Advogados de António Domingues negociaram exceção na CGD

O Governo negociou com a sociedade de advogados Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados, que assessorava António Domingues antes de assinar o contrato com a Caixa Geral de Depósitos, a alteração à lei que isentava os administradores do banco do Estado das obrigações impostas pelo Estatuto dos Gestor Público. A notícia, que é avançada na edição desta quinta-feira do Público, surge depois de terem sido revelados emails da equipa de Domingues às Finanças.

Cristina Sambado - RTP /
No centro da polémica está uma carta enviada a 15 de novembro de 2016 por António Domingues ao ministro das Finanças Tiago Petinga - Lusa

A intenção, no processo negocial entre a sociedade de advogados e as Finanças, era também que a futura administração da Caixa Geral de Depósitos fosse desobrigada da entrega de declarações ao Tribunal Constitucional.

Apesar de o acordo ter sido oficialmente confirmado pelo secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, o Executivo nega que tenha existido um acordo entre o Ministério e António Domingues.

Segundo o Público, “a equipa de Mourinho Félix deu a escolher ao escritório de advogados de António Domingues qual a formulação que pretendia para alteração à lei. Ficou tudo como o ex-presidente da CGD queria”.

Num email enviado em junho para a sociedade de advogados, um técnico especialista do gabinete de Mourinho Félix enviou três opções para aquilo que seria o decreto-lei que permitiu a exceção.

O jornal avança que a resposta da Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados foi a seguinte: “Das três redações que nos enviou a que julgamos corresponder ao pretendido é a primeira, sem a parte final que assinala a negrito. Isto porque o objetivo não é apenas desqualificar os membros da administração como gestores públicos, mas também afastar a aplicações de todo o decreto-lei”.

O decreto-lei acabou por ser publicado no verão do ano passado e a redação final é, em vários pontos, idêntica à proposta da sociedade de advogados, que permitia alterar a parte remuneratória (salários semelhantes aos do privado) e isentava os administradores da Caixa Geral de Depósitos de entregarem as declarações de rendimentos e de património.

“As semelhanças entre a proposta dos advogados e a reação final do decreto-lei começam logo no preâmbulo: o início é idêntico, o restante corpo do texto sofreu bastantes alterações nas frases, mas com o mesmo intuito. E a formulação da parte dos artigos é em tudo igual à escolhida pelos advogados de Domingues, sem a dita parte a negrito e mais outro acrescento”, frisa o Público.
A troca de correspondência
No centro da polémica está uma carta enviada a 15 de novembro de 2016 por António Domingues ao ministro das Finanças.

Marina Conceição, André Macedo, Miguel Teixeira - RTP


A troca de correspondência divulgada pelo jornal online Eco revela a surpresa de António Domingues perante a obrigatoriedade de os membros da administração da Caixa Geral de Depósitos apresentarem as declarações de rendimentos e património.

"Foi, desde logo com grande surpresa que vimos serem suscitadas dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do conselho de administração da CGD do Estatuto do Gestor Público (EGP), concretamente sobre a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional”, avança a carta.

Domingues afirma, explicitamente, a Mário Centeno que a dispensa dessa apresentação tinha sido uma das condições para aceitar o cargo e para convidar os restantes membros para a administração.

António Domingues sublinha: "De facto, a não sujeição da administração a esse estatuto (...) tem, para além do mais, como consequência a não submissão ao dever de entregar ao TC a declaração de património e consistia, desde o início, uma premissa essencial para o projeto de recapitalização da CGD na ótica do investidor privado, na medida em que permitia - como permitiu - atrair para o projeto uma equipa internacional de profissionais (...) e foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais, como de resto o Ministério das Finanças confirmou”.

Na carta, António Domingues acrescenta que a dispensa decorria do novo estatuto dos administradores do banco público, que o Governo tinha aprovado em junho de 2016.

Foi essa carta que os deputados da Comissão de Inquérito Parlamentar à Caixa Geral de Depósitos exigiram conhecer.

No entanto, o jornal Eco avança que “a troca de correspondência entre António Domingues, Mário Centeno e Mourinho Félix, entre outras ‘personagens’ deste filme, como o advogado Francisco Sá Carneiro e técnicos das Finanças, começou muito antes, mais exatamente a 11 de abril de 2016”.

Nos vários emails trocados entre Domingues e o Ministério das Finanças, são expressas as condições que a administração da Caixa Geral de Depósitos impõe para assumir funções.

A 14 de abril, António Domingues escreve: “No seguimento das reuniões realizadas com V.Exª conforme então acordado, venho apresentar as bases que entendo necessárias para que a CGD continue a desempenhar o seu relevante papel no sistema financeiro português e que, conforme referi a V.Exª, são essenciais para aceitar o convite que V.Exª me dirigiu para liderar o conselho de administração daquela instituição bancária nacional”.

E acrescenta: “Não devem existir obrigações de publicidade, transparência ou de declaração relativamente à identidade e aos elementos curriculares de todos os membros dos seus órgãos sociais, às respetivas remunerações e outros benefícios além das que já decorrem da lei comercial, incluindo da lei e regulação bancária”.
Onze emails

No total foram trocados 11 emails entre o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos e membros do Ministério das Finanças, incluindo Mário Centeno, em que fica claro que a condição para a equipa de Domingues entrar em funções era a alteração ao Estatuto do Gestor Público. Condição que, na troca de correspondência, nunca é desmentida pelo Governo.

A 15 de novembro, António Domingues recebe uma carta de Mário Centeno em que o ministro das Finanças afirma: “Tomo nota das notificações do Tribunal Constitucional de que me dá conhecimento. Permita-me que cumprimente a elevação do conselho de administração da CGD e de cada um dos seus membros na determinação que me comunica de respeitar a decisão do Tribunal. Estou convicto ser do interesse da CGD que tal determinação [do TC] se concretize num prazo muito curto“.

Perante uma possível demissão de António Domingues e da administração da Caixa Geral de Depósitos, o governante afirma que o presidente do banco público deve entregar-lhe uma lista de potenciais candidatos à sua substituição. “Naturalmente, os putativos novos membros dos órgãos sociais da CGD têm de conhecer e estar dispostos a cumprir todas as obrigações legais a que se encontrarão sujeitos”.

A 27 de novembro, alguns dias depois de receber a carta de Mário Centeno, António Domingues apresenta a renúncia à presidência da Caixa Geral de Depósitos.
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