Shakespeariana "Comédia de Desenganos" de Luísa Costa Gomes estreia-se no Teatro do Bairro

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Lisboa, 20 set (Lusa) -- Luísa Costa Gomes escreveu "Comédia de Desenganos", uma "realidade alternativa" à da peça de Shakespeare "Sonho de Uma Noite de Verão", António Pires encenou, e a estreia é na quarta-feira no Teatro do Bairro, em Lisboa.

"[Esta peça] não é propriamente uma `sequela`, embora imagine Oberon e Titânia mais velhos, cansados e resmungões. É uma `realidade alternativa` à da peça de Shakespeare, que vai buscar ao Sonho algumas personagens (Oberon, Titânia e Puck) e vai buscar uma écloga ao Lys e um pastor que fala vicentino e muitas outras coisas que vieram a talhe de foice", disse hoje à Lusa Luísa Costa Gomes.

Em "Comédia de Desenganos", são-nos apresentados os mesmos reis -- o rei Oberon (rei consorte dos Elfos) e a rainha Titânia (rainha das fadas) -- e as mesmas criaturas encantadas -- ninfas e faunos -- que, tal como em "Sonho de Uma Noite de Verão", são transportados para o caminho da ilusão e do engano, juntando-se-lhes novas figuras e novas tramas amorosas, numa reflexão mais profunda sobre as consequências dos amores desenganados.

Oberon (João Barbosa) e Titânia (Alexandra Rosa) vivem agora num reino árido e deserto, com uma reduzida corte de faunos e ninfas, e Titânia tenta várias vezes matar o marido, que é sempre salvo com poções mágicas e tisanas pelas duas ninfas, Leia (Sandra Santos) e Filomela (Rita Brütt), e pelos respetivos namorados, os faunos Melcatec (Graciano Dias) e Jacinto (Francisco Tavares), sem que a rainha suspeite.

A dada altura, com "filtros mágicos potentíssimos" à mistura, aqueles que se amavam passam a amar outros, havendo mesmo um momento em que tudo isso é explicado ao microfone, com uma música do género algazarra mix em fundo, pela narradora, num encadeado que faz lembrar o poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade, musicado por Chico Buarque ("João amava Teresa que amava Raimundo/que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/que não amava ninguém./ João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/ Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes/ que não tinha entrado na história.").

Até Altina (João Araújo), a escrava da rainha, e o pastor Simplório (João Cabral) são vítimas desta teia de amores enfeitiçados.

"Eu concebi esta peça quase como se fosse uma coreografia. Este texto também o permite, porque é um texto com uma linguagem poética muito engraçada. Lembra-me Lorca, lembra-me Shakespeare, lembra-me Gil Vicente", diz António Pires a propósito.

Sobre a origem deste texto, diz Luísa Costa Gomes: "Comecei a escrever nos anos noventa uma série de diálogos sobre o amor, para serem ditos por jovens namorados; depois evoluiu para este texto quase `clássico`, com cinco atos, um prólogo narrativo dito sempre pela mesma personagem e um enredo ou dois. Ou mais".

Quanto à razão que a levou a regressar ao universo shakespeariano para ir buscar algumas das suas personagens, a escritora comentou: "Isto são coisas que não se decidem. Shakespeare está lá sempre no caminho, faz parte do programa. É a referência".

"A comédia de enganos é um tipo de comédia muito baseada no enredo que vive da coincidência imponderável, do volte-face que se torna em volte-volte-face, do permanente intrigar e do jogo do mascarar/desmascarar. Na comédia de enganos tudo acaba normalmente bem, todos celebram bodas e dizem mal dos atores. Nas comédias de desenganos, as personagens sabem que lá porque o pano cai, não quer dizer que a comédia tenha acabado", explicou.

Na opinião de António Pires, o que autora fez, nesta peça, "foi um bocado uma vingança das mulheres", embora remetendo para ela uma explicação melhor e mais completa desta afirmação.

"Se fosse uma vingança das mulheres -- indicou Luísa Costa Gomes -, a personagem de Titânia seria mais atraente, mais justificada nas suas sucessivas tentativas de homicídio. Oberon seria o único mostrengo. Ela seria uma espécie de heroína dos Estudos Culturais à americana! Não o é. É uma personagem razoavelmente antipática, como deve sê-lo em comédia. Cada uma das personagens vive prisioneira dos seus desejos, impulsos e ressentimentos. Ou seja, da sua história".

Segundo a escritora, "a peça tem uma atmosfera muito infantil, de conto infantil, que o António explorou bem, não carregando, por um lado, nos aspetos histriónicos da representação, e enfatizando na coreografia o valor simbólico primário de cada uma das personagens".

Esta "Comédia de Desenganos" estará em cena no Teatro do Bairro até 22 de outubro, de quarta-feira a sábado, sempre às 21:00.

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