Vila Nova de Foz Côa: Espólio fotográfico começa a ganhar imortalidade em azulejo

por Raquel Ramalho Lopes - RTP
Amândio Felizes Tetino à porta do estúdio da relojoaria e ourivesaria, que também funcionava como estúdio de fotografia

Mais de seis mil fotografias, com pessoas naturais do concelho de Foz Côa, em atividades do dia-a-dia, que foram captadas entre as décadas de 1930 e 1980, por Amândio Felizes Tetino, estão a começar a passar a azulejos, que serão colocados nas casas das pessoas que constam das fotografias. A intenção é homenagear os moradores daquele concelho do Alto Douro Vinhateiro e devolver o espólio à comunidade.

O “#Projeto Referentes” nasceu pela mão do neto do fundador do Estúdio Foto Felizes, também ele fotógrafo que, ao fim de oito anos com as caixas do espólio do avô à vista, foi “calçar as luvas de algodão e mexer nas fotografias”, para posteriormente as conservar.

“De alguma maneira nunca achei que era correto ter ali imagens de milhares de pessoas e para júbilo próprio sem as dar a conhecer”, conta à RTP, Rui Campos, autor do “#Projeto Referentes”, assim designado em honra das pessoas fotografadas pelo avô, fotógrafo, ourives e relojoeiro da localidade, ao longo de 50 anos.
Além das pessoas, Amândio Felizes Tetino também captou várias centenas de fotografias Vila Nova de Foz Côa e do Alto Douro Vinhateiro, bem como de todo o tipo de cerimónias religiosas; algumas delas também fazem parte do acervo fotográfico da Câmara Municipal.
Com a intenção de dar nova vida ao espólio, Rui Campos começou por reimprimir as fotografias em papel para as devolver àqueles que foram captados pela objetiva de Amândio Felizes ou aos seus descendentes.

O ato da devolução, também ele registado, é uma oportunidade para Rui Campos “conseguir chegar a cada uma destas pessoas”.

Para identificar e encontrar os fotografados, Rui Campos recorre  também ao site do projeto. Diariamente, às 9h da manhã, é publicada uma imagem com um pequeno texto em que poderá pedir ajuda para a identificação. À medida que as imagens passam dos capítulo "Por Identificar" para "Identificadas", Rui Campos avança para a impressão da fotografia com o intuito de a devolver.

Entrar em contacto com os fotografados é, para o autor do “#Projeto Referentes” e única pessoa a trabalhar no mesmo, a parte mais difícil do processo. Quando é bem sucedido, Rui Campos obtém assentimento para a divulgação das imagens. Já foram reunidas cerca de 200 autorizações.


Azulejo garante resistência ao Tempo
Cumprido o objetivo de devolução da devolução das fotografias, o passo seguinte é garantir a posteridade. O azulejo foi o material escolhido para imprimir as fotografias.

“A opção pelo azulejo é uma questão identitária, porque é um produto tipicamente português. Mas além disso é, comparativamente com outros materiais equacionados (Vinil, vidro, metal), mais barato, mais resistente às agruras do Tempo e não destoa, tanto numa parede velha como nova, sendo também um material que não implica manutenção”, explica Rui Campos.

“Estão colocados cerca de 20 azulejos, mas apenas como experiência, a fim de perceber a sua durabilidade”, acrescenta o autor do projeto.
Procura de financiamento e outros desafios
“A fase cozimento dos azulejos é bastante onerosa e ainda não se encontrou forma de financiamento. Não acredito que devam ser as pessoas que constam nas imagens a pagar o primeiro azulejo do seu bolso, penso que deve ser o projeto”, sustenta Rui Campos, que tem apenas 10 por cento do espólio, cerca de 650 fotografias, digitalizadas.

“Como já referi sou o único a trabalhar nele e enquanto não conseguir financiamento, tem de ser assim”, respondeu, instado a apontar as principais dificuldades encontradas. A emigração é outro desafio à concretização do projeto.

São seis mil as fotografias, mas muitos mais os que nelas são retratados e cerca de 50 por cento partiram de Vila Nova de Foz Côa.

“A circunstância de ter imensos referentes das fotografias no estrangeiro é uma grande vantagem, mas é também um inconveniente, uma vez que é preciso contactar estas pessoas, uma a uma, apresentar-lhes o projeto e conseguir delas a autorização para a divulgação das imagens no âmbito do mesmo, bem como para que estas aceitem colar azulejos nas suas paredes. Isto não pode ser feito por telefone ou videochamada”, nota Rui Campos.
Guia da região
Outro dos elementos do projeto consiste na ligação dos azulejos a um site através de códigos QR, um código de barras bidimensional que é lido por dispositivos móveis e que permite obter mais informações sobre a fotografia.

“Quando passas por um azulejo e ‘picas’ o código com o telefone vais para a localização desse azulejo na plataforma, que precisa de saber a localização geográfica do azulejo. Só assim podes ser guiada na zona. Por exemplo, recebes uma instrução do tipo: “vire na segunda à direita e encontra a Sinagoga”.

Desta forma, Rui Campos quer “prestar todo o tipo de informações possíveis a todos os que visitam o concelho de Foz Côa”, a única região administrativa do Mundo cujo território é classificado duas vezes pela UNESCO: o Alto Douro Vinhateiro e o Parque Arqueológico do Vale do Côa.

“Ambas classificações homenageiam a obra do Homem” e “não pretendendo substituir-me à UNESCO, como é óbvio, quero homenagear as pessoas que habitam tão distinto espaço”.

“A plataforma vai sendo criada à medida que os azulejos vão sendo colocados”, refere Rui Campos, admitindo que “o #ProjectoReferentes é tão grande, tão diversificado que jamais estará concluído. Haverá sempre e cada vez mais formas e abordagens de lhe pegar, e a meu ver sempre pertinentes”.
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