Tese de nascimento de D. Afonso Henriques em Viseu "ressuscitada"
Pouco conhecida dos portugueses mas cada vez mais reconhecida como provável por historiadores, a tese de que D. Afonso Henriques nasceu em Viseu, elaborada pelo estudioso Almeida Fernandes, vai ser reeditada este mês em livro.
A obra "Viseu, Agosto de 1109 - Nasce D. Afonso Henriques", que teve uma primeira edição em 1993 (já esgotada), encontra-se actualmente a ser impressa e os seus exemplares seguirão depois para todo o país.
A polémica tese surgiu, curiosamente, depois de, em 1990, ter sido posta em causa a "tradição" de que Guimarães foi o "berço" do fundador da nacionalidade, com o aparecimento da hipótese de Coimbra, no Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, das Selecções do Reader`s Digest.
A. de Almeida Fernandes (falecido em Tarouca, em Fevereiro de 2002) explica na sua obra que esta resulta, precisamente, de uma encomenda feita pela Unidade Vimaranense - Associação para o Desenvolvimento de Guimarães e sua Região, de 20 de Abril de 1990, que lhe pediu para "averiguar, se possível, onde nasceu D. Afonso Henriques", um trabalho que seria depois publicado "nos semanários vimaranenses".
"Ao longo de quatro meses, não tive a mínima notícia da sua utilização - nem mesmo a recepção me foi notificada. Deduzo que a solução `Viseu` não agradou - como se a História fosse feita para agradar", comenta o historiador num apêndice onde faz uma longa análise à "manifestação vimaranense" que gerou a sua revelação e onde frisa a sua célebre frase "eu não mamo na História: amo-a".
Sem pretender entrar em "polémicas bairristas", a Fundação Mariana Seixas, de Viseu - que criou em 2004 um prémio anual de história medieval em homenagem a Almeida Fernandes - decidiu reeditar a controversa tese, até porque os 500 exemplares da primeira edição, da responsabilidade do Governo Civil de Viseu, estão há muito esgotados.
"Já há algum tempo que tínhamos decidido republicar a obra, que está esgotada e tem sido muito procurada. Mas entretanto esta tese encontrou cientificamente mais apoio e a reedição tem novas justificações", disse à agência Lusa Francisco Peixoto, presidente da fundação.
António José Coelho, editor do livro, explicou que a tese de Almeida Fernandes "é o primeiro estudo realmente feito sobre o nascimento de D. Afonso Henriques", tendo o historiador medievalista "completado um puzzle" que o conduziu até aos primeiros dias de Agosto de 1109 (provavelmente dia 05), em Viseu, porque era aí que se encontrava D. Teresa.
Considera que "a polémica bairrista serenou e depois, num quadro diferente, já vários historiadores subscreveram a tese de Almeida Fernandes, como Henrique Barrilaro Ruas (já falecido) e José Mattoso".
O caso de José Mattoso ganha particular interesse, uma vez que, durante mais de duas décadas, manteve um diferendo com Almeida Fernandes devido a diferentes perspectivas históricas, nomeadamente em relação à fundação da nacionalidade no castelo da Feira, sendo hábito o segundo referir-se ao primeiro usando ironicamente a designação "chefe ou representante da historiografia portuguesa".
Na biografia "D. Afonso Henriques", escrita por José Mattoso para o Círculo de Leitores e impressa em Setembro/Outubro do ano passado, é contada a polémica criada com o surgimento da tese de Coimbra, que inicialmente foi erradamente atribuída a José Hermano Saraiva por ser o director do Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, onde foi publicada.
José Hermano Saraiva esclareceu então que se tratava da opinião do catedrático da Universidade de Coimbra Torquato de Sousa Soares e declarou que, "pela sua parte, continuaria a defender a tradição vimaranense", conta José Mattoso.
José Mattoso alude depois à tese de Almeida Fernandes, que alimentou a polémica por mais dois anos, referindo que a demonstração feita "alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário".
"É, de facto, admissível, com base nos documentos por ele invocados, que Afonso Henriques tivesse nascido em Viseu por meados do mês de Agosto de 1109", sublinha.
Convencido de que outros poderiam ter chegado à mesma conclusão que obteve, se tivessem estudado o assunto, Almeida Fernandes baseia a sua investigação no facto de D. Afonso Henriques ter "dois para três anos" quando morreu o seu pai, em Maio de 1112, e de ter provas documentais quando à residência de D. Teresa em Viseu.
Defende que D. Teresa decidiu viver em Viseu pela mesma razão que o tinham feito, no século X, os futuros reis de Leão Ordonho II e Ramiro II: a segurança, que a protegia das invasões muçulmanas oriundas de Coimbra ou por Gouveia arábica.
Como "provas indirectas" da função residencial soberana de Viseu, o estudioso aponta que "não há região que ao menos se aproxime da de Viseu em número de actos" de D. Teresa e do marido, D. Henrique, "denunciando uma inegável predilecção".
Entre as "provas directas", refere a ausência de D. Teresa de vários actos por "impossibilidade de carácter fisiológico", ou seja, porque se aproximava o nascimento do filho, o que a retinha em Viseu.
Teresa não assiste à agonia do pai, Afonso VI de Leão, nos fins de Junho, em Toledo, tendo cabido ao seu marido, Henrique, o papel de insistir com o sogro para que a sucessão da coroa fosse atribuída à sua mulher e não à sua cunhada, Urraca.
Antes do fim do mês, também não compareceu às exéquias, "um acto que nenhum filho declina, por muito agravado que se julgue de seu pai", explica.
Outra ausência de D. Teresa aconteceu, segundo o historiador, na cerimónia de doação à sé de Coimbra da "maior dádiva que ela alguma vez recebeu", o mosteiro do Lorvão, o que levou à realização de uma segunda, ainda que mais simples, em Viseu, para confirmação.
D. Teresa e D. Henrique deveriam ter ido também à outorga do foral que deram a Zurara (Mangualde).
"Não foram, e porquê? Respondo somente para ele, pois que para ela é já escusado: o nascimento estava tão iminente que Henrique nem se dispôs a uma ausência que nem sequer era para longe", reitera.
São muitas mais as situações, documentadas, que Almeida Fernandes apresenta para sustentar a sua polémica tese mas, em Viseu, age-se com cautela.
Na semana passada, um deputado social-democrata levou à Assembleia Municipal uma proposta para que a autarquia promovesse um congresso onde a tese fosse discutida e estudasse a possibilidade de atribuir o nome de D. Afonso Henriques a uma artéria da cidade.
Sabendo da intenção da Fundação Mariana Seixas, que a autarquia apoia, o seu presidente, Fernando Ruas, aconselhou:
"devíamos deixar correr a tinta, não devíamos ser nós a precipitarmo- nos".
"Sei a quantidade de cartas que recebi de Guimarães [na altura da polémica], como se tivesse sido eu a escrever o livro", frisou o autarca.