"Um jogo de perguntas difíceis" a partir de hoje, no Teatro Maria Matos
A peça "Agora nós", do encenador e dramaturgo Rui Catalão, que hoje se estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa, nasce de "um jogo de perguntas difíceis" e transforma-se num "tribunal da consciência", com o castigo da vaidade.
A origem da peça remonta a uma oficina de teatro que o encenador dirigiu no Montijo, há cerca de um ano, a sua ação desenvolveu-se depois, no contacto com a comunidade local, e ganhou forma no trabalho com os atores.
"Este espetáculo resulta da vontade de trabalhar com três pessoas: Adriano Diouf, Jéssica Ribeiro e Vânia Lopes, que descobri numa oficina de teatro no Centro de Experimentação Artística do Vale da Amoreira, aos quais se juntou, mais tarde, Joãozinho da Costa", explica Rui Catalão nas notas de apresentação da obra.
Os quatro intérpretes "têm uma qualidade que proporciona uma experiência muito rara para o espectador delicado, a limpeza que acompanha os seus olhares", garante Catalão. E prossegue: "Não andei à procura de pessoas para fazer uma peça sobre a discriminação", "interessam-me episódios que fazem lembrar outros episódios, e que ajudam a fazer uma caminhada".
"Fascina-me a experiência do êxodo, das migrações, (...) das deslocações dos povos e de como isso é vivido individualmente. Apesar da sua juventude, com estes intérpretes encontrei esse património vivencial. Se a máxima de Sartre for verdadeira, de que o inferno são os outros, então a experiência mais cruel a que podemos sujeitar alguém é olhá-lo como outro".
Como ponto de partida, a peça teve "um jogo de perguntas difíceis", em que "é obrigatório olhar olhos nos olhos" e "proibido responder sim ou não".
"Quem responde, tem sempre a possibilidade de não responder, mas deve assumir um exame de consciência (...). Durante o processo, descobri que [os atores], quando frequentavam a escola secundária, participavam num outro jogo (...) a que chamavam `rodinha`", em que tudo "era sujeito a um rigoroso exame", lê-se nas notas de Rui Catalão.
"Decidi então sintetizar o jogo das perguntas difíceis e da rodinha num só jogo, que passou a chamar-se `rodinha de fogo`, (...) em que todos são provocadores e alvo de provocação. A alternativa a não arder, é contar uma história. Daquelas difíceis de partilhar".
Essa espécie de "tribunal das aparências, em que a vaidade sai castigada", "veio a revelar-se o chão da peça", garante o encenador que quer que o público veja esse chão, para depois apreciar o momento em que este lhe desaparece debaixo dos pés.
"Para esse abismo ser atravessado tem de se construir uma ponte. Essa ponte pode estar no olhar, numa história ou noutra pergunta", afirma nas notas de apoio. A peça torna-se então "um tribunal da consciência", em que, "como num baile", "se vai trocando de posição", ora provocando ora sendo desafiado.
"Esta peça não é sobre os outros, nem tão pouco é sobre a experiência de ser julgado como outro. É sobre nós".
No percurso de Rui Catalão, "Agora nós" surge depois de "Trabalho precário", apresentado no outono passado no Festival Temps D´Images, e da peça "Judite", inspirada nos quadros da pintora Artemisia Gentileschi (1593-1653), estreada este inverno, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
A estreia da obra realiza-se no âmbito da rede Create to Connect, com o apoio do Programa Cultura da União Europeia.
"Agora nós" fica em cena no Teatro Maria Matos, em Lisboa, até dia 22, com representações hoje e sábado, às 21:30, e domingo, às 18:30.