"Sgt Pepper`s Lonely Hearts Club Band" faz 40 anos
Não há na história da música popular contemporânea outro disco como "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band", dos Beatles: é único, inimitável e irrepetível, concita em si todos os encómios que se podem dedicar a uma criação artística.
"Sgt Pepper" - como é comummente tratado - foi originalmente editado no dia 01 de Junho de 1967, coleccionando desde então todos os galardões existentes, o mais apetecido dos quais é certamente o de "melhor álbum de sempre".
As características únicas de "Sgt Pepper", oitavo álbum de originais da carreira de 8 anos dos Beatles, entre 1962 e 1970, são reconhecidas unanimemente não só pelo público e pela crítica, mas também pela própria comunidade musical.
Poucas horas depois de o álbum ter sido publicado, Jimi Hendrix tocou uns acordes da canção-título num concerto, o que deixou Paul McCartney extremamente emocionado.
Frank Zappa, outro monstro sagrado da música, editou em 1968 "We`re Only In It For The Money" com uma capa imitando a de "Sgt Pepper" e os Rolling Stones tentaram, ainda em 1967, fazer o "seu Sgt. Pepper" com "Their Satanic Majesties Request".
Génio dos Beach Boys e grande rival da criatividade da dupla Lennon/McCartney, Brian Wilson ensandeceu às primeiras audições de "Sgt. Pepper".
Só há relativamente pouco tempo recuperou a sanidade mental.
Quereria ter superado "Revolver", dos Beatles, com "Smile", mas depois de ter ouvido "Sgt. Pepper" desistiu da empreitada e penetrou em profunda depressão.
Só quase 40 anos depois, em 2004, Brian Wilson lançou finalmente o "Smile", que originalmente deveria ter sucedido a "Pet Sounds" e seguiria a linha música do seu mais famoso tema, "Good Vibrations".
Outros músicos tiveram o "seu Sgt. Pepper" como os Zombies, "Odessey & Oracle" (1968), Creedence Clearwater Revival, "Willy & The Poor Boys" (1969), Prince, "Around The World In A Day" (1985), Tears For Fears ("Sowing The Seeds Of Love" (1989), Smashing Pumpkins, "Mellon Collie & The Infinite Sadness" (1995), Radiohead, "OK Computer" (1997), Oasis, "Be Here Now" (1997), Flaming Lips, "The Soft Bulletin" (1999).
No ano da edição, em 1967, "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band" ganhou os principais Grammy, os Oscar da música, como o "melhor álbum do ano", o "melhor álbum contemporâneo", a "melhor capa" e a "melhor engenharia de som".
Ao longo dos últimos 40 anos, somaram-se os mais ambicionados prémios, o último dos quais, já este ano, o de "obra-prima do rock", atribuído pela Fundação Rock And Roll Hall Of Fame.
Em 1988, foi pioneiro nos chamados "álbuns de solidariedade", "tributos" ou "homenagens" quando serviu de fio condutor a "Sgt. Pepper Knew My Father", editado pelo jornal de música londrino "New Musical Express", a favor da associação de solidariedade "Childline".
Seguindo o alinhamento do álbum original, a réplica é executada pelos nomes mais conhecidos à época, como Three Wize Men, Wet Wet Wet, Christians, Wedding Present, Billy Bragg, Sonic Youth, Michelle Shocked, Fall.
Em 2003, as produções Mandala, na esteira dos Simpsons em 1998 ("The Yellow Album"), lançaram em Portugal um álbum dos bonecos da Contra-Informação com o título "S. Bento`s Bonecada Club Band" e capa condizente, colando-se assim à criação dos Beatles.
Uns anos antes, em 1971, o Quarteto 1111, com Tózé Brito e José Cid, tinha também prestado a sua homenagem aos Beatles com "Ode To The Beatles", embora em língua inglesa.
A consagração mais inesperada surgiu há um mês quando a ícone do punk, Patti Smith, escolheu e gravou "Within You Without You", a canção indiana de George Harrison, como uma das suas 12 preferidas de sempre.
"A canção esquecida de "Sgt. Pepper" celebra a doutrina hindu de Dharma, segundo a qual o Amor pode mudar o Mundo. George Harrison é espiritualmente estimulante. Ele pede-nos que acordemos e examinemos as nossas consciências, já que todas as nossas acções têm consequências", justifica Patti Smith em "Twelve".
Para assinalar os 40 anos do álbum, a circunspecta BBC encomendou uma regravação do disco à nova geração de músicos britânicos liderada pelos Oasis, fãs devotos dos "quatro de Liverpool".
Numa atitude só explicável pelo "marketing" inoportuno, Paul McCartney, um dos grandes responsáveis por "Sgt. Pepper", optou por silenciar a efeméride, preferindo promover o seu novo álbum, "Memory Almost Full", cuja edição foi estrategicamente marcada para o período em que todo o Mundo fala dos Beatles.
A decisão de gravar "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band" surgiu em 1966 depois de os Beatles terem desistido dos concertos ao vivo.
Argumentaram então que iriam dedicar-se às gravações de estúdio em detrimento dos espectáculos onde a "beatlemania" impedia a audição do som de palco.
