Acordo preferencial dos EUA com África expirou e ONU alerta para impacto negativo
O acordo comercial AGOA, de acesso preferencial dos países da África subsaariana ao mercado dos Estados Unidos, expirou terça-feira apesar de propostas para a sua renovação, gerando alertas da ONU para o impacto negativo em dezenas de países.
A menos que este acordo, ou Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA, na sigla do inglês African Growth and Opportunity Act), venha a ser renovado, os exportadores africanos de produtos agrícolas e manufaturas leves poderão enfrentar uma redução no acesso ao mercado norte-americano, prejudicando as perspetivas de diversificação das exportações e a industrialização em todo o continente, alertou hoje a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) em comunicado.
Considerado um elemento-chave nas relações económicas entre Washington e África, o AGOA, aprovado em 2000 e que abrange 32 países, procura impulsionar a industrialização do continente e ajudar dezenas de países subsaarianos a sair da pobreza e é também visto como uma ferramenta estratégica de influência dos EUA em África, dada a presença crescente da China.
Contudo, expirou na noite de terça-feira, embora o Governo do Presidente Donald Trump tenha manifestado apoio à extensão, já que cabe ao Congresso uma eventual prorrogação, num momento em que os legisladores estão focados numa paralisação do orçamento do Governo Federal dos Estados Unidos.
Diversas propostas para estender o AGOA foram apresentadas no Congresso, com amplo apoio bipartidário, mas a não renovação antes do prazo gerou incerteza junto dos exportadores africanos.
Sem o acordo, os 32 países que receberam tratamento preferencial até final de setembro deste ano enfrentam uma segunda onda de aumentos tarifários, alertou a UNCTAD.
Devido às taxas tarifárias variáveis e às exceções para matérias-primas sensíveis, as exportações africanas de bens agrícolas e produtos manufaturados estariam sujeitas a tarifas duas a três vezes superiores às aplicadas a combustíveis e minerais, salientou a agência da ONU.
Os benefícios do AGOA já tinham sido limitados nos últimos meses pelas medidas protecionistas implementadas por Trump após regressar à Casa Branca em janeiro, que resultaram na imposição de tarifas entre 10% e 30% a dezenas de países africanos, em vigor desde 07 de agosto.
Até agora, o programa beneficiou amplamente países como Madagascar, Lesoto e África do Sul e permitiu que dezenas de Estados africanos exportassem quase 7.000 produtos para os Estados Unidos, desde setores como a agricultura a têxteis, até metais e combustíveis, embora o seu impacto tenha sido desigual na região.
No Lesoto, por exemplo, aproximadamente um terço das exportações está vinculado ao AGOA, predominantemente no setor de vestuário, que emprega entre 30.000 e 40.000 trabalhadores, principalmente mulheres.
Os produtos da mineração são os menos afetados pelas mudanças tarifárias de Washington sobre produtos africanos.
Países como Angola, República Democrática do Congo ou Nigéria --- cujas exportações são principalmente de combustíveis e minerais --- enfrentam aumentos tarifários mínimos, visto que as suas principais exportações beneficiam de tarifas baixas ou isenções de impostos adicionais.
Economias mais diversificadas, como a África do Sul, estão menos expostas ao fim do AGOA, mas já sofreram aumentos tarifários significativos este ano devido a tarifas específicas por país e setores.
Em 2023, as importações dos Estados Unidos ao abrigo do AGOA totalizaram quase 10 mil milhões de dólares (8,5 mil milhões de euros), de acordo com a UNCTAD.
Diante da atual crise, vários países africanos têm mantido negociações bilaterais com Washington nos últimos meses, na tentativa de chegar a acordos comerciais.
A AGOA foi um dos tópicos de discussão na reunião na semana passada entre o Presidente queniano, William Ruto, e o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, à margem da 80.ª Assembleia Geral da ONU.