Aumento das taxas de juro. Quais as consequências para os bolsos das famílias?

por Inês Moreira Santos - RTP
RTP

Ao fim de 11 anos, as taxas de juro vão aumentar 0,5 pontos percentuais. A decisão do Banco Central Europeu (BCE), anunciada na quinta-feira, visa travar a inflação e terá efeitos já a partir de 27 de julho. Mas as subidas podem não ficar por aqui e trazem consequências para os orçamentos das famílias e empresas.

"O Conselho do BCE considerou apropriado dar um primeiro passo maior, na sua trajetória de normalização das taxas de juro diretoras, do que o sinalizado na reunião anterior", referiu em comunicado o banco central, que optou por uma subida de 50 pontos base em vez dos 25 pontos base indicados inicialmente.

Segundo a decisão do BCE, a taxa de juro das principais operações de refinanciamento passa de 0 para 0,50 por cento, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez fica agora em 0,75 por cento e a taxa de depósito que estava em terreno negativo (-0,50 por cento) sobe para 0 por cento.

E esta subida das taxas de juro de referência terá impacto nas carteiras das famílias e empresas de forma geral, mas principalmente para as que tenham empréstimos, uma vez que as taxas de juro associadas aos empréstimos vão também aumentar.

Segundo o BCE, a futura trajetória das taxas de juro diretoras "continuará a depender dos dados e ajudará a cumprir o objetivo de inflação de 2 por cento a médio prazo". E a presidente do banco central, Christine Lagarde, deixou o alerta de que continuam a aumentar as pressões sobre a inflação, "que vai manter-se alta durante bastante tempo", num momento em que a economia desacelera.

Como explicou a responsável pela instituição europeia, a pressão nos preços da energia, dos alimentos e os problemas nas cadeias de abastecimento estão por detrás da tensão inflacionista. Por isso, o BCE decidiu "por unanimidade" subir as taxas de juro em 50 pontos base e aprovar um instrumento de forma a evitar que disparem os juros da dívida de alguns países da zona euro e que consiste em comprar dívida desse país.
Como afetam as famílias e empresas?
São três as taxas de juro de referência que vão aumentar ainda este mês: a taxa de juro de refinanciamento - utilizada na maior parte da injeção de liquidez, através do sistema bancário - passou de zero para 0,5 por cento; a taxa de juro da facilidade de crédito marginal - usada nos empréstimos concedidos aos bancos - passou de 0,25 por cento para 0,75 por cento; e a taxa de juro de depósitos - remuneração oferecida pelo BCE ao dinheiro depositado pelas instituições financeiras no banco central - passou de -0,5 por para 0.

Ao subirem as taxas diretoras, sobe a taxa Euribor, visto que acompanha as tendências da política monetária do Banco Central Europeu. Para quem tem um crédito à habitação aumentam, consequentemente, as prestações mensais ao banco, afetando os orçamentos das famílias e até das empresas.

As taxas Euribor, nos principais prazos utilizados nos empréstimos a famílias e empresas, têm estado a subir de forma acelerada, atingindo valores que se previam apenas para o próximo ano. A taxa Euribor a três meses está nos 0,145 por cento (um máximo desde outubro de 2014); a seis meses, o prazo mais utilizado no crédito à habitação, fixou-se em 0,632 por cento (um valor que não era registado há dez anos); e a de 12 meses, muito utilizada nos empréstimos depois de 2015, está em 1,142 por cento (valor mais alto dos últimos dez anos).

Embora seja variável, o impacto na carteira das famílias ainda pode ser grande. De acordo com uma simulação recente do BPI, para um empréstimo de 120 mil euros a 33 anos, prevê-se um agravamento em torno de 100 euros na prestação mensal no final de 2022, em comparação com o que se pagava no final de 2021.

Nos próximos meses, deverá haver aumento da prestação de crédito à habitação, principalmente para quem tenha uma taxa variável. Em Portugal essa é a escolha da maioria dos portugueses.

