A segunda morte da "rainha da pornografia"

por RTP
Beate Uhse (ao centro) Kai Pfaffenbach, Reuters

A busca do lucro é a lei do capitalismo e a máxima sabedoria é a de investir no que estiver a dar. Beate Uhse entendeu este mecanismo secreto. Desde aviadora da Luftwaffe na Alemanha nazi a grande empresária da pornografia, teve sete vidas. Falecida em 2001, tem agora a sua segunda morte, ao desmoronarem-se o império comercial e a marca que ostentam o seu nome.

Há 28 anos, ninguém podia imaginar que um dia a firma Beate Uhse AG, com sede em Flensburg, iria declarar a insolvência. O império criado por Uhse tinha crescido na República Federal Alemã e beneficiava largamente da queda do Muro de Berlim. O novo mercado que se abria na antiga RDA trazia à sua rede de sex shops milhares de novos clientes, recém-saídos de um regime de apertada censura e, na sua imagem pública, rigorosamente puritano.A vida aventurosa de Beate Uhse
A empresária, com 70 anos à data da queda do Muro, tinha atrás de si as tais sete vidas recheadas de sucessos e de dificuldades bem vencidas. Entusiasta da aviação, ela obtivera um brevet de piloto no dia do seu 18º aniversário. Entrara em competições, trabalhara como piloto de testes e depois como duplo para cenas arriscadas em filmes da UFA. Comprometeu-se com a propaganda nazi, ao participar no filme Achtung - Der Feind hört mit [Atenção - o inimigo está à escuta].

Durante a Segunda Guerra Mundial tornava-se impossível continuar a voar na aviação civil, mas aceitou uma proposta para entrar ao serviço da Luftwaffe, como piloto dos seus voos de transporte de tropas e de material. Terminou a guerra no posto de capitão.

Casada com um piloto da Luftwaffe, ficou viúva em 1945, aos 26 anos, na sequência de um acidente de voo do marido. No fim da guerra conseguiu fugir de Berlim para a zona de ocupação britânica, e ser aprisionada pelas tropas britânicas.

Ao ser libertada, encontrava-se sob a alçada da proibição, aplicada a todos os pilotos da Luftwaffe, de continuar a voar. Dedicou-se portanto ao mercado negro, no pós-guerra. Na venda que fazia de porta em porta, foi conhecendo as queixas de numerosas donas de casa que lutavam com as dificuldades do pós-guerra, entre elas as gravidezes indesejadas, na vaga de regressos dos companheiros desmobilizados da guerra. Começou então a focar-se na divulgação de métodos contraceptivos.

Alargou depois esse âmbito ao de um aconselhamento sobre problemas de sexualidade, naquilo que hoje se classificaria como um caso de estudo de "empreendedorismo" - uma pequena firma com quatro empregados, criada em 1951 em Flensburg. Onze anos depois, a firma abria o que terá sido a primeira sex shop do mundo.

A actividade comercial tinha as dificuldades que lhe são próprias, e também as que resultavam da censura social e de alguma repressão policial e judicial. Até 1992, teria de defender-se contra 2.000 acusações apresentadas perante a Justiça. Mas gozava, por outro lado, das vantagens de ser pioneira no seu ramo.

Quando Beate Uhse faleceu na Suíça, em 2001, vítima de uma pneumonia, deixava uma empresa florescente, cotada em bolsa e aparentemente prometedora.
A segunda morte da "rainha da pornografia"
O problema é que uma rede imensa, e pesada, de sex shops era a concorrente mais vulnerável para a pornografia na internet. Hoje, a firma anunciou o pedido de insolvência, devido ao fracasso das tentativas que vinha empreendendo para reestruturar uma dívida de 30 milhões de euros.

Já no ano passado, a apresentação das contas da empresa fora sucessivamente adiada, o responsável financeira fora demitido em junho deste ano e pendia sobre a firma a ameaça de pesadas coimas por não cumprir com as obrigações referentes à apresentação de contas.

Um olhar sobre a evolução do valor em bolsa da Beate Uhse AG é ainda mais revelador: cada acção valia no ano 2000 25 euros; hoje não vale mais de 12 cêntimos.

Os accionistas que não lessem atentamente o relatório e contas podiam ainda ser iludidos sobre o valor das suas acções, por lhes serem oferecidas ainda, em cada assembleia anual, compras nas sex shops da cadeia no valor de 30 euros como senha de presença.

Mas neste ano nem sequer foi convocada a assembleia geral - e ninguém se queixou disso, por aparentemente já não haver accionistas que tenham alguma expectativa em recuperar o valor do seu investimento. Agora, a assembleia marcada para 19 de dezembro foi adiada para março de 2018. O adiamento é considerado uma violação flagrante da lei que regula a actividade da bolsa.
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