Até onde se estende a sombra da crise financeira da Grécia?

por Christopher Marques - RTP
Yannis Behrakis - Reuters

Após meses de negociações falhadas, o fantasma do Grexit desenha-se maior do que nunca. O cenário é mais do que admitido, é estudado, previsto e preocupa as mais poderosas nações. Os governantes portugueses são mais contidos, insistindo, ainda assim, nas diferenças entre Lisboa e Atenas e sublinhando que há “condições” para superar a volatilidade dos mercados.

Portugal não é a Grécia. A garantia tem sido repetida por Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque e, efetivamente, as dificuldades helénicas são superiores aos problemas lusos. Apesar das diferenças, porém, uma eventual saída grega da moeda única não deixará de ter consequências para Portugal, frequentemente percecionado como o segundo na linha de secessão.

Em termos de liquidez, Passos Coelho assegura que o país está preparado, pelo menos, até ao fim do ano.

“Temos condições para dizer que o Tesouro português está, até ao final do ano, em condições de poder enfrentar qualquer volatilidade do mercado”, tranquilizou o primeiro-ministro, acrescentando ainda que, em breve, se poderá também ter uma boa resposta preparada para o princípio de 2016.
Portugal tem aproveitado a melhoria das condições de mercado, beneficiando da redução das taxas de juros e das medidas de estímulo do Banco Central Europeu, para conseguir constituir uma almofada financeira.

No início do ano, o Tesouro previa conseguir uma almofada financeira de dez mil milhões de euros em 2015, o equivalente a cerca de 90 por cento das suas necessidades de financiamento para 2016.

Cristina Casalinho explicava que Portugal tem “todo o interesse em manter uma almofada financeira precisamente para acautelar possibilidades de volatilidade e tensões no mercado”, apesar de admitir que esta opção tem “custos associados”, uma vez que está a pagar juros desse dinheiro.
“Cofres cheios”
Em abril, a ministra das Finanças aludira à polémica expressão “cofres cheios”, garantindo que Portugal estava preparado para fazer face a eventuais dificuldades. Albuquerque tentava tranquilizar o país, mas motivava a ira da oposição e de muitos portugueses, enquanto enviava nova farpa aos colegas helénicos.
O Tesouro português foi esta quarta-feira aos mercados e teve de pagar mais para se financiar. O mercado de dívida está a refletir as ondas de choque do dossier grego, o que tem feito subir os juros dos países periféricos. Portugal colocou 750 milhões de euros em dívida a três e 11 meses: na maturidade mais prolongada a taxa foi dez vezes maior do que no leilão de abril, situando-se em 0,16 por cento.


A Grécia não tinha “um tostão nos cofres para fazer face às suas despesas”, lançara Albuquerque, enquanto Lisboa tinha os “cofres cheios”. “Cheios de dívida”, respondia a oposição.

Os “cofres cheios” afiançados pela ministra das Finanças apresentam-se como uma parte importante para um eventual choque e para uma subida das taxas de juro, uma reação natural face à atual volatilidade, indecisão e especulação em torno da questão grega.

Em termos gerais, significaria que Portugal poderia continuar a cumprir as suas obrigações internas e externas, mesmo que houvesse uma grande deterioração das condições de mercado. Apesar de Lisboa beneficiar atualmente de juros baixos, uma rutura helénica poderia inverter a aparente confiança que os investidores têm posto em Portugal.

“A pedra não desapareceu e vai demorar ainda tempo até que ela comece a pesar muito menos”, disse na terça-feira a titular da pasta das Finanças, para reconhecer também que é “no momento em que as coisas começam a melhorar que nós corremos os maiores riscos”.
Efetivamente, a pedra nacional foi-se transformando ao longo dos anos. Uma dívida equivalente a 130 por cento do Produto Interno Bruto, que continuou a crescer ao longo dos últimos anos. A par de um desemprego que se mantinha acima dos 13 por cento em 2014.

O Memorando de Entendimento assinado em 2011 previa que o rácio da dívida pública começasse a decrescer em 2013, o que não se verificou. Só o rácio da dívida pública de 2015 deverá ser inferior ao do ano anterior, de acordo com a última previsão da Comissão Europeia (124,4 por cento).

“Ter conseguido pegar na pedra e andar em frente não é pouca coisa”, defende-se Maria Luís Albuquerque. Apesar da evolução ascendente, a “pedra” portuguesa encontra-se longe do colosso grego, que Bruxelas prevê vá ultrapassar os 180 por cento do PIB em 2015, mas está ainda também muito afastado dos critérios da moeda única.

Ao ser estreado o ainda inexistente caminho da saída do euro, alguns investimentos internacionais na Zona Euro poderão ser reponderados, nomeadamente nos países mais endividados, relembra La Tribune.

A saída da Grécia do euro, teorizou Christine Lagarde, não será “um passeio”, mas também não seria o fim, enquanto Durão Barroso apresentou o cenário como “gerível”.

O presidente do Conselho de Sábios de Angela Merkel defendia que o Grexit seria melhor do que a cedência a todas as exigências do Syriza. No entanto, Christoph Schmidt admitia que “não há maneira de estarmos cem por cento seguros de que não haveria contágio”.“Águas Desconhecidas”
Não há maneira de se estar seguro, sendo o cenário novo e absolutamente imprevisível. Uma entrada em “águas desconhecidas”, sublinhou esta semana Mario Draghi. Uma hipótese que não existe em tratados, que representará uma derrota política da Europa e um retrocesso depois de décadas de avanços no aprofundamento e alargamento europeu.

A saída helénica do euro poderia ainda abrir caminho a novos retrocessos, numa época já propensa ao crescimento de pensamentos eurocéticos.

O presidente do Banco Central Europeu, tal como a maioria dos economistas, assevera que o Grexit seria hoje “menos dramático” do que poderia ter sido no passado. Mas Draghi relembra que discutir tal desfecho é especular: não está previsto, nunca aconteceu, é imprevisível.

O euro é tido como irrevogável - veremos se a palavra mantém o seu significado original na Europa.
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