Neste sentido, a DECO está a alertar para os efeitos desta decisão do BCE nos orçamentos das famílias. Natália Nunes, do gabinete de proteção financeira da Associação para a Defesa do Consumidor, salienta que a decisão do BCE vai refletir-se em maior despesa para os portugueses.

“Com a Euribor a subir, e sendo previsível que continue a subir, as famílias vão ver a sua prestação de crédito à habitação a aumentar de forma mais ou menos significativa”, explicou à Antena 1.
Mas se “o somatório das prestações com crédito representar mais de 35 por cento do rendimento líquido da família”, a DECO aconselha a que se tomem medidas no sentido de “baixar esta taxa de esforço”, até porque também os preços dos bens essenciais continuam também a aumentar.

De acordo com a organização, "para uma vida financeira equilibrada a taxa de esforço da família não deve ultrapassar os 35 por cento, se for superior é tempo de repensar as suas despesas, necessidades e prioridades, definindo assim uma estratégia envolvendo todo o agregado familiar, para a redução das despesas, renegociando contratos e promovendo a adoção de comportamentos para gastar menos".

Apesar dos avisos, o Partido Socialista defendeu que não se prevê um efeito imediato entre a subida das taxas de juro diretoras do Banco Central Europeu e as taxas formadas no mercado interbancário, que têm impacto no crédito à habitação.

“É preciso dizer que algum desse movimento de aumento das taxas de referência por parte do BCE já foi acomodado pelas próprias taxas interbancárias. Por isso, não é esperável um efeito mecânico entre o aumento das taxas de referência do BCE e um efeito na prestação da casa das pessoas”, sustentou à Lusa o presidente do Grupo Parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias.

Para Eurico Brilhante Dias, as taxas de juros dos créditos à habitação têm vindo a aumentar, embora “para valores ainda particularmente baixos quando se compara com o histórico”.

“Mas isso vai ter um efeito na bolsa dos portugueses, e terá muito provavelmente já no segundo semestre”, admitiu.
Como afeta a economia portuguesa?
A inflação na zona euro disparou em junho para 8,6 por cento, o que se deve em particular aos preços da energia, que vão continuar elevados, dos alimentos e às dificuldades nas cadeias de abastecimento.

Ao ser aprovado um novo instrumento para evitar que subam os juros da dívida de alguns países e tendo em vista os dados mais recentes sobre a evolução da inflação, o BCE pode voltar a aprovar uma subida das taxas de juro mais acentuada do que tinha indicado em junho.

"O Conselho considerou apropriado dar um primeiro passo maior na normalização da sua política monetária", salientou Lagarde na quinta-feira, acrescentando que nas próximas reuniões serão necessárias mais subidas das taxas de juro em função do momento.

"Estamos a acelerar a saída" de uma política monetária muito expansionista e sair de taxas de juro negativas "permite fazer uma transição" com a tomada de decisões sobre as taxas em cada reunião, adiantou.

Em entrevista no Telejornal da RTP, o antigo vice-presidente do Banco Central Europeu afirmou que a subida dos juros terá um efeito negativo no desempenho da economia. Vítor Constâncio considerou que o BCE não deve subir a taxa de referência acima de um e meio por cento, sob pena de prejudicar “demasiado” a atividade económica dos países.

Constâncio diz mesmo que há um risco de Portugal entrar em recessão já em 2023.

“É evidente que há um risco, mesmo sem os aumentos das taxas de juro, há um risco de haver uma recessão no próximo ano”, admitiu.
Contudo, acredita que os juros subiram no momento certo e que este aumento de 0,5 por cento “é relativamente pequeno para se sentir na economia”. E que, para já, não terá grandes impactos na divida portuguesa.

Horas depois de anunciados os aumentos do BCE, os juros da dívida pública europeia dispararam. Os juros da dívida portuguesa subiram para 2,514 por cento contra os 2,389 por cento na quarta-feira.

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