"Não vamos fazer mais digressões, mas vamos fazer como Elvis que, em sua substituição, mandou o seu Cadillac. Nós vamos mandar um álbum", explicou então Paul McCartney, ao desenvolver a ideia de "Sgt. Pepper", personagem inventada por Mal Evans, o "faz-tudo" dos Beatles, morto tragicamente pela Polícia de Los Angeles em 1976.
Mal Evans figura, de costas, na contra-capa do disco, na ausência de Paul McCartney, então em Nova Iorque na festa do 21º aniversário de Jane Asher, sua companheiro da altura.
As gravações em Abbey Road - no maior segredo - começaram logo em Dezembro de 1966, no dia 10, e imediatamente duas canções, "Penny Lane" e "Strawberry Fields Forever", foram retiradas do contexto para ser editadas como single (primeiro single da história da música com dupla face A) em Fevereiro de 1967.
Após mais de 700 horas de estúdio (o primeiro álbum tinha sido gravado em apenas 585 minutos) e um custo de 25 mil libras (uma verba astronómica para a época), o álbum, registado numa simples máquina de 4 pistas, acabou de ser gravado no dia 02 de Abril de 1967.
A estreia radiofónica ocorreu às 17H00 do dia 12 de Maio de 1967 na rádio London, então rádio-pirata.
Quando foi colocado no mercado no dia 01 de Junho de 1967, "Sgt. Pepper" bateu todos os recordes de venda.
Só na primeira semana, na Grã-Bretanha, vendeu um quarto de milhão de exemplares.
Permaneceu durante quase meio ano consecutivo no primeiro lugar do top de vendas, um feito completamente impensável nos dias de hoje.
Com o decorrer do tempo, foi-se entretanto tomando consciência do carácter vanguardista da obra, a começar pela própria capa.
A ideia da capa foi também de Paul McCartney, contra a vontade da própria editora, EMI.
Reuniu fotografias de 57 dos ídolos dos Beatles, como Mae West, Lenny Bruce, Stockhausen, Edgar Allan Poe, Fred Astaire, Bob Dylan, Aldous Huxley, Marilyn Monroe, William Burroughs, Bucha e Estica, Karl Marx, HG Wells, Bernard Shaw, Dylan Thomas, Marlon Brando, Tarzan, Oscar Wilde, Einstein, Lewis Carroll, Marlene Dietrich e Shirley Temple, que o pintor britânico Peter Blake e a sua mulher, a escultora norte-americana Jann Haworth, juntaram num estúdio de Chelsea, na que é a mais famosa e a mais copiada capa de disco de todos os tempos, fotografada por Michael Cooper no dia 30 de Março de 1967.
A grande ausente da capa é Brigitte Bardot, escolhida pelos quatro Beatles, mas que, inexplicavelmente, não aparece.
Peter Blake confessou mais tarde que tinha encarado a feitura da capa como "uma verdadeira obra de arte, um quadro, uma pintura" e não "uma vulgar capa de disco".
A nível gráfico, registo ainda para a impressão das letras das canções na contra-capa, o que nunca tinha acontecido, para o colorido da capa interior de protecção do disco, o que também era inédito, e para a inclusão de uma cartolina com figuras para recortar, o que também era a primeira vez.
"Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band" é também o primeiro álbum da história a não incluir pausas entre as canções - o disco foi concebido como um todo, como um espectáculo em si mesmo, sendo por isso o primeiro "álbum conceptual" de sempre -, tem registado um som de 15 quilociclos, só audível a caninos, a pedido de John Lennon, e, no final do disco, está gravada em "loop" (sem parar) uma frase imperceptível.
No tempo dos gira-discos, a agulha encalhava nesse ponto e o disco não mais parava ad infinitum.
Não sendo isso possível na era digital, a solução (original) encontrada 20 anos depois, em 1987, na edição em CD, foi a de reproduzir apenas durante 28 segundos a frase outrora encalhada.
"Os Beatles insistiram que tudo em "Sgt. Pepper" tinha de ser diferente e foi diferente, revolucionando os processos de gravação então conhecidos", lembrou Geoff Emerick, o premiado engenheiro de som do álbum.
"Tecnicamente foi um pesadelo. Os rapazes queriam o impossível e eu só tinha quatro pistas", explica, por seu turno, George Martin, produtor do disco.
Em pouco menos de 40 minutos estão condensadas 13 das mais famosas e mais conhecidas canções de todo o Mundo: "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band", "With A Little Help From My Friends", "Lucy In The Sky With Diamonds", "Getting Better", "Fixing A Hole", "She`s Leaving Home", "Being For The Benefit Of Mr. Kite!", "Within You Without You", "When I`m Sixty-Four", "Lovely Rita", "Good Morning Good Morning", "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band (reprise)" e "A Day In The Life".
Os Beatles nunca tocaram o álbum ao vivo, mas desde 1989 que Paul McCartney inclui "Sgt. Pepper" nos seus concertos para gáudio das multidões.
O que poderá ser entendido como (mais uma) consagração máxima ocorreu em Londres no dia 02 de Julho de 2005 na abertura do megaconcerto Live 8, quando Paul McCartney e os U2 subiram ao palco para cantar "it was twenty years ago today" (a primeira frase da canção "Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band") para milhões e milhões em todo o Planeta.
Apesar de todas as loas e dos progressos alcançados, os próprios Beatles não consideravam "Sgt. Pepper" a sua melhor obra.
Resume Ringo Starr: "Não renego "Sgt. Pepper", mas como músico prefiro "Revolver".