma como o fenómeno da imigração ilegal está a ser gerido na Europa e lamentou que muitos imigrantes não possam "viver uma vida que valha a pena".
Para José Saramago, os protestos do Maio de 68 em Paris acabarão por parecer insignificantes face à gravidade que podem vir a atingir as manifestações dos que se sentem excluídos, dos que vivem à margem, sobretudo "nas periferias das grandes cidades".
Perante as cerca de 800 pessoas que se deslocaram ao São Carlos, o escritor revelou também a sua apreensão com o rumo de Portugal, dizendo não ter a certeza se o país - que vive um período de "cinzas" - continuará a existir dentro de meio século.
Outra das preocupações que o romancista evidenciou diz respeito aos problemas ambientais, com destaque para a devastação das florestas, tema que abordou por "As Intermitências da Morte" ser impresso em "papel amigo do ambiente", um aspecto sublinhado também na intervenção do presidente da Greenpeace Internacional, Bruno Rebelle.
Na sessão de apresentação do livro, Bruno Rebelle agradeceu ao escritor e aos seus editores por terem aderido à campanha "Livros Amigos dos Bosques", em que assumem o compromisso de ajudar "a preservar um património comum".
Aproveitando a cerimónia, Pilar del Rio, mulher de José Saramago, que apresentou a sessão em parceria com Bárbara Guimarães, prestou uma homenagem pública a Fernando Pereira, o fotógrafo português que morreu em Julho de 1985, aquando de um atentado a um barco da associação ambientalista Greenpeace na Nova Zelândia.
Um ecrã gigante no São Carlos começou por mostrar imagens de florestas, que foram substituídas pelas capas das edições estrangeiras do romance durante a leitura de excertos das traduções em castelhano, catalão e italiano pelos respectivos tradutores, a quem o autor agradeceu por "se embrenharem na selva" da sua escrita.
Passagens da obra em português foram lidas por Bárbara Guimarães e pela actriz brasileira Cristiane Torloni.
A apresentação conjunta das edições portuguesa, brasileira, castelhana, catalã, mexicana, argentina, colombiana e italiana com a presença de representantes de várias editoras contou com a presença de Irene Lima, da orquestra do São Carlos, que interpretou a suite nº6, opus 1012 de Bach, tocada no livro pela personagem de um violoncelista.
No romance, editado pela Caminho e cujos 100 mil exemplares estão já nas livrarias, a morte interrompe funções por alguns meses, gerando inquietações nos políticos e responsáveis religiosos, nos hospitais e asilos, nas companhias de seguros e agências funerárias.
Durante o lançamento, Saramago afirmou que "o livro não trata da morte, trata da vida" e sublinhou que esta "deve ser desdramatizada", embora "seja difícil fazê-lo" perante tragédias como o sismo no Paquistão ou a depressão tropical Stan na Guatemala.
O escritor declarou que "cada pessoa transporta a sua própria morte, que é pessoal e intransmissível", e reconheceu que "não é possível falar da morte com distanciamento", embora "não se justifique um tão grande medo de morrer, já que a velhice eterna seria bem pior".
Para Saramago, que completa 83 anos a 16 de Novembro, "os velhos não têm lugar na sociedade, onde se tornam estorvos", e acabam por ser enviados para os lares que, apesar da ilusão da felicidade que tentam transmitir, "antecipam a morte das pessoas".
Lembrando também, com algum humor, que - se a vida se prolongasse indefinidamente - o sistema de segurança social "não poderia pagar pensões eternas", o escritor considerou que "a morte é necessária" para garantir a continuidade da espécie humana.
A concluir a sua intervenção, o Nobel da Literatura apelou ao público para que aproveitasse a vida o melhor possível, "seja ela breve ou longa", e incitou os presentes na sala a fazerem algo "para mudar o Mundo".
A sessão, a que assistiram escritores como Baptista-Bastos, Mário de Carvalho ou José Carlos Vasconcelos e músicos como Fernando Tordo, entre outras personalidades, terminou com uma sessão de autógrafos no foyer do São Carlos, tendo os leitores formado uma fila que se prolongou pela escada que liga à rua Duques de Bragança.